Não há dúvida de que esse projeto de lei será um dos mais importantes sob a responsabilidade da nova legislatura federal, a ser empossada em 1º de fevereiro de 2011. O Brasil precisa, efetivamente, modernizar seu código eleitoral, que data de 1965 e se inspira na Constituição de 1946. Desde então, o País passou por profundas transformações, que tornaram a legislação obsoleta. Por isso, a cada eleição, ao léu das circunstâncias, acrescentam-se soluções paliativas, por meio de leis ordinárias e complementares, portarias e resoluções.
A rigor, vem-se improvisando ao longo de meio século, num exercício legislativo pontual e imediatista, para ser possível responder às peculiaridades de cada eleição que se sucedeu no período. Obviamente, criou-se uma teia complexa de normas, com aspectos contraditórios e difícil interpretação. Esse confuso emaranhado não pode persistir. É premente sistematizar e adaptar o marco legal à realidade de uma democracia na qual, a cada dois anos, 140 milhões de eleitores elegem seus governantes e parlamentares pelo voto direto.
Diante da enfática necessidade de nova legislação, o anacronismo e a precariedade da atual, surge inevitável e instigante questão: como o Brasil tem-se constituído em referência mundial de excelência quanto à realização de eleições? Este milagre não se viabiliza simplesmente pelas avançadas urnas eletrônicas, pois o comportamento político não se rege ou se explica pela tecnologia, mas pelas ciências humanas, dentre elas a sociologia e o direito. A razão da qualidade de nossas eleições, nem sempre diagnosticada pela opinião pública, é a eficiência com que a Justiça Eleitoral tem conduzido e garantido a eficácia, lisura e legitimidade de cada pleito.
Trata-se de um trabalho de imensa importância para a Nação, realizado pelos juízes estaduais, escolhidos em processo de rodízio, a cada dois anos, para responder pela Justiça Eleitoral. Por isso, toda comarca deste país conta, antes, durante e depois do voto, com a mão firme e isenta da magistratura. Esta insubstituível presença física da autoridade judiciária é uma importante conquista institucional dos brasileiros. Assim, é descabida a ideia de federalização da Justiça Eleitoral, uma das proposições centrais do anteprojeto de reforma. O tema, portanto, merece profundas reflexões por parte dos integrantes da comissão de juristas, sociedade e legisladores.
Pela proposta, seria criada instituição específica para cuidar dos temas relativos às eleições. Haveria concursos para cargos de juízes eleitorais e uma onerosa estrutura permanente. A mudança representaria significativo aumento de despesas, não só com o pagamento de salários, como pelo custeio das novas unidades. Portanto, não encontra respaldo nos preceitos constitucionais que norteiam as ações da administração pública, em especial se considerada a qualidade do trabalho que já vem sendo realizado. Portanto, que se modernize a legislação, mas preservando o bem-sucedido desempenho dos magistrados estaduais. Vale aqui a inquestionável máxima do futebol: em time que está ganhando, não se mexe!
*O desembargador Antonio Cesar Siqueira é presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj).