DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo XII

O amanhecer em Campos é um dos mais lindos de todo nosso Estado. A límpida água do imponente Rio Paraíba faz com que os raios do sol façam figuras geométricas em sua caminhada para o interior das cidadezinhas que ele corta.Alguns Robalos encantam jovens que pescam com pequenos caniços alguns espertos murionges e elegantes sardinhas. A passagem de habitante de Guarús para o centro da cidade se faz de uma beleza sem igual. Todos se cumprimentam, deixam e levam lembranças.

Lavadeiras, com suas trouxas de roupa passada a ferro de carvão, cruzam com padeiros e leiteiros em seus carrinhos de mão e grandes cestos. Bicicletas brilhantes pelo bom trato ficam, algumas paradas no meio da ponte e seus proprietários discutem trocas e boas vendas. Dezenas de gaiolas com celeiros, encapadas ou não, cantam o dia que brota e encantam seus provisórios donos. Papa-capim vindo de Santa Maria Madalena, Macuco e Cardoso Moreira mudam e dono e alguns com volta em dinheiro.

A sombra de grandes arvore e sob o manto sagrado de um sol avermelhado, Campos dos Índios Goitacás é palco de uma beleza natural que lhe orna o lindo dia que nasce...

O Expresso esta de volta aos trilhos da estrada de Ferro Leopoldina. Agora com outro nome. O Noturno deixa o Espírito Santo e se dirige aa Estação de Barão de Mauá. Outro Maquinista. Outro guarda-freio e outros passageiros. João Barbeiro que, ao sair escondidinho, ia visitar o casal Alcides e Ana na Rua dos Bondes e depois pegar este noturno e voltar ao seu trabalho de barbeiro está numa cela, sem lenço e sem documentos a espera de um juiz que irá apreciar as dezenas de delitos que lhe foram imputados, Tudo por causa de uma filha da puta de uma cagada de merda . Seus dedos e mãos ainda cheiram a titica seca.

Jogaram água mais nem um sabão de coco lhe deu para abafar o odor. Ao seu lado quatro jovens presos por ter roubado umas galinhas e alguns doces numa casa de um contraventor está também aguardando o juiz e o defensor.

Eles ainda têm mães e tias, que segundo é voz corrente nos cubículos, estão “correndo atrás” de testemunhas que dirão em juízo que são trabalhadores, estudam, tem endereço fixo e não são acusados de vadiagem nem de ter dado um pontapé no chefe da estação que, depois do expediente na Leopoldina era também pastor de uma congregação que ficava na fazenda do contraventor que era objeto da prisão dos meninos.

Alguns presos diziam que este contraventor tinha matado um jovem que namorava sua mulher bem mais nova que ele e que também era acusado em São João do Meriti de assalto a um carro pagador de uma empresa. Vindo morar em Campos “ele se deu bem”, resmungava um acautelado que tinha passagem por homicídio em Belfort Roxo e Magé, aqui ele se aconchegou na aba de um político e logo estava comendo e bebendo na mesa dos policiais e membros da justiça. E rosna com sua boca ainda sedenta de sono: Falam ate que depois deter sido agraciado como cidadão honorário ele passou até a ser cogitado para várias entidades sociais.

Café das 7 horas sendo distribuído e João Barbeiro escuta as ultimas notícias sobre a Longa Mentira Macaé – Campos . Os dois rádios, o do carcereiro que serve aos ouvidos dos presos em troca de algum troco e o da sala do escrivão dizem que o João Barbeiro, o herói da longa mentira devia ter se vendido ao capital internacional da mídia e deveria estar rumando para Londres ou América do Norte para, de lá, conceder a tão esperada coletiva que o locutor da Cultura insistia em gritar que estava “falando de Campos para o Mundo”.

Um longo e sonoro apito anuncia que o Expresso esta partindo de Campos em direção ao Espírito Santo . O jovem Maquinista sente-se aliviado da missão que tinha sido escolhido para cumprir pelo jovem meio aloirado Guarda –Freios. As reuniões deveram ser iniciadas em Macaé e Campos simultaneamente No Rio de Janeiro haveria uma mais ampla. A ferrovia tinha que dar o grande passo na luta por melhores condições de vida para as futuras gerações. Sua parte estava fazendo. Avisado ao “Malandro” que depois de ler tudo teria que queimar os textos e evitar que alguém vise o fogo. Muitos ferroviários estavam arriscando a vida e o emprego.

Em Macaé e Campos havia muito muro escrito com palavras de ordens e muito policial vinha bisbilhotando bairros e cidades em busca de pistas.

O Expresso aumenta sua velocidade. Reina uma grande alegria nas pessoas que participaram do vagão onde o João Barbeiro tinha ficado de Macaé até Campos. Os que voltavam para o vagão de 2 a estavam com olhares mais alegre.

O brilho fazia brotar um belo uniforme em todas as pessoas. Olhavam a vasta campina que se espalhava ao longo da ferrovia e o sentimento era de profunda integração com o belo. As crianças esboçavam gestos carinhosos nos corpos dos adultos e estes faziam festa como se a viagem estivesse sendo motivo de uma nova visão do universo. Olhavam o azul do infinito com maestria beleza e apontavam os pássaros que voavam ou acompanhavam a velocidade do Expresso.

As roupas estendidas nas janelas e que às vezes cheirava a mijo de criança era bem aceita pelos passageiros de bancos laterais. Até mesmo a cantiga triste de um velho nordestino que tomava suas pingas num gargalo, estava com a presença aceita e compreendida. Muitos ainda ficavam olhando para dentro de si, embasbacados pela fala do João Barbeiro.

A saudade daquele homem simples que falava manso tinha dominado as cabeças de forma quase que hipnótica. Não havia mais vergonha se estar num vagão de 2 a e sentado em cima de um pau duro. O pau de assentamento tinha uma carreira de varetas que deixavam o espaço de modo que não machucava as bundas. Não era igual às poltronas da 1 a classe, com estofados esverdeado e liso. Mais agora parecia que todos estavam num paraíso enquanto o Expresso caminha em direção ao Espírito Santo.

No vagão de 1 a , onde se iniciou a fala do João Barbeiro a alegria não é diferente. Os homens de sobretudo e capas sobre as roupas finas papeiam como se estivessem numa sala de visita. O preso está com as pernas em cima do colo do Juiz de Direito e o promotor publico que vai acusar no júri em Vitória, ria abertamente das algemas em seu punho . Os outros passageiros brincam de “purrinha” ou jogam o jogo da velha num papel que o cobrador trouxe do Restaurante. As mulheres coçam a cabeça uma das outros e o cafuné é aplicado ate na careca de um vendedor de dentaduras que segue com destino a Mimoso do Sul.



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