DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capitulo IV

Casas de sapê, outras de pau a pique, velhos e enferrujados quintais estão à vista quando o trem começa a diminuir sua marcha. Já se podem avistar as centenas de pessoas que se espremem no cimentado alto da estação. Dentro dos vagões os viajantes da 1 a Classe abrem seus sobretudos elegantemente. Muitos são azuis outros brancos e a maioria amarelos. São pessoas que devem vir da capital para o exercício de suas profissões. Juizes de Direito que respondem por varias comarcas, Defensores Públicos, gente do Ministério Publico ou mesmo médicos que chegam para algum atendimento de urgência. Como usam o trem de 1 a classe eles passam a maior parte do tempo no vagão restaurante.

A estação é um só movimento . Andanças de ferroviários de um lado, passageiros de outro, mulheres balbuciam palavras ininteligíveis sobre homens que devem descer e tudo se volta para este maravilhoso momento mágico da chegada do expresso.

João Barbeiro prepara-se para sua Longa Mentira Macaé - Campos . Ao seu lado quatro ou seis amigos serão testemunhas de sua façanha que deve começar na saída do trem e ir até a estação do Caju em Campos. Sua vestimenta é simples. Usa um, sobretudo cinza que combina com seu chapéu. Cabelos cortados a “lá Príncipe Danilo” e um bigodinho aparado que vai de um canto a outro do seu lábio superior. Seus sapatos estão brilhando. Tinham sido engraxado pelo negro “Tiziu” que nem cobrou o serviço porque tinha apostado que João barbeiro ia fazer o trecho com sabedoria e técnica, pregando a sua grande mentira.

O Expresso para na estação . Gente que entra, gente que sai, vendedores de todo o tipo de doces e salgados se espreme na busca de algum troco. Laranja Macaé, Laranja Bahia e Laranja Lima são disputadas num pequeno carrinho onde uma maquina afiada vai descascando com uniforme beleza as laranjas. Carregadores de malas brigam para ser o portador e leva-las até o motorista de sua preferência. Um mundo de atividades que margeiam esta magnífica presença do Trem de ferro.

Os passageiros que apenas passam pela cidade descem e caminham em direção ao barzinho. Sabem que 20 minutos são o bastante para um pequeno passeio por entre gente e vendedores nas que passam.

O vagão de 2 a começa a se encher de todo tipo de coisas . Embrulhos, crianças choramingando, velhos arrastados por netos e netas, mulheres transportando animais que seriam vendidos e voltam. Enfim uma gama de bugigangas que fazem do vagão um emaranhado de gente & coisas.

João Barbeiro entra no trem de 1 a classe e se assenta. Enquanto no de 2 a as pessoas sentam no pau duro de um banco reto e sem conforto, na 1 classe tudo é macio e de bom grado. Até os cobradores de passagens falam mais manso quando se dirigem a alguém que cochila. Na 2 a classe não. Se alguém esta cochilando recebe um solavanco e tem que acordar rapidinho. Coisa da diferenciação de classe que o jovem Guarda-freio denunciava a seus companheiros na soleira da Amendoeira na praia de Imbetiba.

Estrategicamente ele escolhe o vagão que fica antes do Restaurante para que sua Longa Mentira seja iniciada e aumentada à platéia na medida em que o trem vai se deslocando com destino a Campos.

Outros guarda-freios andam de vagão em vagão olhando cuidadosamente um ferro grosso parecido com um punção gigante que une os vagões uns nos outros. Seu trabalho o leva a andar centenas de metros enquanto, lá na frente à velha Maria Fumaça vai “bebendo sua água” e se abastecendo de lenha para a longa caminhada por entre trilhos e pontilhões até Cachoeira do Itapemirim. O chefe da Estação vai até onde esta o telegrafista e ordena que seja avisado a Carapebus que este atraso não se deu em sua jurisdição e que já esta quase saindo daqui o Expresso. Sua garganta já esta seca e seus dedos longos e finos se entrelaçam como se estivessem segurando o copo de pinga ou de cerveja. Não vê a hora de sair dali, tirar o seu boné de chefe, montar em sua bicicleta e ir até o Bar São Cristóvão para se encontrar com seus amigos Thiers, Aluisio do Hospital. Rosalvo e Célio do Samdu . No bar, Sylvio Lopes Teixeira e Ivo Lopes Teixeira já sabem que a “noite será uma criança” para este magro e feliz Chefe da Estação. “ Gabarito” ainda está rodopiando nas imediações do “Pingao” com seus pratos esticados na cabeça, quando o Expresso da sua partida. O Bar e Restaurante São Cristóvão , onde se podia comer o mais delicioso Peixe Frito com Arroz Pingado era a portalha das noites macaenses. Sylvio Lopes , que mais tarde viria ser Prefeito desta cidade, sabia preparar os melhores pratos e, sorrateiramente levava para os estudantes que ele sabia ser pobres, dois ou três garfos e aumentava o Feijão com Arroz .

