Lição de tolerância

Juiz recomenda bom humor contra ironias de Mainardi
 
O colunista Diogo Mainardi se livrou de mais uma na Justiça. Alvo de ação civil pública, foi absolvido da acusação de preconceito contra o povo de Sergipe e de Cuiabá. O Ministério Público Federal em Sergipe pedia a condenação do jornalista, com base em escritos de Mainardi publicados em 2005 na coluna que assina na revista Veja e em afirmações feitas no programa Manhattan Connection, do canal de TV por assinatura GNT.

 

O juiz Ricardo Mandarino, da 1ª Vara Federal de Sergipe e ex-membro do Conselho Nacional do Ministério Público, entendeu que, embora possa ter havido em um trecho ou outro manifestações preconceituosas ou desrespeitosas, não causou dano moral a nordestinos ou cuiabanos. “Entre tolerar pequenas ofensas e limitar a liberdade de expressão, prefiro a tolerância em nome da liberdade, mormente quando se verifica que o dano inexistiu”, disse Mandarino. A ação do MP também era dirigida à Globosat, Editora Abril e Globo Comunicação e Participações; e pedia a condenação ao pagamento de uma indenização de R$ 200 mil por danos morais causados à coletividade nacional.
 
Diogo Mainardi foi defendido pelos advogados Alexandre Fidalgo e Paula Menezes do escritório Lourival J. Santos Advogados.
 
Mandarino também recomendou uma dose de bom humor para ler e ouvir as irreverências e ironias do colunista da Veja e faz um paralelo com Paulo Francis, jornalista da Folha de S. Paulo, já morto, um dos inventores do estilo literário-jornalístico que garante o sucesso de Mainardi. "Manifestações preconceituosas contra os nordestinos, eu já ouvi, li, inclusive de formadores de opinião. Paulo Francis, certa feita, no Jornal da Globo, chegou a afirmar que os nordestinos eram uma sub-raça", conta Mandarino em sua sentença. "Continuei a ouvi-lo, afinal ele era bem informado. Quando falava bobagens como essa, eu me divertia."
 
O procurador Paulo Gustavo Guedes Fontes, que assinou a Ação Civil Pública contra Mainardi, argumentava que o jornalista ofendeu a população de Sergipe na coluna veiculada na edição da revista Veja de 19 de janeiro de 2005. No texto ele falava do então presidente da Petrobras José Eduardo Dutra. “Dutra não tem passado empresarial. Fez carreira como sindicalista da CUT e senador do PT pelo estado de Sergipe. Não sei o que é pior”.
 
As menções desairosas a Sergipe e aos sergipanos não pararam por aí, segundo o procurador. No programa Manhattan Connection, veiculado pelo GNT em 9 de março de 2005, onde se comentava sobre o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o jornalista fez a seguinte observação: “Ele não é pragmático. Ele é oportunista. O episódio do Pará agora é muito claro. Quer dizer, uma semana ele concede a exploração de madeira, na semana seguinte, ele cria a reserva florestal grande como Amazonas, Sergipe, sei lá eu... por essas bandas de onde eles vêm. Isso é oportunismo”.
 
Diz o procurador que, na semana seguinte o jornalista ofendeu a população de Cuiabá: “Seu principal artista é o comediante Liu Arruda. Além de protagonizar a memorável campanha publicitária do Supermercado Trento, Liu Arruda também se tornou conhecido por interpretar personagens como Creonice e Comadre Nhara (...) Não gosto de me vangloriar. Creio, porém, que fui a notícia mais excitante de Cuiabá nos últimos 20 anos”. Em outra ocasião Mainardi afirmou que pagaria qualquer coisa para não ter de colocar os pés em Cuiabá.
 
A defesa de Mainardi contestou a ação. Alegou a ilegitimidade ativa do Ministério Público por entender que a ação não se enquadra na categoria de interesses difusos e coletivos. Argumentou, ainda, que não havia ilicitude nem conotação discriminatória nas afirmações do jornalista. Chamou atenção para o fato de que o jornalista é conhecido por manifestar seu pensamento de forma ácida, contundente, utilizando, por vezes, dos recursos da ironia e da jocosidade para fazer suas críticas, o que constitui uma garantia constitucional.
 
