DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo XIII

Canela de Pau avisa a sua avó que quer fazer exames para a Escola Ferroviária. Guarda freios assume definitivamente sua condição de militante e parte para a luta de classe. A cidade onde estes dois habitantes vivem tem a tranqüilidade que reina em qualquer dos milhares que existem em todo mundo, Vai e vem de meninos indo para escolas e idas e vindas de homens para o trabalho. Mulheres cuidando dos afazeres do lar e moças e rapazes se entreolhando na busca de um futuro namoro. A normalidade quase não se quebra. Vez ou outra um acontecimento, uma morte de alguém conhecido e tudo cai novamente na monotonia de qualquer cidadezinha de interior.

A avó de Canela de Pau é o que se pode chamar de beata. Não perde uma ladainha e nem as missas de domingo. È o conforto desta linda senhora pela perda de seu companheiro ainda jovem.

A mãe e irmã mais velha uns 15 anos de Guarda – freios é também religiosa. Não chega a ser igual à avó de Canela de Pau mais é muito apegada a estes sacramentos. Ambas querem incutir nas duas mentalidades humanas que elas dominam no afeto e no amor, que este é o melhor caminho para a vida em sociedade. Como a relação humana é cheia de reconhecimentos que nascem e crescem no afetivo esta doutrina está se enraizando nas duas cabeças com tendência a se fixar por toda a vida.

Guarda-freio já sente que não é assim que a banda toca. Olha a lua e não vê mais o são Jorge que lhe foi encucado desde menino. Com isso ele vai tornando real outras mentiras religiosas que acompanham sua existência desde menino.

Canela de Pau, embora não se dobre as determinações do social e da hierarquia que outros meninos, na docilidade ou não acomodação, aceitam, neste lado da religiosidade permanecia fechado. Também não era para menos. Sua avó o tinha criado desde o nascimento falando às coisas que trazia da Igreja Católica Apostólica Romana de onde era presidente de um Apostolado de Oração .

Aquele onde as senhoras, todas de negro, acompanham procissões com estandartes vermelhos e um grande coração que diziam ser o Coração de Jesus. Nas missas ela ficava num lugar de destaque e Canela de Pau, sempre ao seu lado, desde menininho, ia achando que tudo aquilo representava a única e absoluta verdade da existência, vida e morte.

As idas e vindas de Guarda – freios nos vagões de serviço de linha, nas viagens a outras localidades, muitas das vezes com pernoites, foi cimentando em sua consciência uma nova visão da existência, Até porque, o seu companheiro de idas e vindas montado nas escadarias ou sentado nos dormentes de vagões abertos, sempre lhe falava destas negativas que as pessoas incutem como sendo positivo.

Estas duas existências, tanto Canela como Guarda habitavam a mesma cidadezinha do norte do Estado do Rio. Depois que Canela entrou para a Escola Ferroviária do Senai e, sendo o Guarda - freios já funcionário da Estrada de Ferro Leopoldina passaram a ficar mais próximos um do outro.

O ano de 1953 estava abrindo novas perspectivas na vida de Canela de pau.

As luzes dos lampiões que os Guardas – freios usavam faziam parte de um mundo de informações e sinais que eram usados em toda a extensão da Estrada de Ferro . Eram movidos a querosene. De uma estação a outro tudo tinha que checado de minuto a minuto. Quando acontecia de alguma incidente ter sua ocorrência depois da saída dos trens, os guardas –freios tinham que, com urgência embarcarem num trenzinho tocado a mão, igual um remo de barco.

Eles iam catucando uma vara no chão e a força da esticada, de encontro ao solo, ia dando velocidade ao “carrinho de madeira”. Ele ia de encontro ao grande trem e avisava do perigo. O sol das tardes e das madrugadas estava sempre acompanhando estes homens da ferrovia. “As crianças que moravam na grande extensão da Estrada de Ferro pensavam que eles estavam brincando de rolimãs” grandes e pulavam saudando a perigosa brincadeira de gente grande.

Quando não era para avisar do perigo este lindo brinquedinho de gente grande estava ali para abrir caminho para o conhecido FL-2 que era um trem de carga que pedia e tinha que ter passagem direto até o final do trecho. Foguista eram obrigados, para não atrasar os trens que viriam a apanhar, os arcos de bambu esticados ao longo da ferrovia, a licença para trafegar. Tudo artesanalmente lindo e sem falhas.

Funcionário de uma firma de nome Soca iam sendo saudados nas passagens dos Foguistas e Guarda – freios.

Vida mesmo diferente para este menino de 13 anos. Novos amigos e um mundo totalmente diferente do que vivia. A Escola Ferroviária 8-1 Senai era uma das poucas existentes em todo o Brasil. Mantida totalmente pela Leopoldina, até então braço nacional da matriz de Londres. Os adolescentes ingressavam com 13 anos para 14 e saiam 3 anos depois com uma profissão definida. Os que quisessem tinha ingresso automático na Ferrovia. Era uma escola de formação de todos os níveis. Entravam às 7 horas junto com os ferroviários das Oficinas de Imbetiba .

