Trago aqui uma discussão já travada com os leitores. Nós, jornalistas, muitas vezes não nos reconhecemos como classe trabalhadora. Devido às peculiaridades da profissão, desenvolvemos laços com o poder e convivemos em seus espaços sociais e culturais, seduzidos por ele ou enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e que também somos operários, transformando fato em notícia, quando nossos serviços não são mais necessários em determinado lugar.
Ou, às vezes, nem isso. Já vi colegas se culparem por terem sido demitidos sem justa causa no melhor estilo “perdoa-me por me traíres” de Nelson Rodrigues. “Deveria ter virado mais madrugadas na redação”, “deveria ter me oferecido para trabalhar em todos os finais de semana”, “não deveria ter corrigido o português ruim do meu chefe”…
Fazer protestos por melhores condições, que incluem uma certa estabilidade para reportar sem temer o que se escreve? Imagina! É coisa de caixa de banco, de operário sujo de graxa ou de condutor de trem, que atrasam nossa vida e geram congestionamentos na cidade. Ou de inglês, francês e italiano que têm a vida ganha e mamam no Estado. Enquanto isso, quem tem consciência de que é um trabalhador e reivindica coletivamente, como muitos bancários, metalúrgicos e metroviários, tem mais chances de obter o que acha justo.
Quando vejo algumas coberturas jornalísticas mal feitas de protestos e greves fico pensando como pessoas que não conseguem se reconhecer como classe trabalhadora podem entender as reivindicações de trabalhadores. O fato é que não somos observadores externos e nem podemos ser. Somos parte desse tecido social, desempenhamos uma função, somos parte da engrenagem, gostemos ou não.
Muitos não se perguntam de onde vem o dissídio. Como uma criança que acha que o leite vem do mercado, pensamos que o reajuste vem do nada, sem ter sido fruto de muito diálogo entre capital e trabalho. Não é irônico que os profissionais que informam sobre e analisam a democracia diariamente não exerçam sua “cidadania profissional”?
A vida de jornalista, deixando de lado o falso glamour, não é fácil. Ainda mais para aqueles que são patrões de si mesmos, não por decisão própria (para empreender algo, por exemplo), mas porque foram empurrados para isso.
Sempre gostei do poema do dramaturgo alemão Bertolt Brecht que tratava da indiferença:
“Primeiro levaram os comunistas,/Mas eu não me importei/Porque não era nada comigo./Em seguida levaram alguns operários,/Mas a mim não me afetou/Porque eu não sou operário./Depois prenderam os sindicalistas,/Mas eu não me incomodei/Porque nunca fui sindicalista./Logo a seguir chegou a vez/De alguns padres,/ Mas como nunca fui religioso,/também não liguei./Agora levaram a mim/E quando percebi,/Já era tarde.”
Andaram pela mesma linha Maiakovski e Niemöller, escrevendo sobre o não fazer nada diante da injustiça para com o outro, até que, enfim, o observador passivo se torna a vítima. Hoje, não é comigo, então que se danem os outros. E quando chegar o amanhã e vierem bater à sua porta?
Ou, lembrando John Donne, poeta inglês, citado em Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemingway, ao defender que a morte de qualquer homem me diminui, pois sou parte da humanidade: nunca procure saber por quem os sinos dobram. Pois eles dobram por ti.
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
(Blog do Sakamoto)