O juiz reconhece que conquanto possa ter havido, em um trecho ou outro, manifestações preconceituosas, desrespeitosas até, nada disso causou qualquer dano moral aos sergipanos, nordestinos ou cuiabanos.
 
“De minha parte, enquanto me agradar, continuarei assistindo ao Manhattan Connection e lendo as crônicas do Sr. Diogo Mainardi e, sempre que me for dado, assegurar que ele possa dizer o que pensa. É o que importa. Aproveito e convido-o, se ainda não o fez, para visitar Sergipe. Não se arrependerá”, conclui Mandarino.
 
Leia a íntegra da sentença
 
PROCESSO N° 2007.85.00.000415-6
 
CLASSE 1 — AÇÃO CIVIL PÚBLICA
 
SENTENÇA TIPO A
 
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
 
RÉU(S): DIOGO BRISO MAINARDI, GLOBOSAT PROGRAMADORA LTDA, EDITORA ABRIL, GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A.

SENTENÇA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSAS ESCRITAS POR JORNALISTA CONTRA OS NORDESTINOS, SERGIPANOS E CUIABANOS. REGRA DE TOLERÂNCIA. DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE DANO.
 
1. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO TALVEZ SEJA O MAIOR FUNDAMENTO DA DEMOCRACIA. ESTA, POR SUA VEZ, É MUITO TRABALHOSA PARA EXERCITÁ-LA, MAS VALE A PENA.
 
2. ENTRE TOLERAR PEQUENAS OFENSAS E LIMITAR A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, PREFIRO A TOLERÂNCIA EM NOME DA LIBERDADE, MORMENTE QUANDO SE VERIFICA QUE O DANO INEXISTIU.
 
3. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propõe, em face do Sr. DIOGO BRISO MAINARDI, GLOBOSAT PROGRAMADORA LTDA., EDITORA ABRIL e GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A, todos qualificados na inicial, a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, objetivando a condenação dos requeridos em uma indenização de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), por danos morais causados à coletividade nacional, a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
 
Alega que, através de uma mensagem eletrônica, foi procurado por um cidadão baiano, que indica, indignado com algumas considerações feitas pelo jornalista Diogo Mainardi no programa “Manhattan Connection” acerca da gente nordestina, afirmando que “Paulo Francis, reconhecido antinordestino foi substituído por Mainardi...” Transcreve, do trecho degravado, a seguinte fala sobre o Presidente Luís Inácio Lula da Silva: “Ele não é pragmático, ele é oportunista. O episódio do Pará agora é muito claro. Quer dizer, uma semana ele concede a exploração de madeira, na semana seguinte ele cria uma reserva florestal grande como Alagoas, Sergipe, sei lá eu...por essas bandas de onde eles vêm. Isso é oportunismo”.
 
Invoca, mais, a matéria da edição da Revista Veja, de 19.01.2005, quando o jornalista, ao se referir ao Presidente da PETROBRÁS, José Eduardo Dutra, tropeçou no seu preconceito, asseverando: “Dutra não tem passado empresarial. Fez carreira como sindicalista da CUT e senador do PT pelo estado de Sergipe. Não sei o que é pior(...)”.
 
Alega, ainda, que, na semana seguinte, o Sr. Diogo Mainardi ofendeu a população de Cuiabá/MT, ao afirmar: “Seu principal artista é o comediante Liu Arruda. Além de protagonizar a memorável campanha publicitária do Supermercado Trento, Liu Arruda também se tornou conhecido por interpretar personagens como Creonice e Comadre Nhara (...)”. E assim encerra a sua cônica: “Não gosto de me vangloriar. Creio, porém, que fui a notícia mais excitante de Cuiabá nos últimos 20 anos”.
 
Em rodapé de página, o Procurador da República transcreve trecho da crônica em que, na sua visão, o jornalista é profundamente ofensivo, ao afirmar: “O Diário de Cuiabá fez uma pesquisa com a população local sobre os aspectos mais representativos da cidade. Seu prato típico é a mojica de pintado. Sua música tradicional é o rasqueado. Seu edifício histórico mais relevante é o Mercado do Peixe. Sua maior figura esportiva é Jorilda Sabino, que chegou em segundo lugar na corrida de São Silvestre, em 1984. Sua grande celebridade é Jejé de Oya, um colunista social “negro, pobre, homossexual”...
 