Tinham que acorda às 6 horas, tomar café, levar seu lanche numa sacolinha e esperar o apito do “Buso” as seis e 30 minutos. Não podia chegar atrasado. As 15 para as 7 horas um aviso era dado em outro buso que era ouvido em toda a cidadezinha de Macaé.

Ai era pegar a bicicleta ou as próprias pernas e caminhar, uniformizado elegantemente dentro de caqui amarelo, ajeitar o bibico na cabeça e ir para a Escola.

No verão sempre se podia ver os lindos raios de sol que cortavam as água da Praia de Imbetiba nas idas e vindas da casa para a Escola e da Escola para casa. Os meninos do segundo e do terceiro ano já tinham crédito em todas as lojas e exibiam reluzentes bicicletas que a prestação do salário podia saldar. Olhares de soslaio para alguns velhos ferroviários que saudavam Canela de Pau alegre e cordialmente.

Na sua passagem para a escola observava atento e curioso os que, sentados em baixo da frondosa amendoeira papeavam e gesticulavam alegremente. Eram os que almoçavam nas oficinas e estavam sempre sentados. No balcão Canela de Pau ia e tomava alguns goles de água natural que o proprietário Nicomedes Aguiar gostava de afirmar ser água vindo direto da “Atalaia” um conhecido lugarejo de águas cristalinas .

O tempo vai passando e as histórias se cristalizando no mundo das existências humanas em todas as épocas e ocasiões.

Veio o segundo ano. No primeiro ano todos os 36 alunos que entraram no Senai com Canela de Pau, fazem rodízio em todas as profissões. Era uma maneira de aperfeiçoamento e ser observados pelos instrutores que iriam dar sua opinião sobre quem iria ser isso ou aquilo nos dois próximos anos. Observados pelos meninos dos mais velhos estes aprendizes iam se definindo na medida em que as semanas iam passando. Aulas e educação física, num meigo e alegre campinho das sete as oito, crédito aberto do bar de Cecílio e um banho coletivo em chuveiros de água gelada e forte eram os ingredientes dos inícios de manhas na escola do Senai .

Durante o primeiro ano era rodízio em todas as profissões. Caldeiraria, tendo como Instrutor Ruben Euzébio ou Joaquim Alves do Amaral Filho; Ferraria era com o simpático e alegre João Gordo, Carpintaria tinha o Waldyr Santos, Elétrica Mozart Leão, Tornearia seu Orlando e na Ajustagem os dois dos maiores seres humanos que Canela de Pau conheceu na sua vivencia na Escola do Senai. Wilson Santos e Antonio Garfante. Por eles e por seus dotes de simplicidade que a maioria dos aprendizes queria ser Ajustador e o Canela de Pau, que virou Pinguin no segundo ano, escolheu esta profissão a qual o acompanhou ate o fim de seus dias na Escola.

Definido o desejo e a vontade o segundo ano e o terceiro foram passando rápidos e de compassado conhecimento onde Canela de Pau, sob a supervisão de um compreensivo instrutor de nome Wilson Santos e Antonio “Garfante” aprendia a profissão de Ajustador Torneiro. A roupa azul e reluzente do inicio da chegada a Escola Ferroviária do Senai , já estava totalmente desbotada e com remendos naturais que eram os sinais de que estava sendo usada no “trabalho” orgulhosamente lavada em tanques nos quintais que ornavam a Macaé pura nos anos 50.

O destino ou o acaso estavam delineando alguma coisa para que ficasse imortalizada a presença de Guarda-freis Canela de Pau . Sempre nos finais de ano, os alunos tinham direito as férias e, estas podiam ser usadas em viagens nos trens da Leopoldina com passagens grátis. Alguns iam ao Rio, outros a Campos ou Mimoso do Sul . Canela e um grupo foram passar as férias em Cachoeira do Itapemirim. Alegres estes meninos faziam o “grande vôo dos 14 anos”. Longe dos olhares de mães, avós, pais e irmãos mais velhos eles iam como passarinhos soltos de algum gaiolão humano, com destino a desconhecidas regiões e cidades.

O grupo de meninos de 14 a 15 anos, alunos do Senai 8- 1, chegam à cidade capixaba. Todos nunca tinham viajado tão longe de suas casas. Agarrando-se, uns aos outros, estes meninos experimentam a ocasião e solidificam as amizades que foram forjadas nos dois primeiros anos de convivência na escola ferroviária. Jorge Jornaleiro, Wallace, Ivan Coruja Drumonnd, Bebeto Bacellar, Zé Milbs Pinguin e, se não me engano Zé Luiz Nervosinho faziam parte deste grupo que se hospedam num simples hotel e buscas conhecer a cidade.


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Jornal O Rebate