As redes de noticiário praticamente não trabalharam na última semana, apenas reapresentando cenas do ano que termina, para lembrar os telespectadores. Pesquisadores varrem os arquivos à caça das melhores imagens para encher o “pacote” anual de cenas requentadas que sempre termina com fotomontagem musicada de imagens de políticos, celebridades em geral (muitos jornalistas!) e celebridades (e mais jornalistas) falecidos durante 2012.
Assistindo àquilo, nos boquiabrimos em ohs! e ahs! e relembramos as calamidades que nos atingiram, como a já (bem) denominada “Tempestade Frankenstein”, Sandy; e o assassinato, a tiros, de crianças pequenas na Escola Primária Sandy Hook em Connecticut. As redes de notícias repassarão cenas das eleições de 2012, que de nada adiantaram para superar o atual “despenhadeiro fiscal” à beira do qual o país permanece pendurado.
Ah! Sabem o que mais as redes noticiosas noticiarão? Que foi o ano do I-Phone 5 e do I-Pad 3, de jogos Olímpicos e da dancinha do cavalinho invisível de Nostradamus e de Gangham Style. E haverá notícias sobre a ascensão de Kate Middleton e o fim de Whitney Houston, além de notícias sobre o sobe e desce na carreira de Jeremy Lin, sino-norte-americano, jogador de basquete.
No que tenha a ver com o mundo, muito se falará da não guerra contra o Irã e da sim guerra que está reduzindo a Síria a ruínas. Ouvir-se-á alguma rápida referência ao novo líder chinês, a confusões no México, à eleição vitoriosa e a luta contra o câncer de Hugo Chávez. Nem uma palavra, uma, que seja, sobre as mortes em Gaza, completamente apagadas do noticiário e dos noticiários sobre o noticiário.
Pode-se apostar que ninguém cuidará de ajudar os telespectadores a recordar os eventos que Andres Oppenheimer optou por relembrar, no Miami Herald: a matéria, de 16 de julho, de Kuala Lumpur, em que informava sobre o acordo comercial da Parceria Trans-Pacífico, já praticamente concluído, e destinado a ser o mais ambicioso acordo comercial do tipo; lá se anunciava que, em outubro de 2013, a “parceria” estaria assinada e sacramentada. E daí? O que significa(ria)? Continuamos a esperar o quê, para o próximo mês de outubro? Quem ganha? Quem perde? Notícias que talvez nunca cheguem a ser notícias...
Ou: “Dia 25 de novembro, na Catalunha, Espanha, cerca de 70% dos eleitores votaram para eleger representantes dos partidos que apoiam um referendo que decida sobre a independência do norte rico da Espanha, o que assusta muita gente, porque há o risco de a independência dos catalães disparar uma reação em cadeia de outros movimento de secessão em todos os 27 países da União Europeia. Muitos temem que, se a Catalunha conseguir tornar-se independente da Espanha, a Córsega e o País Basco também se livrarão, de vez, da França; a Escócia livrar-se-á da Grã-Bretanha, e Flanders e Wallonia, da Bélgica, dentre outros casos. Às dificuldades econômicas somar-se-ia o caos político na Europa”.
Alguns desses eventos passados e “iminentes” foram apresentados como catástrofes de tal magnitude, que muitos já ansiavam que se cumprissem integralmente as tais previsões para o fim do mundo com data e horário marcados.
Os que, dentre nós, esperaram que a eleição e depois a reeleição do presidente Obama introduziriam mais justiça e igualdade no “sistema”, desapontaram-se. Os que tanto desejavam mudança na qual pudéssemos confiar, foram às ruas para fazer, eles mesmos, a tal mudança... e ali colidiram frontalmente com o Estado policial – a Polícia de NY, o FBI, vários uniformes e também gente sem uniforme “infiltrada”, etc. Só recentemente, a partir de documentos que, afinal, foram liberados para consulta, começamos a ter alguma ideia de como tantos norte-americanos espionam tantos norte-americanos há tanto tempo, e por quê e por que nos mentem tanto, há tanto tempo.
Todos os “noticiários” com os quais temos de lidar lidam com eventos e narrativas especificamente selecionados, não com as tendências nem com as forças ocultadas que comandam a economia e o sistema político nos EUA. Ouvimos sobre supostos atos e supostos feitos, nunca sobre os interesses que movem uns e outros. Os programas de “notícias” apagam cuidadosamente os contextos, o que houve antes, análises anteriores e diferentes interpretações sobre os tais feitos e atos “noticiados”. Os “noticiários” de televisão são o que são e são feitos como os conhecemos, para apalermar o telespectador ou o ouvinte, não para torná-los mais interessados ou mais ativos no que realmente interessa aos próprios telespectadores ou ouvintes.