A saída do Expresso leva João Barbeiro num vagão literalmente confortável. Será que conseguirá as atenções de todo o vagão na sua Longa Mentira Mace-Campos? No salão era fácil ter as atenções dos clientes por horas e horas de mentiras pequenas e bem humoradas. As pessoas lá pensava ele, enquanto um pequeno pigarro lhe assumia a garganta, iam esperar um atendimento e não tinham muito que escolher. Ou lhe ouvia ou mudava de barbeiro. Aqui era totalmente diferenciada sua atuação. Gente de todo o tipo e lugares e ele tinha que se fazer em atenção até que o trem parasse em Campos. Olha o vagão cheio. Homens ainda estão se acomodando nas suas poltronas esverdeadas e de fabricação inglesa.

Algumas já se encontram com fiapos que lhes fazem espetar as bundas semiburguesas. Mulheres se aconchegam aos ombros de maridos engravatados e de sobretudos abertos dando a mostra algumas gravatas e pregadores reluzentes. As crianças olham a magia da saída do trem e seu barulho nos trilhos. Ficam ainda mais encantados quando escutam o apito e as sombras que seu próprio vagão faz na campina. Olham e, na beleza visionária de suas idades vai apontado para os mais velhos os formatos que fazem na passagem do trem em sombras de arbustos.

”Criança vê tanta coisa em sombras que todas deviam ser videntes”, sussurra uma senhora com um livro Kardec a mão . Um jovem padre que está a sua frente solta um olhar furioso e abre alguns grunhidos que não deve ter sito ouvido pela simpática senhora. As moças adolescentes estão ainda dando seus adeusinhos para os passageiros.

Alguns se debruçam nas largas janelas de vagão e outros ficam por detrás fazendo gestos como que dizendo que a volta ia ser breve. Aos primeiros acordes sonoros da sinfonia que nasce na hora em que os reluzentes ferros gigantescos movem as rodas da locomotiva fazem à saudade voltar aos olhos de senhoras e senhores sentados em frente a suas casinhas de além trilho. Saudades de tempos em que, cabelos ainda negros se conheciam nas idas e vindas desta linda hora de encanto. O trem tem destas coisas que só quem o tenha ouvido rosnar suas entranhas nos trilhos pode discernir e fala .

Um sol de verão vai sobre os trilhos solitários da Estação de Macaé . Funcionários já iniciam desabotoarem os uniformes para refrescamento do tempo. O chefe esfrega as mãos e cospe seco, È hora de tomar umazinha. Já havia avisado ao subchefe da Estação de Carapebus do horário e tudo o mais, Estava dentro dos conformes. Seu companheiro “Pudin”, responsável pela carga e descarga também já deve estar com a garganta dando popadas,

“Pudin abre sua camisa deixando a mostra uma alegre barriga e sai com Dedeu rumo ao primeiro boteco”. Depois cada um segue o rumo de suas amizades.

O telegrafista Waldenyr Santos, irmão de Wilson, Lulu e Waldyr, frutos de uma das mais ilustres famílias ferroviárias, ainda passa alguns telegramas e puxa uma conversa que se tornará longa com o vendedor de passagens. Eles terão que ficar atentos para a chegada do Rápido das 17 horas .

Quando a locomotiva entra na curva que levará o trem até o bairro de Aroeira, João Barbeiro começa a sua Longa Mentira. Seja o que Deus quiser, bocejam falando seus amigos e jurado da longa historia.


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Jornal O Rebate