Síria: Confusão na Conferência Genebra-2

Ainda não se conhece a história toda por trás disso, mas parece que o secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon criou colhões repentinamente e, agora, os EUA tentam novamente capá-los.

Ban Ki-Moon convidou, parece que contra a vontade dos EUA, o Irã, para participar das conversas de Genebra-2 sobre a Síria.

Decidi distribuiu alguns convites adicionais para a reunião de um dia em Montreux. São eles: Austrália, Bahrain, Bélgica, Grécia, a Santa Sé, Luxemburgo, México, Países Baixos, República da Coreia e Irã. Acredito que a presença internacional expandida naquele dia será mostra importante e útil de solidariedade antes do duro trabalho que o governo sírio e delegações da oposição iniciarão dois dias depois em Genebra.

Como já disse repetidas vezes, creio fortemente que o Irã tem de ser parte da solução da crise síria.

Falei longamente nos últimos com o ministro de Relações Exteriores do Irã Sr. Javad Zarif. Ele assegurou-me que, como todos os demais países convidados para o dia da abertura das discussões em Montreux, o Irã compreende que a base das conversações é a plena implementação do Comunicado de Genebra de 30/6/2012, inclusive do Plano de Ação.

O ministro Zarif e eu concordamos que a meta das negociações é estabelecer, por consentimento mútuo, um corpo provisório de governo de transição, com plenos poderes executivos. Foi nessa base que o ministro Zarif prometeu que o Irã desempenhará papel positivo e construtivo em Montreux.

Assim, como anfitrião e organizador da Conferência, decidi enviar um convite para que o Irã participe.

Montreux Palace, hotel onde está sendo realizada a Conferência de Paz sobre a Síria

Não há praticamente coisa alguma que se possa dizer contra o Irã participar da Conferência. Se até México e Luxemburgo foram convidados (e para quê?!), o Irã, muito mais envolvido no conflito, evidentemente merece ter lugar à mesa. É até necessário que lá esteja, porque qualquer acordo que saia de Genebra-2 exige a concordância do Irã (sem isso, o Irã fica livre para sabotar qualquer acordo, caso queira fazê-lo).

Mas o Departamento de Estado dos EUA quer agora detonar a conferência, na qual tem pouco a ganhar, e inventou de impor condições, as mesmas que Ban Ki-Moon, com sua escolha cuidadosa das palavras, tentou deixar de fora:

Os EUA veem o convite do secretário-geral da ONU ao Irã, para que participe da próxima conferência de Genebra como condicionado a uma declaração do Irã de que explícita e publicamente apoia a plena implementação do Comunicado de Genebra, inclusive a criação de um corpo de governo transitório, constituído por consentimento mútuo com plenas autoridades executivas. É algo que o Irã jamais fez publicamente e algo que nós há muito tempo dizemos claramente que é indispensável.

O ministro de Relações Exteriores do Irã respondeu que, uma vez que o Irã não participou da conferência Genebra-1, não se pode pressupor nem esperar que o Irã aceite todos os resultados do Comunicado final de “Genebra-1”.

Sob pesada pressão dos EUA, os estrangeiros patrocinados por estrangeiros que são a oposição Síria no exílio concordaram, com menos da metade dos “membros” votando sim, com comparecer a Genebra. Agora, encontraram uma razão para voltar atrás; e lançaram um ultimato a Ban Ki-Moon, para que “desconvidasse” o Irã, ou a “oposição” se retiraria da conferência. Ban Ki-Moon está exposto demais. Não é admissível que deixe um bando de doidos que nada são ou representam, ditar a política da ONU. Ignorará a tal “oposição”. Caberá aos EUA assumir a “oposição” em Genebra.

Apesar de o governo sírio ter concordado há muito tempo com estar presente em Genebra, o presidente Assad, em entrevista publicada hoje (20/1/2014), deixou novamente claro que não renunciará nem deixará que a “oposição” financiada por estrangeiros tome conta da Síria:

O presidente Bashar al-Assad da Síria disse que há “significativa” probabilidade de que concorra a novo mandato e descartou qualquer tipo de partilha do poder com a oposição que tenta derrubá-lo, em entrevista exclusiva à Associated France Press, antes do início das conversações de Genebra.

Falando no domingo, do palácio presidencial em Damasco, Assad disse que entende que a guerra síria prosseguirá.

Disse que as conversações previstas para começar na 4ª-feira (22/1/2014) em Montreux, Suíça, devem focar-se no que chamou de sua “guerra contra o terrorismo”.

Foco contra o terrorismo é agora também o objetivo dos governos “ocidentais” que tentaram derrubar Assad. A Síria é hoje um campo de treinamento para vários grupos e subgrupos que, mais dia menos dia, voltarão aos seus países de origem, e criarão problemas.

Até os EUA precisam que Assad permaneça no governo da Síria.

Dois carros-bomba explodiram hoje num posto de fronteira entre Síria e Turquia, o último ainda não oficialmente controlado pelo grupo ISIS ligado à al-Qaeda. Os ataques obrigam os turcos a não esquecer que eles também enfrentam problema gigante. Mais uma descoberta de armas contrabandeadas por funcionários da inteligência turca para jihadistas faz aumentar a pressão sobre Erdogan, para que encontre saída rápida para aquela situação.

Assim sendo, todos, exceto talvez o Qatar e a Arábia Saudita, estão à procura de algum modo para deixar Assad no governo da Síria, pelo menos por enquanto, para que expulse da Síria os terroristas.

Mas o ataque dos EUA contra a conferência de Genebra-2, por causa da participação do Irã, torna ainda mais difícil para quem está de fora ter qualquer influência sobre o que se passa na Síria.

As lutas internas que acontecem entre vários grupos extremistas dentro da Síria ajudou o governo sírio a obter considerável avanço militar em campo, em Damasco e arredores e em Aleppo.

Se Genebra-2 não acontecer, ou se fracassar, quem menos perde é o governo do presidente Assad.


20/1/2014, [*] Moon of Alabama
Syria: The Geneva II Conference Trouble
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como“Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). No Brasil, produzimos versão SENSACIONAL, na voz de Cida Moreira, gravada em “Cida Moreira canta Brecht”, que incorporamos às nossas traduções desse blog Moon of Alabama, à guisa de homenagem. Pode ser ouvida a seguir:

http://redecastorphoto.blogspot.com.br

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