Mas a estrela era Mangabeira. As lentes dos fotógrafos e das câmeras de televisão ainda procuravam o melhor foco quando o ministro iniciou sua palestra com uma advertência para botar qualquer audiência para correr. "Vou falar durante 50 minutos, mais do que costumeiramente faço. Mas é muito pouco para gerar uma dialética entre o geral e o particular", disse, para espanto geral. A palestra foi dividida em três partes: a primeira sobre a necessidade de ruptura do Brasil com as tendências ideológicas fundamentadas na Europa do século passado; depois os sete passos necessários para encher de conteúdo prático o, até agora, vazio discurso de desenvolvimento sustentável.
Lista de culpados
Por último, viria o que ele chamou de "debates
subjacentes e fraturantes". Essa o ministro explicou: referia-se a temas densos
acerca da Amazônia e sobre os quais ninguém ousa se posicionar. "Deveríamos
andar na vanguarda das alternativas institucionais. Uma revolução de idéias.
Tenho a convicção de que o suposto conflito entre forças pró-desenvolvimento
(que não ligam para a floresta) e pró-conservacionismo (que desejam ver a
Amazônia como um santuário sem ocupação alguma) não existe. Eles são poucos. A
maioria quer o desenvolvimento sustentável", afirmou. Na primeira parte,
expressou de fato uma convicção corriqueira. Na conclusão, disparou uma besteira
normal de quem tem pouca intimidade com a região.
A constatação serviu de
base para suas argumentações seguintes. Mangabeira desfiou uma lista de sete
culpados pela grave crise que ele vê instaurada na Amazônia. A maior parte deles
o Brasil já conhece faz muito tempo. O principal é a falta de regularização
fundiária – Mangabeira acredita que apenas 5% das terras privadas na Amazônia
tenham situação legalmente definidas, o que torna o saque uma atividade mais
rentável do que a preservação. O ministro também defendeu alterações rígidas nas
leis dos direitos civil e agrário, de forma a criar zoneamentos
ecológico-econômicos e evitar a legalização de grileiros.
Mangabeira
também encampou o discurso da moda, de dar valor à floresta, um conceito ainda
tão gasoso quanto o de sustentabilidade. Para tanto, vale fortalecer os serviços
ambientais da Amazônia. Como? Segundo o ministro, com a importação de cérebros
das grandes cidades. "Mas esse pessoal qualificado só vai sair das metrópoles
com uma estrutura confiável na região, ou seja, municiados por gráficos, mapas e
equipamentos dentro das unidades de conservação", assegurou, sem levar em
consideração que já há grandes cérebros trabalhando na Amazônia, muitos deles
saídos das cidades do Sul do Brasil. E seu problema não é estrutura precária,
mas falta de investimento e de políticas que relevem seu
conhecimento.
Mangabeira também sugeriu, no seu discurso em geral
incompreensível, que a Amazônia precisa de indústria que tenha "relação
maximalista" com a floresta, e não apenas produtoras de carros e celulares.
Traduzindo, ele quer botar lá uma indústria de processamento de produtos
florestais, outro velho ponto do debate nacional sobre a Amazônia que o ministro
acredita ser uma novidade. Só não disse como fará isso. Mas o fundamental, é que
para os desenvolvimentistas aninhados no governo, Mangabeira não
decepcionou.
Conservação zero
Depois de defender
um acréscimo substantivo na produção de energia a partir de hidrelétricas e o
transporte multi-modal na Amazônia (como ferrovias e hidrovias), ele criticou as
pessoas que vêem a região como um tema ambiental exclusivamente. "Por isso que o
presidente Lula me colocou à frente do Plano Amazônia Sustentável. Ele não
queria deixar com alguma pasta setorizada", explicou. Segundo o ministro, o
Brasil precisa ser a vanguarda mundial da inclusão. Conservação a gente pode
ficar na retaguarda. E repetiu uma ladainha que está virando mantra no governo
Lula, apesar do desmatamento da Amazônia. "É possível dobrar o cultivo sem tocar
em uma árvore, só usando as áreas degradadas. Precisamos montar o desenho de uma
agricultura moderna", profetizou.
O terceiro tema, Mangabeira abriu com
uma crítica velada ao Código Florestal Brasileiro e em plena contradição com o
que havia dito sobre a possibilidade de o Brasil continuar a plantar sem
desmatar. Para o ministro, não é possível preservar e desenvolver em uma região
na qual todas as propriedades precisam manter 80% de seu território sob a forma
de reserva legal, sem contar as Áreas de Preservação Permanente e encostas de
morros. "Este regime que temos no papel não vale na prática". Para terminar,
considerou que os índios precisam ter acesso à educação formal e tecnologias
para terem o direito de escolher se seguem com suas tradições ou a abandonam
completamente.
"Precisamos mudar o trato com a Amazônia pelo Brasil,
antes de tudo. Não só pelas alterações climáticas", encerrou. Três almas na
platéia voluntariaram perguntas. Mangabeira preferiu não responder. Disse,
talvez se esquecendo de que estava numa universidade e não numa delegacia, que
não queria transformar aquele momento em um interrogatório. "Prefiro que vocês
me indiquem problemas para os quais estou cego e dêem conselhos sobre como devo
atuar na Amazônia". A platéia, coitada, terá muito trabalho pela
frente.
(Envolverde/Ambiente Já)