O HOMEM QUE TODOS AMAM ODIAR: PAULO MALUF

Nunca antes neste país se viu um político detentor de enorme popularidade sofrer rejeição tão extremada e generalizada quanto a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula experimentou ao serem divulgadas as fotos de sua alegre contraternização com Paulo Maluf.
É óbvio que tal reação foi principalmente a de um público bem informado, que se interessa pela política, acompanhando-a pela imprensa ou internet (nas quais aquelas imagens repercutiram da forma mais negativa possível). Até agora não se aferiu a impressão causada naqueles que veem Lula como o novo  pai dos pobres. Terão se indignado? Pelo menos sabem quem é Maluf?
E os bem pensantes, sabem?
Eu, que acompanho a carreira de Maluf desde os primórdios, sempre estranhei que estes últimos o erigissem no mais execrável de todos os execráveis políticos direitistas.

Em bateboca memorável num debate eleitoral, Leonel Brizola o qualificou várias vezes de "filhote da ditadura", o que não é toda a verdade.
Os  filhotes paradigmáticos eram aqueles políticos inexpressivos e servis que só governaram São Paulo unicamente graças ao beneplácito dos ditadores, como Laudo Natel e Paulo Egydio Martins.
Maluf foi, isto sim, um sapo direitista que a ditadura ultradireitista engoliu. Com sorte e muita habilidade para cooptar e corromper delegados, três vezes conseguiu arrobar a festa.

Dona Flor e seus dois maridos

O governador Abreu Sodré escolheu Luiz Arroba Martins para ser nomeado prefeito de São Paulo, mas o dito cujo cometeu o deslize de, numa reunião no Palácio dos Bandeirantes, criticar o poder central. Imediatamente os militares o vetaram e Sodré foi obrigado a digerir a nomeação do pretendente alternativo, aquele presidente da Associação Comercial que Delfim Netto protegia. Assim Maluf se tornou prefeito (1969-1971).
Com seu estilo de  tocador de obras, fez muitas, tanto como prefeito quanto como secretário dos Transportes do Governo de Natel (1971-1975). E, claro, a corrupção correu solta --o que nunca foi novidade no Brasil. Vide seu antecessor mais célebre em SP, o interventor federal, prefeito e governador Adhemar de Barros, popularmente conhecido como o  rouba-mas-faz.
Agradeceria a Natel pelo trampolim disponibilizado para sua ascensão política... traindo-o e o derrotando de forma vexatória. Natel foi escolhido pelos militares para governar São Paulo pela terceira vez e pensou que os convencionais da Arena bateriam continência; não deu a mínima para eles.
Maluf visitou os 1.261, um por um e, com os argumentos sonantes habituais, acabou seduzindo 617 e ganhando a convenção por diferença de 28 votos. Os fardados, estupefatos, cogitaram virar a mesa, mas acabaram se conformando.

Não era nada pessoal, só negócios?

Cansaram de afastar arbitrariamente os políticos opositores e os que, mesmo estando ao seu lado no momento da quartelada, depois passaram a defender a redemocratização do País. Hesitaram, contudo, em dar o mesmo tratamento àquele que era o maior dos seus puxa-sacos; Maluf só os contrariava no tocante a suas ambições pessoais, beijando-lhes abjetamente os coturnos em todo o resto.
A pior faceta de Maluf, o motivo que o faz mais merecedor de repúdio (no meu entender) foi, como governador (1979-1982) ter dado carta branca para a tropa de choque da Polícia Militar, a Rota, barbarizar os bairro pobres, atuando com truculência desmedida e exterminando marginais com sanha comparável à do antigo Esquadrão da Morte.
Vale lembrar que, em Rota 66 - A polícia que mata, o repórter Caco Barcelos documentou 4.200 casos (totalizando 12 mil vítimas inocentes) de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como alvos, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros, muitas vezes sem antecedentes criminais. Os cidadãos honestos atingidos por engano seriam em maior número do que os verdadeiros criminosos - cuja condição, claro, não eximia os policiais do dever de entregá-los à Justiça, ao invés de simplesmente os abater como moscas.

VALORES DISTORCIDOS

Para lembrar outro filme: "Dormindo com o inimigo"...

Até hoje me indigna que Maluf haja se tornado um criminoso procurado pela Interpol em razão de crimes financeiros e não como patrono e incentivador de assassinos seriais, responsável último por uma infinidade de execuções maquiladas em  resistência à prisão. Isto dá uma boa idéia da escala desumana de valores do sistema capitalista...
Nos estertores da ditadura, Maluf repetiu a proeza de conquistar os convencionais do partido governista, convencendo-os a não endossarem a candidatura oficial de Mário Andreazza. Mas, uma parte deles preferiu debandar e constituir o PFL, garantindo sua permanência no poder como aliados do PMDB.
Foi o fim das chances presidenciais de Maluf, que chegou perto mas não levou... felizmente! Teve de contentar-se em ser mais uma vez prefeito de São Paulo (1993-1996), mas a tentativa de nova decolagem enguiçou quando o sucessor que elegeu, Celso Pitta, teve gestão escandalosa e acabou rejeitado, como   ruim ou   péssimo, por 83% dos paulistanos.

Lula salvou Sarney de ser escorraçado. Pode?

E Maluf acabou sendo mais execrado ainda do que Fernando Collor, o outro populista de direita importante das últimas décadas. Merece sê-lo por seu absoluto desprezo pelos direitos humanos, principalmente dos pobres e excluídos. Mas, no restante, corrupção inclusa, os doi são farinha do mesmíssimo saco.
Quanto a Lula, considero tão infame sua cumplicidade com Maluf como com outros três grandes vilãos da direita: Collor (que, aliás, havia exposto e explorado eleitoralmente seu adultério e a existência de uma filha ilegítima), Sarney (o pau mandado da ditadura que deu um jeito de continuar emporcalhando a cena política depois de 1985) e ACM (o coronelão nordestino que mais poder acumulou durante a ditadura).
Sei lá por que foi desta vez que o copo transbordou. Mas, a intuição do Lula parece ter evaporado, pois a consequência daquelas fotos era mais do que previsível.

* jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com

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