Que justiça é essa?

Ele é o juiz 'herói' que supervisionou a vasta investigação de corrupção, a Lava Jato, no Brasil. Agora ele enfrenta seu próprio escândalo

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Créditos da foto: O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (direita), e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, participam de uma cerimônia militar em Brasília. (Marcos Correa/Assessoria de Imprensa do Presidente do Brasil/AP)

Se houve uma figura unificadora no Brasil nos últimos cinco anos, enquanto a economia se debatia, o crime violento aumentava e a polarização se aprofundava, foi Sérgio Moro. Como o juiz mais proeminente que supervisionava a vasta investigação sobre corrupção que revogava a ordem política do país, ele era o firme e resoluto protagonista da saga em busca de um Brasil melhor, onde os crimes seriam punidos independentemente de quem os cometesse.

Então o presidente Jair Bolsonaro, o populista de direita que fez da luta contra a corrupção uma peça central de sua campanha, nomeou Moro como seu Ministro da Justiça - e disse que o nomearia para a Suprema Corte, caso uma abertura surgisse.

No entanto agora, após a publicação de supostos bate-papos privados com promotores na investigação, Moro está na desconfortável posição na qual ele colocou tantos outros: no centro de um escândalo de ética. As mensagens publicadas pelo The Intercept Brasil na semana passada mostram o juiz aconselhando os promotores federais sobre como provar seus casos contra a elite política do país, tanto em seu tribunal como na imprensa.

O abismo entre a persona pública de Moro e suas supostas mensagens privadas surpreendeu o Brasil, dominando as notícias durante dias. Analistas dizem que eles podem vir a manchar a investigação mais ampla de corrupção, conhecida como Operação Lava Jato, que rendeu 400 processos no Brasil até agora e agitou o continente.

"Essas revelações podem gerar a percepção de que toda a operação é falha", disse Oliver Stuenkel, professor assistente de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. “Esse é o risco, e resta saber como eles podem se defender. . . Até que ponto esses novos escândalos levarão a Lava Jato ao limite?

O Ministério da Justiça não respondeu a um pedido de comentário.

Moro negou qualquer irregularidade. Ele disse que foi vítima de hackers e questionou a autenticidade das mensagens. Ele pediu que eles fossem submetidos a uma autoridade independente.

Quanto à natureza das minhas comunicações, estou absolutamente à vontade”, disse ele à agência de notícias Estadão na semana passada.

Mas apoiadores do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, aproveitaram os supostos vazamentos como prova de que o caso contra o líder esquerdista foi manipulado e que sua condenação deveria ser anulada.

Lula estava liderando as pesquisas eleitorais presidenciais em 2017, quando Moro o sentenciou a nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele foi forçado a sair da corrida, abrindo caminho para que Bolsonaro ganhasse a presidência.

Para alguns, a indicação de Moro por Bolsonaro como seu Ministro da Justiça era prova de que ele levava a corrupção a sério. Outros consideraram inapropriado.

Agora, os supostos vazamentos deixaram Moro exposto a acusações de que ele sempre esteve mais interessado em política do que varrer a corrupção do Brasil. A Ordem dos Advogados do Brasil pediu sua remoção como Ministro da Justiça, dizendo que "a gravidade dos fatos não pode ser desconsiderada". O conservador Estadão, um dos maiores veículos de notícias do país, também pediu que ele renunciasse. Seu índice de aprovação caiu 10 pontos para 50%, de acordo com o Atlas Político, um serviço de análise política.

Moro disse que não está planejando se demitir. Ele disse ao Estadão que foi “vítima de um ataque criminoso por hackers”. O The Intercept, que afirma ter mais menssagens que ainda não foram publicadas, não divulgou a fonte das supostas conversas.

Na sexta-feira, 14 de junho, Moro disse que suas ações eram apenas evidências de "descuido".

Descuido” não é uma palavra que alguém teria usado para descrever Moro. Ele era o estrategista cerebral, taciturno e intenso, que estudou exaustivamente a investigação de corrupção “Mãos Limpas” da Itália para entender como tinham conseguido processar os titãs políticos do país.

Antes apenas mais um juiz na cidade de Curitiba, ele ganhou mais atenção em 2014, quando começou a julgar casos que desencadeariam o escândalo Lava Jato. Era um esquema clássico de suborno, com a estatal Petrobras no centro, mas de proporções épicas.

À medida que as acusações se acumulavam e políticos e executivos eram levados à corte, Moro tornou-se uma celebridade. Sua presença em um supermercado foi anunciada em um alto-falante. Camisas foram vendidas com seu rosto nelas. Durante as manifestações em apoio a Bolsonaro, um superman inflável gigante apareceu em Brasília com a imagem de Moro sobreposta em seu rosto.

Lucas de Aragão, diretor de uma administração de risco político em Brasília, disse que Moro e outros no caso Lava Jato desenvolveram um ar quase "messiânico".

"Há alguns anos, seria insustentável até de pensar", disse ele. "Eles eram quase intocáveis."

Mas, isto mudou. Quando Moro aceitou a nomeação de Bolsonaro, ele desceu do pedestal que lhe permitiu estar acima das brigas políticas para uma posição que estava no centro dela.

Agora, como membro proeminente do governo Bolsonaro, ele é cada vez mais visto como um "político cotidiano", disse Creomar De Souza, cientista político da Universidade Católica de Brasília.

"Todos os dias, ele é menos um juiz", disse De Souza.

Em um país tão polarizado quanto os Estados Unidos, disseram analistas, não está claro se os supostos vazamentos vão influenciar a opinião pública mais do que já estão, a menos que haja piores vazamentos por vir. As pessoas que apoiaram Bolsonaro provavelmente continuarão a apoiar Moro. E entre as pessoas que apoiaram Lula, isso apenas reforçou a crença de que as investigações foram politicamente motivadas.

"É um país muito polarizado", disse Stuenkel. "E para muitos, ele continuará sendo esse herói."


*Publicado originalmente no The Washington Post | Tradução de Cristiane Manzato

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