O que fazem ou deixam de fazer os grandes bancos é assunto tratado sempre nos termos mais ralos, rasos e distanciados; absolutamente jamais se ouve notícia alguma que tenha algo a ver com o modo como os grandes bancos operam como canais para influenciar a opinião pública a favor dos 1%. Não há “plantão de notícias” que interrompa a programação regular, cada vez que os reguladores não regulam coisa alguma; nem há edição especial de “Globo Repórter” para mostrar como a empresas-imprensa “capturariam” funcionários públicos, para impor-lhes restrições que democratizassem, se não por bem, à força de lei, as tais empresas-imprensa.
O “problema” das armas em mãos de civis esteve em todos os noticiários, mas nunca se ouviu notícia alguma sobre gigantescos negócios de produção, compra e venda de armas, sequer sobre os sistemas de drones, hoje best-sellers em todo o planeta. Os EUA são sempre apresentados, nas “notícias” para o público doméstico, como “nossa pátria mãe” – expressão muito frequente na Alemanha nos anos 1930s e na África do Sul do suprematismo dos brancos e do apartheid, décadas depois. Os norte-americanos nos vemos nós mesmos como uma nação; o resto do mundo nos vê como império.
Quanto à economia, os “noticiários”, todos, parecem cópias dos editoriais da revista Wealth Daily [Riqueza Dia a Dia], alertando que os norte-americanos preparem-se para inevitáveis cortes nos salários:
“Agora que tudo converge – impostos cada vez maiores e salários cada vez menores – nas discussão sobre “despenhadeiro fiscal”, os políticos começam a apresentar programas de revisão das leis. (...) Tudo muda, de minuto em minuto. No papel, estamos à beira de promover trocas em equações obscuras que, de fato, são as mesmas de sempre e são basicamente semelhantes. Mas a verdade é uma só: o público leigo nada entenderá, se não começar a prestar atenção. E se ninguém prestar atenção, ninguém jamais aprenderá a castigar os políticos que fazem o que fazem”.
E absolutamente não se ouve nem vê notícia alguma sobre a manipulação da taxa LIBOR, que fez trilhões de dólares mudarem de mãos e de dono, sem qualquer comentário. Coisinha fácil de explicar e de entender, verdade seja dita, em 10 segundos!
Cada vez mais, o que realmente interessaria conhecer, as forças que subjazem aos processos dos quais os noticiários só “noticiam” o que não é nem jamais será notícia significativa aparecem mais no cinema, que nos noticiários; na ficção, muito mais que no “fato inventado-noticiado” (orig. faction); nos filmes, muito mais, com certeza, que nos “noticiários” de televisão.
Nas salas de cinema, podemos escolher entre duas visões do impacto da escravidão nos EUA: Lincoln, de Spielberg; e Django Unchained, de Tarantino. Um trata a corrupção no Congresso para tornar ilegal a escravidão; o outro, da brutalidade da escravidão sobre os escravos. Para o primeiro, uma reforma que mudaria o país de alto a baixo, seria problema de Teoria da Constituição; o outro mostra uma revolta armada até os dentes contra o feio racismo.
A versão cinematográfica musical de Les Miserables narra em canções a história de uma revolução francesa fracassada: só as barricadas, não qualquer valor revolucionário. Argo, por sua vez, fala superficial e rapidamente sobre algumas razões da Revolução Iraniana de 1979, para, de fato, celebrar o trabalho da CIA no resgate de reféns norte-americanos e, claro, reforça a hostilidade dos norte-americana contra os iranianos.
O filme Zero Dark Thirty mostra como a CIA tortura, com detalhes muito mais explícitos e escabrosos que qualquer “noticiário” de televisão jamais mostrou, mas, simultaneamente, ensina não a prender e julgar bin Laden, mas a assassiná-lo a sangue frio e, consequentemente, a fazer dele herói imortal.
O filme acovarda-se e não condena a tortura, os torturadores e os esquadrões da morte financiados pelo estado norte-americano e, ao que parece, erra também ao olhar a história, porque o que se chama “interrogatório estimulado” jamais foi elemento criticamente decisivo para descobrir o esconderijo de bin Laden, segundo a própria CIA, inúmeros senadores dos EUA e vários especialistas.
Realmente interessante, isso sim, no filme, é que alguém teve a brilhante, eloquente, esclarecedora, informativa ideia, de escalar, para o papel do então diretor da CIA, Leon Panetta, o ator que representa, no seriado de televisão, o papel do chefão mafioso Tony Soprano (James Gandolfini). (...) [pano rápido].
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