Guerrilha abalada por agente duplo

Ex-guerrilheiros sustentam que companheiro de clandestinidade estava a serviço da repressão e teria atuado até como torturador

Ao analisar processos de indenização encaminhados por ex-presos políticos, a Comissão Especial instituída pela Lei 11.042 (de 1997) deparou, em abril de 2002, com o pedido de um suspeito de ter sido infiltrado. Seu nome: Artur Paulo de Souza.

Entre os argumentos para solicitar a reparação, Artur Paulo se apresentou como ex-PM perseguido pela ditadura militar por simpatizar com Leonel Brizola. Mas os integrantes da Comissão Especial, ao juntar documentos e testemunhos, concluíram que ele teria sido um agente duplo.
 
Para negar o pedido de indenização, o relator do processo na Comissão Especial, Orlando Michelli, justificou haver “indício de prova” de que Artur Paulo era colaborador da repressão. Michelli confirmou sua decisão a ZH:
 
– A comprovação de que ele teria sido infiltrado no movimento de oposição ao regime militar foi mais forte do que as provas apresentadas da possível prisão e dos maus-tratos que teria sofrido no período da ditadura.
 
Para checar por que a indenização foi negada, ZH investigou a trajetória de Artur Paulo, nascido em Porto Alegre há 69 anos. Ex-guerrilheiros afirmam que ele, ao cooperar com a polícia política, levou militantes de esquerda ao cárcere e à tortura.
 
Aqueles que conheceram Artur Paulo dividem sua atuação em três fases. A partir de 1967, aproximou-se de simpatizantes do ex-governador Leonel Brizola (cassado pelo golpe militar) que estavam refugiados no Uruguai. Na clandestinidade, usava os codinomes de Maneco ou Oscar. Em 1970, após uma prisão, teria se transformado em informante da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops).
 
Na terceira metamorfose, Artur Paulo teria participado, na sede do Dops em Porto Alegre, de torturas contra integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), como Carlos Alberto Tejera De Ré e Laerte Meliga. Os dois asseguram que o infiltrado servia na equipe do delegado Pedro Seelig – o mais destacado repressor no Estado.
 
Outra afirmação sobre Artur Paulo está na página 92 do terceiro tomo da pesquisa Brasil Nunca Mais, da Arquidiocese de São Paulo e organizada por dom Paulo Evaristo Arns. No documento, ele é nominado como “agente policial infiltrado”. Ele teria sido o responsável pela prisão do militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) Eduardo Leite, morto sob tortura.
 
Dúvidas encobrem o passado de Artur Paulo. Teria sido implantado pelo aparato repressivo entre os grupos de esquerda? Teria trocado de lado ao ser preso, o que ocorreu com outros guerrilheiros que não suportaram as torturas? Ou jamais foi um delator, como ele próprio assegura? Laerte Meliga, ex-chefe de Gabinete no governo Olívio Dutra, inclina-se pela hipótese de que evoluiu de espião a torturador:
 
– Tem todas a características do infiltrado que, quando se acha seguro, assume sua verdadeira posição – observa Meliga.
 
 
CARLOS ETCHICHURY, CARLOS WAGNER, HUMBERTO TREZZI E NILSON MARIANO
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