ESTILHAÇOS
Pega
rasga
esfrega.
E parta em partes,
em pedaços, estilhaços.
Nega,
dilacera
e entrega.
Em gota única,última
que arrebenta,sangrenta.
E una partes, os cacos.
E recolha,sem escolha, no espaço
Um sem fim de pedaços.
E quando enfim,
terminada a colagem
e uma brisa de aragem
roçar o rosto
e secar o suor
da batalha travada ...
Não te iludas.
Outros ventos
que não a aragem soprarão.
E ... novamente haverás,
de re-começar
a re-construir
de outros pedaços
novos estilhaços
espalhados no chão
SENHOR DOUTOR ( ou "a fila" )
Preencha
Carimbe
Depois assine
logo acima
Em uma via ...
Duas vias ...
Quantas vias afinal ?
Agora entregue
Naquela fila
Não nesta fila !
Estás errado
É o guichê ao lado
Que está ocupado
Com um homem apressado
por estar atrasado
no horário marcado
com não sei quem.
Não se apoquente
Senhor Doutor
que o dia está quente
e a vida é assim.
E nem é tão ruim,
apesar das filas
que dobram esquinas
em zig-zags
que levam ao nada
ao lugar nenhum.
Não se espante
seu doutor
com o marasmo
com o comodismo
com o sarcasmo
com o cinismo.
Tudo isto é a fila
essa imensa fila
essa mesma fila
que não leva a nada
a lugar algum.
MÃOS
Mãos : momentos em movimentos lentos
Mãos : leves mãos
Mãos : mãos sobre mãos
Minhas mãos, suas mãos.
Mãos que delineiam
Mãos cansadas
Mãos e tato.
Tato : laço que desato
Mãos em desacato
Feito aço
Feito fato
Feito ato.
Mãos.
Mãos sobre o peito
Mãos sobre o leito
Pretérito perfeito
Futuro imperfeito.
Mãos ...
Minhas mãos
Suas mãos.
Por onde andam nossas mãos ?
NUM ÁTIMO
Num átimo
vejo passar frente a mim
um vulto estranho.
Esguio, disforme, assustador.
Que assume formas desconexas,
parte-se em quinas
nas esquinas.
Caminha junto ao meu passo,
brincando ...
zombando do que faço.
Paro e espreito.
Acelera o peito,
pela certeza,
que parou
o vulto suspeito.
"E se eu correr acelerada,
ao comando das batidas do meu peito?
consigo enganar-te?
Ludibriar-te?
E se eu ficar paralisada eternamente ?
Ficarás aí, esperando, sorrateiramente?
Não há sinal de resposta.
Desconheço este vulto
que ao mesmo tempo
por não sei que razão,
torna-se próximo
companheiro
na solidão.
ANJO TORTO
Nos meus delírios vi um anjo
Estendeu-me suas mãos e disse-me
Venha !
Posso conduzi-la até o céu
E como em um sonho
Bailarmos por entre estrelas.
Venha !
Quero provar os seus lábios
E embriagar-me .
Não tenha medo
Velarei seu sono
Quando exausta
No meu ombro se entregar
.
Nos meus delírios vi um anjo
Doce anjo,
Por entre fresta
No raio de um sol.
Falou comigo e me amou.
Acordei
Não vi o anjo.
Doce ilusão.
Nos meus delírios vi um anjo
Um anjo torto
Anjo roto
Que nada me diz
E tudo me fala.
.
Que é grande
Por ser pequeno
Forte pela fragilidade
Bruto na delicadeza.
Nos meus delírios
Vi um anjo
Que sem asas,
Sem poderes,
Sem magia,
Mostra-se homem.
O VENTO
O vento bate forte em meu rosto
E uma gota escorre face abaixo
Seguindo seu curso,
Percurso traçado
Nos sulcos antes escavados
O vento forte bate em meu rosto
E conduz, cada fio de cabelo
Numa dança, trança ou novelo.
O vento bate em meu rosto outrora forte
E me envolve
Como se fora arrancar-me
As raízes do chão, por mais que implore
O vento bate agora, também em meu peito
Trêmula bandeira que desbrava a frente
qual tenente fardado ou enfadado
que se impõe na resistência
e levanta em punho, uma luta ferrenha
a cada rajada de vento.
E o vento bate
Eriça pelos e poros
contorna meu corpo
e novamente me envolve...
E o vento forte passeia suave
quando não mais a batalha é travada
E posso então, deixar-me,
Simplesmente levar,
Pelo sabor do vento.
DE MI VENTANA
De mi ventana
vejo-nos no azul
entrelaçados
ao som de um blues.
De mi ventana
vejo-nos no céu
eu e você,
num bolero de Ravel.
De mi ventana
vejo-nos no sol
desejo incandescente
caliente.
De mi ventana
vejo-nos nos pássaros
a bailar, a volar
a misturar as línguas
los tonos de los sonos
y de los colores.
De mi ventana
vejo-nos no mar
num mergulho alucinante
por entre ondas e espumas
que van y vien
en sintonia, en sinfonia.
De mi ventana
- los ojos de mi vida -
vejo-nos no ponto
grande e pequeno ponto
no infinito do horizonte.
OPOSTOS
Tuas coisas são delicadas
As minhas exageradas
Se vejo no azul o futuro
Teimas no cinza obscuro
Se envolvo-me em tempestades
Passas por calmarias
Se vivo a alegria
Tu te angustias
Se me assusto
Te enterneces
Se me afasto
Te aproximas
Se me embreago
És lucidez
Se acho o rumo
Perdes o prumo
Se encontro ganhos
Percebes danos
Se voas alto
Sou pé no chão.
E, como é puro
quando próximos nos encontramos
No prumo e no rumo
Nos ganhos e nos danos
E nos embriagamos na lucidez
Não do que eu sou
Nem do que tu és
Mas do que podemos ser
Ao sermos nós.
CRIANÇA QUE OCULTO
A uma terra antiga Criança que abraço
retrocede-se com o vento No afeto de laço
no espaço e no tempo, No afago que faço
no brilho do céu, De coração.
no rubor das chamas
o ardor que reclama
estas leis : inquisição. Criança que oculto
Criança se cala
Numa Espanha sofrida Criança não fala
estância ruída Linguagem de adulto
de terra batida Linguagem adúltera
caminha-se só : Sem emoção.
irmão com irmão.
Mas ... dos buracos e becos Criança que vai
revive a criança : Se desvanece
criança de rua, Num tempo perdido
criança de lua, Num tempo esquecido
criança tão nua, Em qualquer dimensão.
criança antiga Criança sem terra,
eterna amiga. Sem pais e sem chão.
Criança que em coro Sem tempo e espaço ...
grita, lamenta. Criança resiste,
Afugenta seu choro, Criança existe,
seu mau agouro. Em qualquer coração.
Criança em bando,
sem canto.
Criança implorando,
acalanto.
DESCOMPASSO
A meia luz
No silêncio da noite
no frio da lua,
um coração pulsa.
Pulsa
descompassado
e desgovernado
Pulsa
por alforria
por teimosia
e denuncia
Ah! coração criança.
Bata e pulse
Mas sobretudo calado
Surdo-mudo
Abafado