Descabida mudança na Justiça Eleitoral

A base da grande reforma política tão reclamada pela sociedade e os setores produtivos brasileiros já está em curso. Trata-se do anteprojeto de reforma da legislação eleitoral, que vem sendo desenvolvido por uma comissão de juristas instituída pelo presidente do Senado, José Sarney, presidida pelo ministro Antônio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. Realizaram-se oito audiências públicas, em distintos estados, sendo a última delas, em dezembro, na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de colher sugestões de especialistas para o aperfeiçoamento da proposta, antes de sua formalização e tramitação no Congresso Nacional.
Não há dúvida de que esse projeto de lei será um dos mais importantes sob a responsabilidade da nova legislatura federal, a ser empossada em 1º de fevereiro de 2011. O Brasil precisa, efetivamente, modernizar seu código eleitoral, que data de 1965 e se inspira na Constituição de 1946. Desde então, o País passou por profundas transformações, que tornaram a legislação obsoleta. Por isso, a cada eleição, ao léu das circunstâncias, acrescentam-se soluções paliativas, por meio de leis ordinárias e complementares, portarias e resoluções.
A rigor, vem-se improvisando ao longo de meio século, num exercício legislativo pontual e imediatista, para ser possível responder às peculiaridades de cada eleição que se sucedeu no período. Obviamente, criou-se uma teia complexa de normas, com aspectos contraditórios e difícil interpretação. Esse confuso emaranhado não pode persistir. É premente sistematizar e adaptar o marco legal à realidade de uma democracia na qual, a cada dois anos, 140 milhões de eleitores elegem seus governantes e parlamentares pelo voto direto.
Diante da enfática necessidade de nova legislação, o anacronismo e a precariedade da atual, surge inevitável e instigante questão: como o Brasil tem-se constituído em referência mundial de excelência quanto à realização de eleições? Este milagre não se viabiliza simplesmente pelas avançadas urnas eletrônicas, pois o comportamento político não se rege ou se explica pela tecnologia, mas pelas ciências humanas, dentre elas a sociologia e o direito. A razão da qualidade de nossas eleições, nem sempre diagnosticada pela opinião pública, é a eficiência com que a Justiça Eleitoral tem conduzido e garantido a eficácia, lisura e legitimidade de cada pleito.
Trata-se de um trabalho de imensa importância para a Nação, realizado pelos juízes estaduais, escolhidos em processo de rodízio, a cada dois anos, para responder pela Justiça Eleitoral. Por isso, toda comarca deste país conta, antes, durante e depois do voto, com a mão firme e isenta da magistratura. Esta insubstituível presença física da autoridade judiciária é uma importante conquista institucional dos brasileiros. Assim, é descabida a ideia de federalização da Justiça Eleitoral, uma das proposições centrais do anteprojeto de reforma. O tema, portanto, merece profundas reflexões por parte dos integrantes da comissão de juristas, sociedade e legisladores.
Pela proposta, seria criada instituição específica para cuidar dos temas relativos às eleições. Haveria concursos para cargos de juízes eleitorais e uma onerosa estrutura permanente. A mudança representaria significativo aumento de despesas, não só com o pagamento de salários, como pelo custeio das novas unidades. Portanto, não encontra respaldo nos preceitos constitucionais que norteiam as ações da administração pública, em especial se considerada a qualidade do trabalho que já vem sendo realizado. Portanto, que se modernize a legislação, mas preservando o bem-sucedido desempenho dos magistrados estaduais. Vale aqui a inquestionável máxima do futebol: em time que está ganhando, não se mexe!

*O desembargador Antonio Cesar Siqueira é presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj).

 

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