Na cadeia publica de Campos , João Barbeiro é chamado para “ir a juízo depor”. Estavam na cidade os representantes da lei que, de 15 em 15 dias compareciam para o “cumprimento da lei”. João é levado no jipe que é abastecido pela contravenção e se dirige ao local da audiência. Cabisbaixo como todo bandido ele senta no banco para ouvir em que está sendo enquadrado. A palidez de seu rosto amorenado cedeu lugar a alguns filetes de enrugamento nestes meses de prisão. Nem nota o olhar de espanto que paira no semblante do juiz e no do promotor. Entreolham-se e confirmam em vozes balbuciadas e ininteligível aos que lotam o plenário do fórum:
“È mesmo o filha da puta do cara que a gente estava ouvindo naquela viagem e que nos envolveu ao ponto de nos levar a desmoralização de desalgemar aquele preso e por as algemas eu seu pulso”, balbuciou o juiz. “É este safado mesmo”, finaliza o promotor ávido de fazer justiça e ainda tendo a sua retina o olhar punitivo dos que estavam no vagão onde João pregava a longa Mentira Macaé Campos.
O representando do Ministério Publico não podia esquecer o momento quando ele desalgemou o preso e recebeu as algemas em seu pulso. Vieram naquela ocasião algumas de suas passagens no cargo. Sentiu o peso de ter condenado um homem em Niterói que sabia inocente mais que tinha olhado para sua namorada ainda na faculdade.
Viu com clareza o dinheiro que recebeu para “amaciar” sua acusação a um grupo de traficantes e homicidas. Nos autos que ele fez vista grossa estava clara a participação de um seu primo que tempos depois tinha sido morto num confronto com policiais noMorro de Cavalão .
Estava a sua frente o homem que o tinha feito auto condenar-se naquele vagão de triste lembrança. E, estava ali a sua frente e a do Juiz que, boquiaberto e quase hipnotizado, o tinha feito passar por este vexame publico. O próprio Juiz tinha visto passar a sua frente, naquela ocasião, o filme de suas sentenças vendidas a políticos ladrões e se viu nu em suas venalidades. “Este homem tem que pagar por isso”, rosnou ao Promotor e ao jovem defensor, que viraram os rostos rapidinhos devido ao fedor do hálito que exalava da boca do magistrado...
João nem de longe reconheceu as figuras de seus julgadores. Sabia que estava na frente de um Juiz, de um membro do Ministério Público e da Defensoria. Acreditando em sua inocência João Barbeiro, cabisbaixo como todos que “sentam no banco dos réus”, olhava-se para dentro na esperança de voltar à rua e sorrir...
Folhas e mais folhas de papel foram lidas em graves acusações ao João que, vez ou outra nem sabia se era com ele. O chefe da estação quis tirar a calça para mostrar sua bunda branca afirmando que no pontapé tinha entrado um prego o que lhe deixou a marca. Alguns advogados e curiosos, ainda ensaiaram “mostra”. , mostra, mostra mais foi negado o pedido do Ministério Público. Valia ali a palavra da vitima...
O policial que fez a prisão de João Barbeiro levou um sapado velho com um prego, previamente colocado a mando do delegado. Nem o pedido da Defensoria pedindo ao Juiz que João Barbeiro experimentasse o sapado foi aceito pelo Juiz, ávido de “fazer cumprir a lei”...
Uma retardatária passeata de jovens estudantes, ainda esperançosos de que o herói da Longa Mentira ainda aparecesse pelas imediações do Fórum, erguiam uma grande faixa onde se lia: João Barbeiro é o Mota Coqueiro dos nossos dias. Queremos justiça com sua identidade. Ele é o nosso rei...
Catucado pelo policial João se levanta para ouvir os crimes a que esta sendo enquadrado. Desacato a Autoridade (enquadrado no pontapé do chefe da estação). Atentado Violento do Pudor (acusado pelos que o viram de calça na mão quando estava se limpando), Vadiagem (não portar doc.), suspeita de tráfico de drogas (acusação feita pelo homem da bíblia e por ser parecido com traficante. O juiz e o promotor eram da teoria lombrosiana, cara de bandido, bandido é) e tentativa de homicídio (porque quando o chefe da estação caiu foi de cara aos trilhos e, se supõe o trem andando ele estaria morto).
Com pedido de Rito Sumário e, sem que a defensoria Pública se manifestasse contra, o João Barbeiro foi condenado há 16 anos, quatro meses e 23 dias de prisão em regime fechado. Transferido para Ilha Grande no Rio de Janeiro.
Antes de deixar o recinto do Fórum ele ainda pode ver o olhar de alegria e contentamento que se esboçava no risinho frio do Juiz, do Promotor e do “Defensor”. A justiça tinha sido feita, dizia esta trilogia da lei, quando do almoço, horas depois na fazenda do “dono do jogo de carteado”... Neste almoço estava presente toda a cúpula que participou da farsa que condenou o pregador da Grande Mentira Macaé - Campos . Sorrisos, afagos e batidas leves na barriga do “benfeitor” das autoridades foram algumas das muitas confraternizações destes abomináveis seres humanos e donos da lei.
