Ocorreram duas tragédias próximas uma da outra nessas cidades. Em Mariana, no estado de Minas Gerais, uma barragem da mineradora Samarco se rompeu e destruiu tudo que encontrou pela frente, inclusive dois vilarejos. Matou 7 pessoas e mais uma dezena continua desaparecida e talvez essas vítimas não tenham o sagrado direito de serem sepultadas.
Em Paris, ataques terroristas atribuídos e assumidos pelo Estado Islâmico mataram mais de cem pessoas e comoveram o mundo, incluindo os brasileiros.
Pelos franceses, foi uma comoção total. As páginas do Facebook foram cobertas com as cores e a bandeira da França. Houve uma reação crítica e imediata a essa diferença de tratamento.
A tragédia em Mariana fora anterior e não teve alcance mundial. Primeiro, por se tratar de rotina; depois, porque não foi praticada por terroristas. Nenhuma campanha, nenhum minuto de silêncio nas partidas de futebol, nada foi visto, além do noticiário superficial, narrativo e rotineiro na mídia em geral. O que se viu foi um silêncio “ensurdecedor”, como se nada tivesse acontecido.
Os críticos cometeram o mesmo erro da imprensa. Lembraram de Mariana por causa de Paris. Se fosse pela quantidade de vítimas francesas, precisariam ter lembrado que, na sexta-feira do massacre, outra “Paris” de brasileiros pode ter sido assassinada aqui. Mantida a média anual de 50.000 assassinatos, 136 brasileiros podem ter sido trucidados sem assustar ninguém, com sói, por se tratar de outra rotina banal nossa.
Só sociólogos e outros profissionais poderiam explicar a comoção que causaram os mortos franceses e nenhuma palha movida contra a carnificina brasileira diária. Depois, os mesmos profissionais poderiam dar um sentido técnico sobre aqueles insurgentes aos franco-brasileiros que coloriram suas páginas em defesa do país europeu.
Só citaria alguns casos sem solução até hoje por essas bandas, sem qualquer movimentação por um desfecho. O do assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, que, após 14 anos, continua sem julgamento de alguns investigados. O da boate Kiss, no qual 241 foram sapecados vivos e continua sem culpados.
Há semelhanças entre os dois casos apenas pela falta de ações preventivas. Se a guerra tivesse sido declarada previamente pela França teria evitado a morte de mais de cem pessoas. Já não seria imaginável uma fiscalização séria que pudesse ter evitado o caos da Samarco.
A diferença após as tragédias é que na França há reação pela população e medidas de fato; aqui, só desculpas. Não apareceu ainda quem é o órgão ou governo responsável pela fiscalização das barragens. Cada um faz cara de desentendido e só atribui culpa à empresa. Fosse assim seria pior do que a negligência gritante na fiscalização. Não se pode imaginar que algo da dimensão de uma barragem daquele porte surgisse e se mantivesse clandestinamente sem nenhuma interferência governamental. Ainda que nessa terra de ninguém!
De concreto só um decreto federal incluindo o rompimento de barragens dentre os “desastres naturais”. Deve ser pioneiro o desastre natural de uma obra cem por cento do homem. Caso seja configurado crime ambiental ou os responsáveis enquadrados em crime doloso eventual, qualquer norma que não venha do Congresso Nacional não tem nenhuma eficácia, nenhuma validade.
Comparado ao sangue dos brasileiros assassinados anualmente, o dos franceses seria uma gota no oceano. Já os solidários de Facebook deveriam colocar um fio de sangue escorrendo sobre a bandeira brasileira nas suas páginas em solidariedade aos mais de cem assassinatos do nosso dia a dia.
Resta dizer aos críticos contumazes de quem se vestiu de francês que eles também não cobriram suas páginas com as cores de Minas Gerais nem de Mariana.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em direito
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