Pugna pelo cabimento da ação civil pública, pela legitimidade do Ministério Público e pela competência da Justiça Federal.
 
No mérito, entende que a ação situa-se nos limites da liberdade de expressão, confrontados com outros princípios constitucionais, notadamente o da isonomia e vedação dos preceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º -IV, CF).
 
Tece considerações sobre os limites da liberdade de expressão, previsto no art. 5º - inciso IV em cotejo com o direito de resposta e à indenização por dano moral, material e à imagem, estabelecido no inciso V. Junta um laudo antropológico acerca da idéia de preconceito e pede a procedência do feito.
 
Nas fls. 64, o Autor requer a juntada de alguns documentos, consistentes em artigos do escritor e comentários de outros articulistas acerca do jornalista Diogo Mainardi.
 
Nas fls. 98 e seguintes, a Editora Abril e Diogo Mainardi, depois de citados, contestam o feito, alegando preliminarmente ilegitimidade ativa do Ministério Público, por entenderem que a ação não se enquadra na categoria de interesses difusos e coletivos e, por isso mesmo, também inadequada a via eleita.
 
No mérito, entendem ausente qualquer ilicitude nas afirmações do requerido, não enxergando conotação discriminatória que se atribui a elas.
 
Tentam demonstrar suas afirmações, chamando a atenção para o fato de que o jornalista Diogo Mainardi é conhecido por exercer sua manifestação de pensamento de forma ácida, contundente, utilizando, por vezes, dos recursos da ironia e da jocosidade para fazer suas críticas, o que constitui uma garantia constitucional.
 
Comenta sobre os trechos pinçados pelo Autor, para demonstrar ausência de afirmações discriminatórias por parte do requerido, inclusive quando critica seus próprios colegas de profissão.
 
Trazem à baila assertivas contundentemente negativas desferida pelo jornalista, também na Revista Veja, contra as duas maiores cidades do País, São Paulo e Rio de Janeiro, ele próprio residente no Rio de Janeiro e paulista de nascimento, como forma de demonstrar ausência de preconceito e discriminação.
 
Contestam a validade do laudo antropológico, tecem longas considerações sobre a liberdade de pensamento e pedem que, se ultrapassadas as preliminares, seja o pedido julgado improcedente.
 
GLOBOSAT Programadora Ltda. e Globo Comunicação e Participação S/A também contestam o pedido, nas fls 169 e seguintes, levantando as mesmas preliminares de ilegitimidade do Ministério Público e mais a de ilegitimidade passiva da segunda, posto não possuir qualquer responsabilidade pela produção e/ou veiculação do programa “Manhattan Connection”, sendo empresa distinta da Globosat, que é a verdadeira detentora dos direitos de veiculação do programa.
 
Ainda em preliminar, argúem a incompetência do juízo, entendendo que deveria ter sido proposta no foro do local onde ocorreu o dano.
 
No mérito, repetem, com outro texto, os mesmos fundamentos expostos pelos primeiros contestantes.
 
É o relatório.
 
Decido.
 
2. FUNDAMENTAÇÃO
 
Ao examinar os autos, verifiquei que o Ministério Público juntou documentos posteriormente à inicial e os requeridos juntaram documentos com a contestação. Nenhum dos documentos anexados, no entanto, seria capaz de alterar o resultado da demanda, seja porque são documentos de conhecimento público, artigos, comentários, etc., do jornalista Diogo Mainardi – a maioria deles eu já conhecia – seja porque a questão de fato está suficientemente demonstrada, sem controvérsia. A decisão de mérito decorrerá da análise das provas, onde será necessária uma grande dose de subjetivismo responsável para que o juiz possa firmar o seu convencimento de forma justa, imparcial, equilibrada.
 
Diante dessas observações, deixo de dar ciência às partes dos documentos apresentados porque, com ou sem ela, o resultado do julgamento do mérito da demanda será o mesmo. A ciência às partes aqui não teria utilidade prática alguma, senão procrastinar o andamento do feito.
 
Passo ao exame das preliminares.
 