Sem entender nada e do motivo de sua condenação, João é levado sem nome nem documentos para o presídio. Antes, porém ainda deu para ler a faixa que pede fim das impunidades judiciais na mão dos estudantes que fala em Mota Coqueiro , o ultimo enforcado. Mesmo algemado ele lembrou passagens sobre este homem que tinha sido acusado de botar fogo numa família em Macabusinho. Enforcado na Praça da Luz ele jurou inocência e ”rogou” uma praga para a cidade não crescer em 100 anos. Fato é que só 110 anos depois de seu enforcamento, pensou e deu um leve sorriso de soslaio, é que o petróleo fez isto aqui virar metrópole... Olhava para dentro de si e via os anos 70 que viriam...
Reverenciado em livros, o João Barbeiro continua herói nas cidades de Macaé e Campos pela Longa Mentira que prometeu pregar no Expresso Estrada de ferro Leopoldina. A maioria dos historiadores afirma que ele esta morando em alguma cidadezinha da Florida, cercada de mulheres com o dinheiro recebido com a Longa Mentira Macaé - Campos...
Phidias Barbosa , historiador, cineasta, escritor, autor do livro de Quissamã a Hollywood e, colaborador do O REBATE on-line no futuro ano 2006, esta na Flórida e busca o encontro com este símbolo imaginário/real que caracterizou com êxito, A Grande Mentira Macaé - Campos .
No silencio e, apenas tento como companhia alguns presos famosos e, à noite o balancear das ondas que chegam ao alto rochedo da Ilha Grande, João Barbeiro quer entender o que significa justiça e judiciário. Sabia ter sido vitima de uma injustiça e queria separa estas duas palavras: Justiça e Judiciário. Não podia uma verdade absoluta as sentenças do judiciário quando não fazia justiça e não podia ser confundida Justiça com membros do poder judiciário que faziam cumprir a lei e a justiça. Isto tudo formigava a cabeça do João Barbeiro que queria com isso exterminar certas mentiras proferidas pelo Judiciário em nome da justiça.
Longas conversas com velhos condenados e o relato de seus delitos. Escuta com curiosidade a fala de Cara de Cavalo que se assume nos artigos que foi condenado; sabe o quanto esteve envolvida o lado podre das policias do Estado do Rio, na prisão, fugas e morte de Mariel mariscot; ri com as loucas narrações feitas por Flavio Moreira, O Flavinho de Macaé que sempre este cercado de velhos cadeeiros do Borel e Mangueira: se entusiasma com as historias de C.O e Lucio Flavio Vilar Rios e seus envolvimento com a lei e a contravenção... Enfim, uma Universidade de Longas Verdades lhe são passadas por verdadeiros personagens da vida no presídio. Quando lhe perguntam em que artigo ele foi mandado para lá, João não sabe explicar e provoca risos longos até de “ Madame satã” que, num canto de pedra observa os pulos inocentes de um enxame de sardinhas que dançam alegres e livres no revolto mar da Ilha Grande. A hora que estava em companhia deste símbolo da marginalidade assumida, ele soltava gargalhada quando Satã lhe contava às pernadas que dava nas noites alegres da Lapa e da Praça Mauá. Falava no Gordo do prédio da Radio Nacional e ia pondo João a par das malandragens puras do Rio Antigo. Quando a noite ia, mansamente caindo na Ilha alguns jovens, presos por defender o direito sagrado do povo, sentavam ao lado do João. Muitos ainda tinham o brilho da inocência que, batendo no olhar dele de igual inocência, fazia com que o silencio falasse e esse desse os informes de que o mundo após a chegada do João aquele local tão distante do mundo. Com esses jovens ele aprendeu mais sobre as desigualdades sociais e teve seu primeiro contato com a beleza de um mundo igualitário e justo.
As madrugadas, quando o sono não vinha ele se via sempre a olhar o mar. Algum presidiário sempre estava a contemplar as ondas. Falavam dos companheiros que ousaram sair dali a nado e pereceram vitima dos peixes ou cansaço físico. Mariel Mariscot , além de contar suas atividades no submundo ainda lhe falava das noites nos dancings que fervilhavam o Rio . Avenida e Brasil, na Rio Branco e Novo México na Praça Mauá ele conhecia sem nunca ter ido ao Rio. As dançarinas e os proxenetas e rufiões das encantadas e puras noites cariocas passaram a ser familiar a este homem rude nascido nas poeiras das ruas do interior do Rio de Janeiro.
Buscando entende o que representa a lei no sistema em que vivemos o João Barbeiro pede para estudar direito . Seu olhar que saltam pureza e inocência comove o Juiz da Vara de Execuções Penais, Elieser Rosa que consegue documentá-lo e o transfere para um lugar onde pudesse estudar. . Com pouco tempo, antes mesmo de terminar sua pena, cola grau e, depois de um período legal, faz concurso para Juiz.
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