A vitória de Ollanta Humala e as dificuldades de mudanças sociais nos marcos da democracia burguesa

Os camaradas do Partido Comunista Peruano e a esquerda peruana em geral tiveram que tomar uma decisão muito fácil nas eleições deste mês. Tirando aqueles que defendem o voto nulo como princípio, cuja posição temos que respeitar, não havia dúvidas entre Ollanta Humala e Keiko Fujimori. As diferenças, no caso, são muito maiores se comparadas com a opção entre Dilma e Serra. Depois de oito anos de governo petista, as diferenças entre os dois pólos principais da “americanização” das eleições brasileiras (PT e PSDB) são cada vez menores, como na Europa, onde se revezam no poder, com receituário parecido, os socialdemocratas e os conservadores. A diferença é na gestão do capitalismo.
Na Europa, com o agravamento da crise capitalista, a “americanização” eleitoral tem provocado quase invariavelmente a chamada “alternância de poder”. Como nenhum governo consegue sequer mitigar os efeitos e os custos da crise, que são pagos pela maioria do povo, a oposição em geral ganha as novas eleições, porque estas são levadas para o campo da competência para gerir a crise. Se o governo é conservador, os socialdemocratas ganham a eleição seguinte; a recíproca é verdadeira. Vejam casos de recentes eleições, com vitórias de oposições: em Portugal e na Espanha, vitória da “direita”; na Itália e na França, vitória da “esquerda”.
Mas voltando às eleições peruanas, ali as diferenças eram gritantes, não porque Ollanta seja de “esquerda”, mas porque Keiko não é apenas a filha de Alberto Fujimori, mas seria a volta do que os peruanos chamam de fujimorismo, ou seja, uma forma de governo baseada na mais descarada corrupção, na repressão e no terrorismo de Estado. Aliás, Allan Garcia (o político mais parecido com Fernando Henrique Cardoso na América Latina) havia vencido Fujimori pela “esquerda” há oito anos. 
É natural a euforia que tomou conta da esquerda peruana e de grande parte da latino-americana com a vitória de Ollanta. Afinal, além de evitar-se a volta do fujimorismo, encerra-se o ciclo neoliberal de Garcia, que governou para a burguesia e o imperialismo. O governo Ollanta tende a ser mais progressista e nacionalista do que o de Allan Garcia. Mas deve estar chegando a hora de botar os pés no chão, pois podemos não estar às vésperas de um governo que possamos chamar de “esquerda”.
A primeira questão a ser levada em conta é que, na verdade, foi Keiko que perdeu, muito mais do que Ollanta venceu. Se o segundo turno não fosse com a filha de Fujimori, possivelmente qualquer um dos outros três candidatos conservadores que não passaram do primeiro turno poderiam vencer o segundo.
Em segundo lugar, há que se ponderar o preço que foi pago para a vitória no segundo turno, no que se refere à diluição do discurso, na forma e no conteúdo, e principalmente ao programa. Os marqueteiros e assessores que servem ao PT transformaram o candidato no “Ollantinha paz e amor”, que trocou a camisa vermelha pela azul celeste, afastou-se de Chávez e mudou o programa a alguns dias do segundo turno, divulgando uma réplica peruana da famosa “Carta aos Brasileiros”, na realidade aos banqueiros, em que Lula assumiu o compromisso (que cumpriu fielmente) de não alterar os fundamentos da política econômica do governo FHC.
Se Ollanta cumprir os compromissos já assumidos no governo Allan Garcia, as mudanças serão muito difíceis. O presidente que se retira firmou um TLC (Tratado de Livre Comércio) com os EUA e comprometera o país com uma integração econômica anti-ALBA, envolvendo, além do Peru, o Chile, o México e a Colômbia. Outro compromisso que Ollanta assumiu foi o de manter a chamada “autonomia” do Banco Central, ou seja, permitir que os banqueiros continuem ditando a política monetária, como no Brasil. Outra dificuldade vai ser manter o crescimento da economia peruana, de cerca de 8% ao ano, o maior da América Latina. Este crescimento é baseado num modelo de exportação de minerais que é excludente e predatório, além de contrariar os interesses dos que basicamente elegeram Ollanta: os camponeses pobres, sobretudo indígenas, como ele.
O suporte que, sem desfaçatez, o petismo deu à candidatura Ollanta será obviamente cobrado pelo capitalismo brasileiro, que fincará mais uma bandeira na sua ambição de tornar o Brasil uma grande potência mundial, no contexto do imperialismo. As multinacionais de origem brasileira, alavancadas pelo BNDES no governo Lula, como jamais na história desse país, já têm hoje mais de quatro bilhões de dólares investidos no Peru, disputando o comando de ramos como petróleo e gás, eletricidade e construção civil.    
Algumas diferenças entre o novo e o velho governo já se fazem sentir. Na disputa pelos mercados sul-americanos e por alianças estratégicas, o capitalismo brasileiro vai ter mais peso na economia e na política externa peruana. Pelo que o novo Presidente declarou há dias no Brasil, simbolicamente sua primeira viagem internacional, vai implantar em seu país algumas políticas compensatórias, como o Bolsa Família.
Mas há outros fatores que vão jogar papel mais decisivo nos rumos do governo Ollanta, já antes da posse e da nomeação dos ministros, período em que as disputas políticas se acirram.
O que vimos principalmente no Chile, no Paraguai, na Argentina e no Brasil é que se as massas não dão um salto de qualidade em sua organização e mobilização, podemos eleger Presidentes que se pareçam de esquerda, mas que não mexerão em um milímetro nos interesses do capital.
Um dos problemas é a falta de uma maioria progressista de deputados no parlamento unicameral.  Para mudar, Ollanta precisa governar com o respaldo de massas para pressionar o parlamento. Do contrário, será obrigado a cair na armadilha da governabilidade institucional, que o levará à diluição ou abandono do projeto de mudanças sociais, ao balcão de negócios e a concessões de todo tipo.
Outro complicador, talvez de maior peso político, é o risco de os recentes movimentos regressivos do governo Chávez se tornarem uma inflexão política e não apenas uma tática, alterando negativamente a correlação de forças na América Latina, em favor do imperialismo. 
A esquerda só terá alguma possibilidade de êxito na disputa política do governo Ollanta se contar com expressiva mobilização popular. E a esquerda peruana tem diferenciais em relação à maioria dos países da América Latina que podem ter peso decisivo na luta de classes que certamente se acirrará no Peru; movimentos de indígenas e camponeses fortes, coesos e combativos, uma frente de esquerda orgânica reunindo partidos e movimentos populares (a Coordenadora Política e Social) e, principalmente, a CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Peruanos), uma legendária central sindical classista, de massas, filiada à Federação Sindical Mundial, que hegemoniza cerca de oitenta por cento dos sindicatos.
Mas, com todas as dificuldades e limitações, a luta tem que ser travada, com independência política, para tentar levar o novo governo para um processo de mudanças sociais, até onde isso for possível. Nessas circunstâncias, os revolucionários devem conjugar unidade e luta, não cometendo o erro de se submeter acriticamente ao novo governo, como fazem os reformistas. Tampouco devem se colocar na oposição cega e fazer o discurso que hoje interessa à direita e ao imperialismo, tal qual agem os que se proclamam ultra-esquerdistas, subestimando a capacidade das massas de influir no processo político.
Junho de 2010
*Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB

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