Deixar jovens na rua cria um “desastre social”

n47 Deixar jovens na rua cria um “desastre social”
Carl Siciliano, fundador e diretor do Centro Ali Forney. Foto: Cortesia do Centro Ali Forney.

Nova York, Estados Unidos, 10/4/2013 – Os jovens sem lar levam uma vida brutal nas ruas, sofrem problemas psicológicos, abuso de drogas e violência sexual. Apesar de custar apenas US$ 6 mil resgatar um deles dessa situação, é pouco o que se faz para ajudá-los. Como fundador e diretor-executivo do Centro Ali Forney, uma organização que ajuda jovens lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), Carl Siciliano viu com seus próprios olhos como é difícil para eles viver nas ruas.

Siciliano criou o centro em 2002 e o batizou com o nome de Ali Forney, um jovem assassinado na rua que ele chegou a conhecer. “Quando jovem eu era muito religioso e trabalhei com pessoas sem lar. Quando saí do armário, quis encontrar a forma de integrar meu trabalho com o fato de ser gay”, contou. A IPS conversou com Siciliano sobre o Centro Ali Forney, sobre os jovens que abriga e sobre o que é preciso para melhorar a situação da comunidade LGBT.

IPS: Quais serviços sua organização oferece e o que gostaria de oferecer mas não pode?

CARL SICILIANO: Temos gente que entra em contato com os jovens nas ruas e apresenta o nosso programa. Também contamos com um centro no Harlem (bairro do norte da ilha de Manhattan), que oferece alimentação, roupa e banhos, além de atenção psicológica, médica e, em especial, para abuso de drogas. Além disso, podem ficar entre três e seis meses no contexto de nossa iniciativa de moradia de emergência, enquanto buscam um lugar permanente. Também temos um programa para jovens que conseguem um trabalho ou estudam. Estes podem ficar até dois anos. Cerca de 90% dos jovens estão empregados e 75% estudam. Costumam conseguir um trabalho e mudar para sua própria casa. Tenho outras ideias que gostaria de implantar, como um programa de moradia específico para jovens transgênero, que são os mais vulneráveis e sofrem maior grau de violência e assédio nas ruas. Também gostaria de criar um modelo de apartamentos do tipo estúdio com muita supervisão para jovens com problemas psicológicos ou atraso no desenvolvimento, que têm dificuldade para lidar com residências coletivas. Um jovem de Uganda se aproximou de nós e nos disse que seus pais o jogaram na rua e temia por sua vida. Gostaria de criar uma rede internacional que possa ajudar os jovens a abandonarem países onde suas vidas correm perigo para se aproximarem de nós ou de outras iniciativas.

IPS: Os jovens LGBT representam 40% dos que vivem nas ruas. Como pequeno abrigo, quais os maiores desafios que o Centro Ali Forney enfrenta?

CS: O maior problema é a falta de recursos. Temos apenas 250 camas para os 3.800 jovens sem lar que há em Nova York. Na lista de espera temos entre 150 e 200 jovens. É muito duro ter que dar as costas a muitos deles todas as noites. Nosso trabalho cotidiano é muito difícil. Às vezes temos que lidar com situações de violência. Os jovens LGBT têm um alto risco de suicídio e os vigiamos constantemente. Procuramos protegê-los, mas gostaria que houvesse um compromisso maior da cidade em oferecer-lhes segurança.

IPS: O que costuma atrair o jovem para o Centro Ali Forney? Que tipos de ameaças sofrem?
CS: O maior denominador comum costuma ser a rejeição familiar. Cerca de 75% denunciam assédio ou abuso em suas casas por serem LGBT. Alguns são colocados na rua. Outros sofrem tanta violência e crueldade que se torna intolerável permanecer em casa. Muitos pais não sabem como lidar com um filho gay. Em comparação com outros jovens sem lar, os LGBT sofrem o dobro de violência nas ruas porque apanham por serem gays. Apanham de jovens em outros abrigos, ou em um centro católico, por exemplo, são taxados de pecadores e lhes dizem que irão para o inferno. Muitos se voltam para a prostituição, o que aumenta o risco de sofrerem violência e contraírem o vírus HIV, causador da aids. Quase 20% dos jovens LGBT sem lar de Nova York são portadores do vírus. O estresse e a pressão de não ter um lar e o trauma da rejeição familiar deixam sequelas psicológicas.

IPS: O que deveriam fazer organizações políticas e internacionais como as Nações Unidas para melhorar a situação dos jovens LGBT?
CV: Nova York tem um sistema de abrigo para crianças e adultos, mas os que estão na faixa dos 16 aos 24 anos não se ajustam a esses sistemas. Os dirigentes políticos devem compreender e reconhecer que é um desastre deixar estes jovens nas ruas. Se conseguem apoio adequado podem encontrar emprego, ir à escola e se converterem em adultos independentes e saudáveis. Se são deixados nas ruas, se tornam viciados e contraem HIV/aids. Passarão a representar um custo enorme e uma carga para a sociedade. Ainda que os dirigentes considerem essa situação do ponto de vista de uma política pública inteligente e não em termos de decência humana, simplesmente não tem sentido deixá-los nas ruas. Estão criando um desastre social. Quanto às organizações internacionais, o mais importante é compreender que a homofobia cria um ambiente de abuso e rejeição. As organizações que tentam combater a homofobia devem se concentrar mais em como afeta os jovens, como os deixa inseguros em suas casas e coloca em risco o bem-estar infantil. Seria mais difícil para instituições conservadoras que promovem a homofobia, como a Igreja Católica, fazê-lo se essas conexões estivessem mais claras. Envolverde/IPS

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