Esse ecossistema se desenvolve na zona intertropical, um pouco mais acima e um pouco mais abaixo. Onde há manguezal, a costa é mais protegida e a biodiversidade aquática é mais rica. Ele fixa o substrato, diminuindo a velocidade das águas e dos ventos. Sedimentos transportados pelos rios costumam ser retidos pela intrincada rede de raízes. Suas folhas decompostas se transformam em alimento para a vida aquática, e esta, por sua vez, alimenta répteis, aves e mamíferos, inclusive o ser humano. Suas águas calmas criam um extraordinário ambiente para a reprodução de peixes de água doce e salgada.
No entanto, ainda existe preconceito de grande parte da população acerca do manguezal. Ele é visto como um lugar lamacento, fétido, pútrido e sem nenhum atrativo. Bem ao contrário dessa visão estereotipada, o manguezal íntegro é salubre, rico em vida e belo.
Embora os manguezais, no Brasil, sejam considerados como integrantes do complexo da Mata Atlântica, seria melhor entendê-los sempre como dependentes dos complexos que estão na sua retaguarda. Não existem apenas manguezais no domínio da Mata Atlântica, mas também na Amazônia e em vários outros complexos ecossistêmicos do mundo tropical. Em outras palavras, o manguezal não é um sistema independente. Embora seja perfeitamente reconhecido por suas características físicas e biológicas, ele depende dos ambientes situados no continente e no mar.
Se a sua importância não foi devidamente reconhecida pela população, a economia já percebeu o seu valor, não como ecossistema, senão como área para expansão urbana, para condomínios de luxo e para a criação de camarão. Em vários manguezais, existe uma zona mais salgada, popularmente chamada de apicum. Cientistas cooptados por interesses econômicos querem demonstrar que o apicum não faz parte do manguezal e que pode perfeitamente abrigar tanques para a criação de camarão. Esta é a proposta da bancada nordestina no Congresso Nacional para o novo Código Florestal.
Ora, os cientistas honestos sabem muito bem que o manguezal está presente onde não há espécies exclusivas dele, como no apicum e no lavado. Na borda dos manguezais, onde já não há plantas de mangue, habita o caranguejo guaimum, que ali faz sua toca. A ocupação das bordas, sob pretexto de que elas não fazem parte do manguezal, destroi o ambiente do guaimum, impedindo que ele realize seu ciclo reprodutivo. Por este prisma, o novo Código Florestal deveria ampliar a noção de manguezal, protegendo as áreas que lhe são indispensáveis.
Não existe argumento científico sólido para considerar o apicum, o lavado e as bordas dos manguezais como áreas não integrantes deles. Todos os estudos neste sentido revelam interesses econômicos por trás.
Quanto a sua fisionomia, os especialistas reconhecem três tipos de manguezal. O mais comum é o ribeirinho, que se desenvolve em estuários, onde a mistura de água doce e água salgada se processa com mais facilidade. Como as árvores exclusivas desse ecossistema respiram pelas raízes e pelas ramificações do caule, elas não podem ficar afogadas o tempo todo. O movimento das marés ora afogam, ora deixam a descoberto o sistema respiratório das espécies vegetais. Um segundo tipo de manguezal consegue viver em águas mais profundas, onde o movimento das marés não é tão intenso. Trata-se do manguezal de bacia. Há manguezais que dispensam o rio e crescem em praias protegidas de forte energia oceânica e com salinidade branda. São os manguezais de borda ou de franja. Proponho ainda um quarto tipo, que poderia ser denominado manguezal enclausurado. Ele se parece muito com o manguezal de bacia e costuma ocorrer em antigos cursos d’água que perderam a capacidade de manter suas barras abertas e se transformaram em lagoas por ação natural ou humana.
Os manguezais de franja e enclausurados parecem ser os tipos mais ameaçados desse ecossistema que, em si, já corre muito perigo. Mesmo que os interesses econômicos reconheçam o manguezal de franja, é comum não reconhecerem o entorno que os alimenta. Quanto aos manguezais enclausurados, o argumento mais comum para eliminá-los é considerar que eles estão fadados à morte sem qualquer interferência humana. Assim, justifica-se abreviar a sua existência.