Primeiramente, rejeito a de ilegitimidade de parte ativa e, pelos mesmos fundamentos, a inadequação da via eleita. É que, se procedente o pedido, haverá um interesse difuso, consistente na reparação, por parte dos requeridos, pelas manifestações supostamente discriminatórias ou preconceituosas contra os cidadãos, nordestinos, especialmente os sergipanos e os cuiabanos.
 
Ainda de forma condicionada à procedência do pedido, haverá interesse da União por colocar em risco a harmonia entre os nacionais de diversas origens, criando uma cultura de desrespeito num mesmo estado soberano, que representa uma nação composta de valores culturais e regionais diversos.
 
Esses mesmos fundamentos servem para afastar a idéia de incompetência relativa do juízo. Afinal, se as ofensas existiram, seria até mesmo difícil estabelecer o local do dano. Penso que a ação poderia ter sido proposta em qualquer sede de foro federal, em qualquer lugar do território nacional, posto que não interessa aos brasileiros o estímulo a preconceitos que levam à divisão da sociedade.
 
Rejeito, portanto, as preliminares analisadas.
 
Acolho apenas a preliminar de ilegitimidade passiva da Globo Comunicação e Participação S/A, por se tratar de pessoa jurídica distinta e nada ter a ver com o programa Manhattan Connection, em que pese pertencente ao mesmo grupo de empresas.
 
Afasto-a da relação processual.
 
No mérito, a matéria há que ser examinada com extrema cautela e assim o farei para demonstrar que não vejo como julgar o pedido procedente, sem deixar de reconhecer, no entanto, que a propositura da presente demanda teve o mérito de trazer à discussão, ao debate, a questão do preconceito e da discriminação, que sempre existiu das regiões mais desenvolvidas em face das menos desenvolvidas.
 
Isso, felizmente, está ficando para trás. Em passado não muito distante, eram comuns piadas de mau gosto contra os negros, nordestinos, gaúchos, etc. Cada vez mais, no entanto, verifica-se uma certa intolerância relativamente a certos tipos de manifestações preconceituosas, o que é altamente positivo para o conforto emocional das mais variadas comunidades que compõem a nação brasileira.
 
Eu mesmo já passei por algumas experiências, que seriam extremamente desagradáveis, se não as tivesse levado com uma certa dose de bom humor. Certa feita, passeando pela nossa mais bela das capitais, o Rio de Janeiro, ao tomar um táxi, um motorista bastante simpático começou a iniciar uma prosa sobre a questão da violência na cidade para, ao final, sentenciar que a violência existia por conta dos filhos dos baianos, cujos pais foram procurar a vida num centro maior e não souberam educar os seus filhos. Pensei comigo, logo eu, um soteropolitano cheio de orgulho ter que ouvir isso. Sem lhe dizer que provinha das bandas da Bahia, tentei demonstrar até o limite da corrida, que ele estava equivocado. Não sei se consegui.
 
Manifestações preconceituosas contra os nordestinos, eu já ouvi, li, inclusive de formadores de opinião. Paulo Francis, certa feita, no Jornal da Globo, chegou a afirmar que os nordestinos eram uma sub-raça. Continuei ao ouvi-lo, afinal ele era bem informado. Quando falava bobagens como essa, eu me divertia. Hoje, a lembrança que tenho dele é caricatural, talvez, sem querer ser redundante, por causa das caretas que ele fazia para dar um ar de intelectual excêntrico.
 
Os preconceitos contra os nordestinos sempre foram muito fortes, não só nas manifestações explícitas, como nas entrelinhas. Ibrahim Sued, em sua coluna diária, no Jornal “O Globo” costumava chamar o Presidente Collor de, “O Demolidor” e fazia questão de dizer que o mesmo era carioca, porque, de fato, nascera no Rio de Janeiro. O codinome, embora inspirado na idéia de que o Presidente Collor fora eleito para modernizar o País, inserindo-o no mundo globalizado, é uma criação típica dos bajuladores. Quando o então Presidente caiu em desgraça, pelos motivos que todos conhecemos, a imprensa, em sua maioria, fez questão de afirmar que o mesmo era alagoano, cunhando um termo com conotação pejorativa “A República das Alagoas” . Esqueceram dos seus filhos ilustres. Entre os mais notáveis Zumbi dos Palmares, Graciliano Ramos e Pontes de Miranda.
 
