Os ataques midiáticos ao relatório da CPI do Cachoeira e a soltura deste pela Justiça justamente quando as provas de seus crimes engolfam o governador de Goiás, Marconi Perillo, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e o editor de Veja Policarpo Júnior, desnudam a farsa do julgamento do mensalão e a tese ridícula de que aquele tribunal de exceção teria inaugurado uma nova era em que poderosos também seriam submetidos à lei.
A indignação da mídia tucana e de sua militância com a corrupção – na América Latina, há “partidos” da mídia que têm até militância –, portanto, fica absolutamente caracterizada como produto de um descaramento que esbofeteia o Brasil. É tudo tão escancarado que é impossível que alguém de boa fé não esteja notando como a indignação com a corrupção no PT dá lugar à defesa apaixonada de um grupo político que aprisionou Goiás naquele que, agora sim, é o maior escândalo de corrupção já visto no país, pois atinge a casa dos bilhões de reais.
A cúpula da quadrilha que aprisionou Goiás, segundo o relatório da CPI, era formada, basicamente, por Cachoeira, Demóstenes, Perillo, Gurgel e Policarpo. O que pesa contra esses quatro é estupefaciente e dispensará a Justiça do uso da famigerada teoria do “domínio do fato” devido à vastidão de provas materiais que pesam contra eles.
Sobre Cachoeira e Demóstenes nem é preciso dizer nada, mas sobre Perillo e Gurgel lembremo-nos de que os “atos de ofício” que comprovam atos criminosos são intermináveis. Perillo se envolveu em negócios imobiliários com Cachoeira, nomeou quem ele pediu – há gravações da PF mostrando que o bicheiro determinava os nomes de quem queria pôr no governo e as nomeações aconteciam –, mas as atividades criminosas da quadrilha jamais foram alvo de ações do governo goiano e, por fim, o procurador-geral da República, sabendo de tudo que acontecia, e ao contrário do que fez com o PT e seus aliados, engavetou tudo.
A esta altura, a imprensa deveria estar cobrando a CPI para que fizesse um relatório duro condenando um esquema imenso, muito maior do que o do mensalão (do PT) em todos os sentidos, tanto em número de integrantes da quadrilha como em valores desviados. E tudo com o concurso do chefe do Ministério Público Federal. Entretanto, ao contrário da corrupção que possa haver no PT, a do PSDB, do DEM e do MPF gerou defesa desabrida dos corruptos pelos moralistas de plantão.
Então vamos combinar: se um escândalo dessa magnitude for abafado, se o relatório da CPI aliviar para Perillo, Gurgel e Policarpo ou se o relatório for desfigurado e o Ministério Público e a Justiça não fizerem nada, acabou o Brasil. Estará comprovado que estamos vivendo em um Estado ditatorial que persegue um grupo político enquanto protege outro – e quando se alude a Estado não se está falando do Poder Executivo, mas do Judiciário e do Legislativo.
Como acreditar em um país em que crimes escancarados, atrevidos (para usar termo da moda) e incomensuráveis são praticados à larga e, após serem descobertos, seus autores são poupados devido ao grupo político que integram? Como acreditar em um país em que a Justiça, a imprensa e o próprio Legislativo tratam a corrupção de um lado com rigor irrefreável e a de outro com tolerância total?
Quando se fala em CPI do Cachoeira, fala-se em Goiás. Essa história da empreiteira Delta e dos governadores de Brasília e do Rio de Janeiro é cortina de fumaça para desviar o foco da transformação daquele Estado em parque de diversões de corruptos locais.
A empreiteira Delta provavelmente tem muita sujeira contra si, mas essa investigação precisa de sua própria CPI. E contra Agnelo Queiróz e Sergio Cabral até agora não surgiu uma mísera prova, um mísero indício crível. Nem com todo “domínio do fato” do mundo se torna possível acusá-los.
Contra Agnelo, pesa apenas uma única e isolada menção da quadrilha a um codinome que seria o do governador, menção que não se confirmou se foi a ele mesmo, e nada mais. Contra Cabral, pesa ainda menos porque não há menção alguma da quadrilha a ele. Tudo o que há é uma filmagem de um jantar do governador do Rio com o dono da Delta, Fernando Cavendish, em Paris, apesar de as relações desse personagem envolverem nomes como José Serra, Gilberto Kassab e muitos outros oposicionistas ao governo federal.
Que se faça a CPI da Delta, então. Mas a do Cachoeira é sobre Goiás e as autoridades que acobertaram e até ajudaram a quadrilha do bicheiro a transformar aquele Estado, repito, em parque de diversões de um grupo criminoso que movimentou bilhões de dinheiro público.
A Justiça que está para prender José Dirceu sem que contra ele pese um grama do que pesa contra Perillo pôs em liberdade um mafioso como Cachoeira. Essa é a “nova era” que o julgamento do mensalão (do PT) inaugurou?
Este país só não virou uma piada completa, ainda, porque a Justiça tratar acusados de corrupção de acordo com a filiação partidária de cada um não tem graça nenhuma. Portanto, se essa CPI não fizer a denúncia que tem que fazer contra Perillo, Gurgel e Policarpo – e, claro, por tabela contra os empregadores deste último – terá acabado a ilusão de que vivemos em uma democracia. O último a sair, portanto, que apague a luz.
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