Ecodesenvolvimento X sustentabilidade na Rio+20

Da Conferência de Estocolmo, em 1972, a primeira grande reunião internacional a tratar do conflituoso binômio proteção da natureza-desenvolvimento econômico, nasceu o conceito de ecodesenvolvimento. Atribui-se a Maurice Strong, o grande articulador de Estocolmo, a proposição dele. Ignacy Sachs, um dos grandes nomes da ecossocioeconomia, procurou dar mais consistência ao conceito. Em síntese, ecodesenvolvimento significa crescimento econômico respeitando os limites dos ecossistemas.
Mas é necessário detalhar porque um crescimento econômico de larga escala e perdulário em recursos naturais não renováveis é ecologicamente insustentável. Assim, Sachs conferiu cinco dimensões ao ecodesenvolvimento:
1- Sustentabilidade ecológica. Implica na substituição progressiva dos recursos não renováveis por recursos renováveis de cada ecossistema do planeta, bem como em mudanças nos padrões de consumo. Com o consumismo reduzido na relação entre países ricos e países pobres e emergentes e na relação entre classes sociais, a produção de resíduos poluentes diminui. O mais importante aspecto a se destacar nesta dimensão é que o uso econômico de cada ecossistema exige técnicas e tecnologias apropriadas a ele. Assim, não se pode pensar no desenvolvimento da Caatinga, por exemplo, com técnicas e tecnologias padronizadas produzidas nos países do norte. Sachs salienta que tais técnicas e tecnologias não servem nem mesmo para os países do norte, pois elas promovem um mau desenvolvimento.
2- Sustentabilidade social. Um legítimo ecodesenvolvimento, além de adotar técnicas e tecnologias adequadas a cada ecossistema e se valer mais dos recursos renováveis do que dos não renováveis, deve visar o social. Ele restringe o lucro em nome da equidade social hoje e amanhã. Portanto, o ecodesenvolvimento deve assegurar condições para a equidade social no futuro.
3- Sustentabilidade espacial. Trata-se de trabalhar para uma relação equilibrada entre campo e cidade, promovendo-se a fixação de pessoas na área rural, inclusive incentivando o retorno de pessoas que migraram para áreas urbanas à procura de trabalho e qualidade de vida sem os encontrar.
4- Sustentabilidade cultural. No desenvolvimento clássico, interessado apenas no crescimento da economia, as diferentes culturas são desprezadas e destruídas. Na concepção do ecodesenvolvimento, as culturas são tão respeitadas quanto às soluções que encontraram para o uso dos ecossistemas. As técnicas e tecnologias criadas por elas devem ser aproveitadas e aprimoradas. Um desenvolvimentista convencional desconsidera a contribuição das culturas e assume a postura arrogante de quem detém o saber e a chave para o desenvolvimento. O ecodesenvolvimentista é humilde e procura aprender com cada cultura.
5- Sustentabilidade econômica. O ecodesenvolvimento não propõe estagnação nem retrocesso econômico, mas um tipo de crescimento econômico que esteja em consonância com os limites dos ecossistemas, com a equidade social, com a promoção do equilíbrio espacial e com respeito às diversas culturas.
Com o Relatório Brundtland, popularmente conhecido pelo título de “Nosso Futuro Comum”, a Organização das Nações Unidas propôs o conceito de sustentabilidade. Fundamentalmente, não existem grandes diferenças entre ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável. Este segundo pode ser resumido como a promoção do desenvolvimento hoje sem comprometer o direito ao desenvolvimento das gerações futuras. Ele foi adotado na Rio-92 e está prestes a ser substituído pelo conceito de economia verde na Rio+20.
Todavia, a retirada do radical eco permitiu que a palavra sustentabilidade fosse apropriada pelos governos, banqueiros e empresários com significados os mais distintos, de acordo com seus interesses. Os governantes proclamam estar promovendo o desenvolvimento sustentável, querendo dizer com isso (mas sem explicitá-lo) que o objetivo é alcançar um desenvolvimento convencional que não sofra oscilações. Neste sentido, a construção da hidrelétrica de Belo Monte é sustentável.
Os banqueiros falam em créditos sustentáveis, não explicitando que querem dizer empréstimos com juros estáveis, mas que podem ser usados na destruição de ecossistemas, no aprofundamento das desigualdades sociais e na desfiguração das culturas. A sustentabilidade é de interesse do banqueiro porque há garantias de retorno dos juros, não importa o estrago que os empréstimos possam causar.
O industrial entende que desenvolvimento sustentável é aquele que busca a estabilidade dos lucros, sem que sofram as oscilações típicas da economia de mercado. Que o leitor confronte os conceitos de ecodesenvolvimento e de desenvolvimento sustentável na análise do complexo industrial portuário do Açu. Ele pode muito bem se dizer sustentável, mas sem dúvida não é um exemplo de ecodesenvolvimento. Eis a diferença.

ARTHUR SOFFIATI é historiador e ambientalista
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