Certa feita, Carlos Heitor Cony, cujas crônicas leio desde a minha adolescência, referiu-se ao Senador Antônio Carlos Magalhães como sendo o soba da Bahia. Quis ofender o Senador, mas acabou ofendendo os baianos. Soba, na definição de Aurélio, significa “Chefe ou régulo de tribo africana: “quando o povo de Tchipinda levantou uma paliçada à volta da senzala...., o soba fez a sua entrada solene no terreiro” . (Em Novo Dicionário Aurélio – 1ª edição)
 
Esse tipo de visão deformada jamais se afasta dos nordestinos na visão preconceituosa de setores da mídia. A imprensa, sempre que algum político do Nordeste não se comporta com o decoro indispensável, busca atribuir a essa circunstância o fato de ser nordestino, daí porque os denomina de “coronéis”. Entretanto, sem entrar no mérito, se a alternância foi positiva ou não, nas últimas eleições, em Sergipe e na Bahia, houve mudança de comando político. A Revista Veja, numa reportagem extremamente infeliz, ridícula, preconceituosa, identificou os governantes eleitos como os novos coronéis.
 
Parece não ter jeito. Quando os governantes saem das lideranças tradicionais, são os velhos coronéis. Quando saem de novas lideranças, são novos coronéis. Há sempre um preconceito, há sempre um comentário pejorativo. Veja-se o exemplo de Pernambuco. Miguel Arraes, em 1962, rompeu com as velhas oligarquias, derrotou o pessoal ligado ao que tinha como mais atrasado – os usineiros – entretanto, quando o peso da idade caiu sobre os seus ombros, recebeu a pecha de velho coronel.
 
A pior de todas as manifestações preconceituosas eu li, se não me falha a memória, na Folha de São Paulo. Tenho uma certa lembrança do nome da jornalista, mas não irei nominá-la, porque não quero ser leviano. Mas eu li, dessa jornalista, por ocasião da morte da Sra. Elma Farias, um artigo elogioso à figura da mulher, da esposa solidária, que tudo suportou ao lado de PC Farias, um homem execrado pela opinião pública. O artigo era muito bonito, emotivo até, não fosse o final que concluía mais ou menos assim: “Não dá para entender porquê uma mulher se apaixona por homem baixo, careca, barrigudo, feio, corrupto e nordestino” .
 
Os preconceitos existem até de forma menos danosa. Muitas vezes, o preconceituoso é vítima do seu próprio preconceito. Certa feita, comentando com um colega Juiz, acerca do livro “Lanterna na Popa”, de Roberto Campos, ouvi dele que jamais leria qualquer coisa do autor. Disse-lhe à época: “Pior para você. Roberto Campos é um dos maiores pensadores da economia no Brasil. Você está deixando de aprender muita coisa”. Naturalmente que se tratava de um preconceito incutido pela esquerda nervosa da época da ditadura militar, quando surgiu a versão de que Roberto Campos - Bob Fields - por ser liberal em matéria econômica, defendia os interesses do imperialismo americano.
 
Saí, aparentemente, do objeto da ação, para ilustrar, com exemplos, alguns históricos, outros vivenciados pessoalmente, numa tentativa de demonstrar a razoabilidade de toda a discussão, o sentido da demanda, a sensibilidade do Procurador da República Paulo Guedes em trazer ao debate, um tema da maior importância para os brasileiros vítimas de preconceito.
 
Dessa forma, se, por um lado, identifico uma ponta de preconceito do requerido em algumas das suas manifestações, identifico também, por outro, que o seu estilo literário é extremamente ácido, inteligente e assim o faz basicamente quando comenta sobre os políticos, especialmente os do PT, os que integram o atual governo e quando comenta a postura de colegas seus que aplaudem o governo. Há uma tênue linha entre uma postura e outra.
 
