A crise mundial e os riscos para a classe trabalhadora

Todos os organismos multilaterais vêm alertando que a presente crise financeira, embora nascida nos Estados Unidos e evoluído nos países mais ricos, acabará apenando de maneira mais grave e cruel as nações e segmentos mais pobres da população. É lamentável que as parcelas mais frágeis da comunidade global arquem com esses ônus produzidos pela ganância descontrolada, especulação e falta de limites impostos pelo poder público a gestores irresponsáveis de empresas e instituições financeiras. Nesse contexto, a força de trabalho, inclusive da classe média, também está exposta a riscos, não só de enfrentar as agruras do desemprego, como de ver reduzido o seu poder de compra. A crise, aliás, parece que agravará a redução da participação do trabalho na composição do PIB mundial. Isto significa, na prática, que a grande maioria dos trabalhadores, que não têm poder de ingerência sobre decisões irresponsáveis que levam empresas e países ao caos financeiro, acabam pagando o mais duro preço pela governança equivocada das companhias e dos erros (ou seriam lances de oportunismo?) de gestão financeira daqueles que conseguem transformar seu esforço e suor em papéis e títulos podres.

O problema está muito claro em lúcido relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que acaba de ser divulgado. O documento prevê que, em 2009, a crise econômica ocasionará dolorosas reduções no salário real de milhões de trabalhadores de todo o mundo: "Para 1,5 bilhão de trabalhadores assalariados, avizinham-se momentos difíceis", salienta o diretor-geral da entidade, Juan Somavia. Ele observa que "o crescimento econômico lento ou negativo, junto com os preços muito instáveis dos alimentos e da energia, corroeram o salário real de muitos trabalhadores, em particular nos lares pobres e de baixa renda. Contudo, a classe média também será gravemente afetada".

O estudo da OIT, depois de considerar as mais recentes estimativas de crescimento apresentadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), estima que os salários reais, na média internacional, cresçam no máximo 1,1% em 2009, ante 1,7% verificado de 2008. Contudo, é possível que os salários diminuam em um vasto número de países, incluindo as maiores economias. Em geral, se prevê que o crescimento salarial nos países industrializados diminuirá de 0,8%, em 2008, para 0,5% no ano novo.

O relatório da OIT ressalta, ainda, algo muito preocupante e que deve chamar atenção de autoridades, lideranças empresariais e sindicais: "A perspectiva desalentadora apresenta-se depois de uma década na qual os salários não conseguiram progredir no mesmo passo do crescimento econômico". Conforme o estudo, entre 1995 e 2007, cada 1% adicional de crescimento anual do PIB per capita gerou aumento de apenas 0,75% no crescimento anual dos salários. Como resultado, ocorreu uma diminuição da proporção do trabalho no PIB.

Não é justo que os trabalhadores, além do risco do desemprego, continuem pagando o preço mais alto pelas cíclicas instabilidades da economia. A garantia de uma civilização próspera, longeva e feliz somente será possível com a harmonia e justiça entre capital e trabalho, na construção sinérgica de um mundo de democracia, mercados responsáveis e voltado à qualidade de vida ampla, geral e irrestrita.

*Carlos Reis é presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo.
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