Saudades da Febem
Sete instituições de Direitos Humanos que assinam a Nota Pública reproduzida neste post repudiam a transferência ilegal de adolescentes a penitenciaria de Espírito Santo.
Este é mais um dos milhares de casos de crueldade, barbárie prisional e sadismo descontrolado, com que as elites brasileiras executam, de maneira permanente, seus planos de faxina social, tentando destruir psicológica e fisicamente os jovens que, acossados pela brutalidade do sistema social, são empurrados à infrações contra o sistema.
Estes fatos se repetem porque, mesmo as pessoas bem intencionadas, parecem sentir medo de denunciar estes genocídios aos organismos internacionais, e de pressionar para que o clube de algozes que produzem estes fatos rocambolescos sejam punidos.
O mais odioso desse sistema foi o da FEBEM de São Paulo, considerado o mais truculento centro de torturas e genocídio lento de Ocidente, inclusive em comparação com lugares terríveis como as prisões para jovens de Guatemala e Colômbia.
Em meados de julho de 2000, a Anistia Internacional divulgou em Londres um documento sobre a FEBEM (Fundação do Bem Estar do Menor), uma masmorra de São Paulo para menores marginalizados, que se tornou marca internacional de sadismo carcerário. Nela eram empilhadas crianças e adolescentes que cometeram infrações ou moravam nas ruas. As condições de vida são tão atrozes, que nem o medo a represálias e tortura conseguiu inibir as rebeliões frequentes.
Isso foi o que aconteceu em julho de 2000, quando uma revolta de internos foi afogada em sangue, e matou quatro cativos. O fato mereceu lamúrias do governador, mas, apesar das fotografias e testemunhos vivos, não foi permitida nenhuma investigação independente, e a repressão continuou crescendo. ONGs de direitos humanos já tinham denunciado que umas 100 crianças por mês eram objeto de tortura pelos guardas e “educadores”. A violência foi considerada pior que a praticada pela ditadura do período 1964-1985. Cinco ONGs de direitos humanos foram obrigadas a apresentar solicitações de visita muito antecipadas, para dificultar a visão de atos ou rastos de sevícia. Todas as queixas dirigidas ao TJSP para que ordenasse investigações foram rejeitadas.
Após o assassinato dos quatro jovens, a Anistia Internacional publicou em Londres uma documentada denúncia no dia 12 de julho de 2000, dentro de seu estilo cauteloso e moderado, que, por exemplo, se referia à evidente cumplicidade entre juízes e torturadores, com o gentil termo de “semicumplicidade”. Na noite seguinte, o presidente do TJSP, Márcio Martins Bonilha, lançou um comunicado onde injuriava a organização com desespero, a acusando até de violar as leis sobre a “proteção da imagem do menor”, ao reproduzir fotos de crianças espancadas. Ele não disse, mas a causa desta indignação era clara: os meninos tinham o direito de serem torturados na intimidade de sua masmorra, sem estar obrigados a posar para fotografias.
Apesar de seu tamanho, vale a pena reproduzir a declaração do TJSP contra Anistia Internacional[i] . Todos os grifos são meus.
A propósito de manifestação da Anistia Internacional [...]
É inaceitável que entidade internacional, sabidamente marcada por inclinação ideológica, possa interferir em matéria de soberania nacional, imiscuindo-se em tema relativo à prestação jurisdicional, neste Estado [...]
É inconcebível essa crítica suspeita e infundada, em relação ao Judiciário, confundindo-se ação governamental própria com atuação independente da Justiça. [...]
Admite-se a crítica construtiva, no plano elevado [sic!] das idéias, sob o prisma jurídico ou dos conceitos abstratos, mas, jamais, a censura e os ataques gratuitos e injustificados de entidade que se arvora (mas não em relação a todos os países [sic] o que, no mínimo, é curioso), em censora de Poder de julgar constituído. Em nosso Estado, sob a pena de se aceitar passivamente a interferência em parcela da soberania nacional, representada pelo Poder Judiciário [...].
O que se lamenta é a conduta de alguns elementos de setores inconformados, que, ao invés de buscar soluções no âmbito interno, na ânsia de figurar sob os holofotes da mídia [sic], levam para o exterior um retrato deformado da realidade [...] para alcançar notoriedade, e sensibilizar organismos internacionais, em triste desserviço à Nação. A contribuição dessa natureza, com fornecimento a terceiros de ilustração fotográfica de menores em rebelião, configura afronta ao art. 247 do Estatuto da Criança e do Adolescente, diante da exigência da observância do princípio do sigilo legal, especialmente, em relação à imagem do menor, o que bem revela a leviandade de comportamento, nesse particular.
Os membros da opinião pública com mais capacidade de mobilizar devem pronunciar-se face ao risco de tornar-se cúmplices de um tratamento dado a crianças, que, salvo pela quantidade, não difere essencialmente ao que foi dado durante a 2ª. Guerra Mundial, aos adolescentes presos pelas SS nos campos de concentração. As razões eram semelhantes também. Os nazistas tinham um leque de inimigos muito grandes, mas entre eles predominava o ódio racial, igual ao que acontece em alguns estados brasileiros com os jovens afro-descendentes.
Os que preferem não tornar-se cúmplices não têm outra alternativa que o confronto com os estados genocidas que aplicam estas faxinas, como São Paulo e Espírito Santo. Esta prática sistemática de tortura e genocídio não se supera com medidas mornas, junto a um sistema judiciário que é cúmplice e, às vezes, instigador destes fatos. É necessário mobilizar todos os recursos internacionais que sejam possíveis.
A continuação segue a íntegra da NOTA PÚBLICA.
Pedimos a nossos amigos da Internet que difundam esta nota a todos seus contatos e redes sociais.
Nota Pública de Repúdio à transferência ilegal de adolescentes a penitenciária no Espírito Santo
As organizações abaixo assinadas vêm por meio desta manifestar seu veemente repúdio aos recorrentes episódios de violência que aconteceram nas últimas semanas na Unidade Metropolitana de Internação Socioeducativa de Xuri e que culminaram na transferência ilegal de 65 adolescentes para uma unidade do sistema penitenciário em Linhares/ES, no dia 6 do corrente mês.
A transferência dos adolescentes para uma Unidade do Sistema Prisional Humanos, ainda que em caráter provisório, viola frontalmente os princípios que regem o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Sócio Educativo), tendo em vista que o padrão arquitetônico e a ausência de projeto pedagógico são inadequados para o atendimento socioeducativo.
Ao transferir ilegalmente adolescentes para o sistema prisional, o Governo do Estado fere a Declaração Universal dos Direitos Humanos que completa amanhã 63 anos e descumpre as medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA que determina que desde fevereiro desse ano o Estado garanta a vida e a integridade física dos adolescentes e funcionários sob a responsabilidade do IASES.
As organizações que assinam essa nota exigem que os 65 adolescentes sejam imediatamente abrigados em unidades socioeducativas compatíveis com a legislação nacional e convenções internacionais de proteção à integralidade dos direitos das crianças e adolescentes.
Vitória e Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 2011
Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra
Pastoral do Menor do Estado do Espírito Santo
Justiça Global
Movimento Nacional de Direitos Humanos/ES
Centro de Apoio aos Direitos Humanos Valdício Barbosa dos Santos
Centro de Defesa Dom Tomás Balduíno
Centro de Defesa Regional Pedro Reis
[i] www.dhnet.org.br/direitos/sos/c_a/febem.htm
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