Sairemos do atraso?

O novo plano decenal de educação, enviado ao Congresso, é mais conciso e ambicioso.

Como levar a educação a todas as camadas sociais e ao mesmo tempo aumentar a qualidade do ensino? Trocar alguns pneus com o carro em movimento é o desafio do novo Plano Nacional de Educação (PNE) para o perío­do 2011-2020, enviado ao Congresso, em dezembro de 2010, e cujos principais focos são a evolução da educação infantil, o aumento gradual do investimento no setor e a qualificação e valorização da carreira de professor.

Criado nos anos 90, o Plano Nacional de Educação é um conjunto de metas para o sistema educacional que define prioridades e estratégias no período de dez anos. O primeiro PNE foi elaborado para o decênio 2001-2010, mas veio a público natimorto: o calhamaço de metas só seria minimamente executável se o governo seguisse a determinação de destinar 7% do Produto Interno Bruto (PIB) à educação. O então presidente Fernando Henrique Cardoso, por causa das dificuldades econômicas vividas em seu segundo mandato, vetou-o.

O PNE 2011-2020 representa uma evolução perante o anterior. Primeiro, tem apenas 20 metas, contra as 295 que tornaram o antecessor confuso. “Isso facilita o entendimento e as responsabilidades de cada um dentro do processo”, avalia Mozart Neves Ramos, integrante da Conae e presidente da organização civil Todos Pela Educação. “Fica mais fácil a mobilização da sociedade e do governo quanto à fiscalização.”

Até 2020, indica o documento, o País­ compromete-se a manter 50% das crianças de 0 a 3 anos de idade em creches. Outras metas relevantes: melhorar a média do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), termômetro criado para avaliar os primeiros anos educacionais no Brasil, de 4.6, de 2009, para 6, em um total de 10. Aumentar os investimentos na área até 7% do PIB. “A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tinha esta meta fixada em 5% do PIB, o que foi alcançado nos últimos anos”, diz o ministro Fernando Haddad.

Ao menos seis metas do atual PNE são voltadas para a melhoria na carreira e no salário do profissional da educação, entre as quais se destacam: elevar o número de mestres e doutores nas instituições de ensino superior para um mínimo de 75%, formar 50% de professores da educação básica com pós-graduação e assegurar planos de carreira para profissionais de magistério. Quando estiver validado pelo Congresso, o plano exigirá que todos os sistemas tenham dois anos para organizar planos de carreira com salários compatíveis com o nível de escolaridade correspondente.
O PNE 2011-2020 é, no geral, bem avaliado pelos críticos. Vladimir Safatle, filósofo e professor da Faculdade­ de Educação da USP, entende que o ponto principal está no foco da melhora da carreira de docente. “Baixo salário e condições ruins tornaram a profissão no ensino público pouco atraente. É associada ao fracasso. Se a carreira não for estruturada e atraente, você nunca terá bons profissionais.”

“O plano é um avanço em relação ao que tivemos até agora, mas há alguns pontos que poderiam ser melhorados”, diz Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional Todos Pela Educação, organização que teve participação na criação do Fundeb. Ainda acredita ser necessária uma avaliação de meio-termo no decênio. “O plano anterior contemplava metas para cinco ou seis anos, o que seria uma resposta preventiva à sociedade sobre as metas definitivas para 2020.” Também acredita que a gestão da verba nas escolas precise ficar mais próxima da mesma. “O gestor da educação deve ser gestor também do recurso da educação. Normalmente é sempre um indicado político de uma instância superior que muitas vezes não tem noção de como usá-lo.”

Ramos aponta uma falha do PNE 2001-2010 que inspira cuidados para o próximo. “A primeira etapa do ensino fundamental melhorou bastante nos últimos anos, mas o mesmo não pode ser dito nas etapas seguintes e também no ensino médio. Had­dad concorda. “A presidenta Dilma pediu atenção ao ensino médio. A evolução não foi boa nos índices de avaliação.”
“Senti falta de uma política mais ousada na questão das escolas integrais”, diz Safatle. “Não há muita saída sem elas. Até hoje, a experiência educacional mais bem-sucedida no Brasil foi nos anos 80, com os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), criados pelo sociólogo Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro.” Had­dad concorda com a necessidade e cita  outro programa do MEC. “Temos o Mais Educação, justamente focado nisso. Em 2010, completamos 10 mil escolas incluídas, que foram selecionadas para­ ter ­período integral, por causa das baixas notas no Ideb”, diz o ministro.

O ponto fundamental para o sucesso do novo PNE é fazer com que União, estados e municípios atuem em conjunto e sem falhas na gestão das metas, problema tão crônico quanto antigo no Brasil – é comum diretrizes do MEC serem ignoradas. Para evitar a situação, Had­dad e Lula enviaram, também em dezembro e paralelamente ao PNE, o Projeto de Lei de Responsabilidade Educacional, que deve tramitar em plenário. Ele é feito sob o mesmo molde da Lei de Responsabilidade Fiscal: pune o governante que não o cumprir.

Para o sociólogo Cesar Callegari, da Câmara de Educação Básica do Conae, a amarração feita por esse plano é fundamental para que o PNE vingue. “Sem a atribuição clara do papel de cada um, é comum uma instância deixar para a outra, e assim ninguém resolve os problemas. O governador ou prefeito que não cumprir deve ficar à mercê do Tribunal de Contas e do Ministério Público. É a única maneira de se evitar furos no plano.”
Caso o Congresso Nacional vete a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Plano Nacional de Educação sofrerá danos consideráveis. Haddad acha improvável, porém, a lei não passar. “Havia projetos de lei na casa sobre isso. Estamos dando um impulso a um debate que não prosperou”, diz.

As expectativas mais otimistas de prazo para a aprovação do PNE em plenário sugerem que as metas possam ser validadas somente no início do segundo semestre. A troca de governo e a reformulação na Câmara e Senado devem atrasar a discussão. “Os deputados voltam a trabalhar em fevereiro, quando os líderes partidários começam a compor as comissões, entre as quais, a de Educação e Cultura (CEC), que vai discutir o PNE, que é prioridade. A votação pode ocorrer no segundo semestre”, avalia o deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), ex-presidente da CEC. Vanhoni também minimiza o fato de o projeto valer já para este ano, embora não esteja aprovado. “As metas são todas a longo prazo e foram criadas pelo governo Lula, em perfeita sintonia com o governo Dilma. Não vejo como essa demora possa impactar no alcance das metas.”

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Crédito:
Weber Sian/AE
Legenda: O novo plano decenal de educação, enviado ao Congresso, é mais conciso e ambicioso.

(Envolverde/Carta Capital)

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