Ser elite é...

Cursos preparatórios para concursos públicos transformaram-se num próspero negócio. Estima-se que, nos últimos 12 meses, a demanda por esse tipo de serviço tenha crescido cerca de 40%, o que representa 3 milhões de alunos perseguindo o sonho de receber um salário maior do que o pago em média no mercado e de obter outras vantagens, como estabilidade e aposentadoria integral.

A prosperidade desses cursinhos, que já está atraindo a atenção de fundos de investimentos estrangeiros e de grandes grupos educacionais, ajuda a redefinir o que é, de verdade, a elite econômica brasileira, uma elite geralmente associada aos empresários e altos executivos, muitas vezes apresentados em palanques de políticos como parte de nossos males por se apropriarem dos recursos dos mais pobres.

A verdade é que uma boa parte da elite brasileira é composta por funcionários públicos, cada vez mais poderosos e articulados. E justamente aí é que estarão as primeiras dores de cabeça de Dilma Rousseff: servidores da Justiça já ameaçam fazer a primeira greve da gestão da presidente eleita, alegando baixos salários.

Uma comparação arrasadora pode ser feita com base nos salários oferecidos pelas 150 empresas consideradas as melhores para trabalhar, segundo o anuário da revista "Exame". Nessas empresas -consideradas as melhores, é bom lembrar-, o salário é, em média, de R$ 3.000. Para chegar lá, alguns trainees disputam uma vaga com 4.000 concorrentes. A competição é bem mais dura do que o mais acirrado dos concursos vestibulares. Na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, por exemplo, existem menos de 50 candidatos por vaga.

No Poder Judiciário, os salários giram em torno de R$ 12,7 mil. No Poder Legislativo, a média salarial é de R$ 12,2 mil; no Poder Executivo, pagam-se salários de aproximadamente R$ 6.500. Como se vê, nas instituições públicas, a renda é bem maior -e, além disso, há uma série de regalias para os funcionários, como, por exemplo, estabilidade e aposentadoria integral.

Com base em dados oficiais, estudos demonstram que a distância entre os salários pagos por órgãos públicos e os pagos pelas empresas privadas não para de crescer.

Entende-se, assim, por que pouco mais de 945 mil aposentados e pensionistas federais ganham uma média de R$ 4.500, enquanto o cidadão comum recebe cerca de 20% desse valor. Esses brasileiros produzem 60% do deficit da previdência, gerado por 23 milhões de aposentados do INSS. Isso significa, para este ano, um valor estimado em R$ 22 bilhões. No próximo ano, o buraco vai crescer, segundo estimativas oficiais, mais R$ 11 bilhões.

Para dar a devida dimensão a esse buraco, vale relembrar a projeção da Fundação Getulio Vargas, divulgada na Folha por Fernando Canzian: com R$ 21 bilhões, além dos R$ 13 bilhões já gastos com o programa Bolsa Família, seria possível acabar com a pobreza no país.

Estamos falando de 2 milhões de brasileiros, entre ativos e aposentados, que vivem de uma renda mantida pelo governo federal. Boa parte dessas pessoas está entre os 10% mais ricos do país, ou seja, recebem uma remuneração de mais de R$ 4.800 mensais.

Não estou aqui entrando em mais detalhes sobre os 8 milhões de servidores estaduais e municipais. Podem não ter o mesmo padrão dos funcionários federais, mas uma parte deles também se situa no topo da pirâmide.

Esses dados servem para mostrar que essa história de tentar caracterizar a elite brasileira apenas como um grupo de malignos empresários e executivos não passa de uma tentativa grosseira de manipulação, cujo objetivo, na maior parte das vezes, pode ser apenas o de justificar a criação de mais impostos a serem pagos pelos cidadãos.

O fato é que uma parte expressiva da elite econômica brasileira é bancada pelo dinheiro do próprio contribuinte.

Mas, se a elite não é um problema em si, a questão é saber o retorno desses gastos.

PS- Como o brasileiro não se mostra disposto a pagar mais impostos do que já paga, parlamentares propunham, na semana passada, para atender às novas demandas salariais do funcionalismo público, a legalização do bingo. Daí se vê a que ponto estão chegando.


(Envolverde/Aprendiz)

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