Confesso até que aprecio os artigos do Sr. Diogo Mainardi. Ele tem o mérito de não integrar o grupo de jornalistas sempre deslumbrados com o governo do momento. Ele não compõe a “unanimidade burra” a que se referia Nelson Rodrigues. Isso não significa dizer que concorde com tudo o que ele escreve e que, por conta disso, estaria julgando o pedido improcedente. Assim o faço porque entendo que, conquanto possa ter havido, em um trecho ou outro, manifestações preconceituosas, desrespeitosas até, nada disso causou qualquer dano moral aos sergipanos, nordestinos ou cuiabanos. Vejamos.
 
Quando o escritor afirmou, referindo-se ao Presidente Lula, no programa “Manhattan Connection que “Ele não é pragmático, ele é oportunista. O episódio do Pará agora é muito claro. Quer dizer, uma semana ele concede a exploração de madeira, na semana seguinte ele cria uma reserva florestal grande como Alagoas, Sergipe, sei lá eu...por essas bandas de onde eles vêm. Isso é oportunismo”, evidentemente que a expressão “por essas bandas de onde eles vêm” pode ter uma conotação pejorativa, preconceituosa, embora a expressão seja muito comum na literatura e na linguagem coloquial. Mas não se trata, evidentemente, de um termo capaz de causar dano moral a nenhuma comunidade, muito menos à comunidade nordestina.
 
De outro lado, quando o jornalista afirmou que “Dutra não tem passado empresarial. Fez carreira como sindicalista da CUT e senador do PT pelo estado de Sergipe. Não sei o que é pior(...)”, ele não quis ofender o estado de Sergipe, tampouco os sergipanos. A sua ofensa foi dirigida tão somente ao então Senador Eduardo Dutra e ao Partido dos Trabalhadores. É razoável aceitar a explicação de que a expressão estado de Sergipe foi um mero complemento da circunstância fática do Sr. Eduardo Dutra ter sido Senador pelo estado de Sergipe. Nada mais. A ofensa foi ao PT, frise-se mais uma vez.
 
É certo que o jornalista, ao comentar, na revista Veja, sobre esta ação, pode ter sido irônico, ao mencionar o pujante estado de Sergipe. Mas isso é problema dele. Aí, a vítima do preconceito, se houver, será somente ele, porque de fato, Sergipe é um estado pujante. A sua pujança evidencia-se pelo senso de organização e pela altivez do seu povo. Já tive oportunidade de dizer e repito.
 
Sergipe é um exemplo, para o país, de civilidade política, posto que os poderes funcionam de forma independente e existe alternância. Na condição de magistrado, jamais tive dificuldade de fazer cumprir uma decisão judicial frente às autoridades locais. Isso é o reflexo de uma sociedade civilizada.
 
Nada disso é recente. Lendo, certa feita, sobre a História do Poder Judiciário estadual em Sergipe, verifiquei que, desde a sua criação, houve uma cultura de respeito do Poder Executivo – sempre historicamente o mais desobediente, o mais autoritário em face dos demais – com relação ao Poder Judiciário.
 
Quando menciono acima que o jornalista Diogo Mainardi pode ter sido irônico é porque acredito verdadeiramente que é uma mera possibilidade. Pode ter sido e pode não ter sido. Afirmo porque, em outro trecho, também comentando sobre esta ação, o requerido diz que não entende bem da geografia nordestina. O fato de tratar-se o escritor de uma pessoa altamente intelectualizada, torna-se difícil acreditar numa afirmativa dessa. Tenho certeza, no entanto, que está sendo sincero.
 
Certa feita, viajando pelo sul da Espanha, em companhia de colegas magistrados e membros do Ministério Público, diante do calor infernal que fazia à época, ouvi, de um Promotor de Justiça, a seguinte “pérola”: “Para você este calor não diz nada, afinal vivendo no sertão brabo de Salvador, já deve estar acostumado!”. Eu lhe respondi: “De fato, Salvador é uma cidade de clima quente, mas não fica no sertão. Você precisa estudar mais geografia. Salvador fica no litoral. É uma península situada bem ao leste do país, entre o Oceano Atlântico e a Baia de Todos os Santos”. Confesso que me arrependi pela extensão da fala. Pensei comigo mesmo. Será que, depois de tanto tempo, ele ainda lembra o que vem a ser uma península?!
 
Revista Consultor Jurídico, 28 de junho de 2007
 
Wilson Gordon Parker
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Nova Friburgo, RJ
Brasil

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