Existe outro elemento pouco destacado, que é a vocação inata do Brasil e dos brasileiros para a felicidade, que acaba se irradiando internacionalmente, contagiando o mundo.
Se houvesse sido feita uma pesquisa nacional, teria aparecido que nesse dia 100% dos brasileiros se sentiram felizes quando o presidente do COI abriu o envelope e apareceu Rio de Janeiro como vencedora da competição para realizar os Jogos Olímpicos de 2016. Os brasileiros, que gozam de uma formidável coesão nacional, estão sempre abertos para acolher qualquer motivo para ser felizes. E abrigar os jogos lhes causou orgulho e felicidade. E não escondem isso - outra característica do brasileiro.
Em minha primeira entrevista com a atriz de cinema e teatro Fernanda Montenegro, quando cheguei ao Brasil, há dez anos, ela me disse algo que nunca esqueci e que mais tarde pude tocar com a mão: "A diferença entre um europeu e um brasileiro é que o brasileiro não se envergonha de dizer que é feliz, e o europeu, sim".
Qualquer um que passa pelo Brasil, por turismo ou trabalho, sente-se rapidamente capturado pela cordialidade, a exuberância afetiva, o acolhimento alegre de sua gente, do norte ao sul do país. "É que com os brasileiros não se pode brigar, porque sorriem até quando você fica nervoso", me disse um correspondente argentino. É verdade. A vocação do brasileiro é mais para a paz, a amizade, o entendimento mútuo, o desejo de agradar, do que para a guerra ou a disputa. E então, o que acontece com a violência que mata no Brasil mais que em outros países? Não é uma violência brasileira, mas produzida pelo câncer do tráfico de drogas.
A melhor arma do brasileiro continua sendo o sorriso. O catedrático de estética da Universidade do Rio Isaías Latuf foi indagado em plena na rua em Buenos Aires se era brasileiro. "Como percebeu?", ele perguntou. E a resposta foi: "Por seu sorriso".
Segundo uma pesquisa realizada em 2008 em 120 países pelo Instituto Gallup e apresentado pela Fundação Getúlio Vargas, a felicidade do brasileiro é superior a seu PIB. O jovem brasileiro aparece com uma avaliação da felicidade superior à média mundial. O estudo revela que os jovens brasileiros entre 15 e 29 anos apresentam maior esperança de ser felizes nos próximos cinco anos do que os jovens do resto do mundo. E essa esperança de felicidade alcança 9,29%.
Os psicólogos tentaram analisar esses dados. Como é possível que os jovens de um país que aparece somente no 52º lugar no índice mundial de renda se sintam os mais felizes do planeta? O psicólogo Dionisio Benaszewski atribui isso ao fato de que, segundo a mesma pesquisa, os jovens brasileiros valorizam mais a felicidade do que o trabalho ou o dinheiro. Se há algo que de fato eu constatei no Brasil é que a maioria dos cidadãos, até os mais pobres, não vivem para trabalhar; trabalham para viver e para viver felizes. É quase impossível conseguir que alguém queira trabalhar em um domingo, mesmo ganhando o dobro. Costumam dizer: "Ah, não, domingo não dá".
Segundo Benaszewski, existe outro elemento gerador de felicidade no Brasil, que é causado pelas boas relações existentes entre membros da família e entre vizinhos. Aqui a rede de solidariedade, sobretudo entre os mais pobres, é formidável. Um exemplo disso são as favelas do Rio, que entre elas se chamam de "comunidades". E o são. O elemento afeto nas relações e o afã por ajudar-se mutuamente nas adversidades, ou de desfrutar os momentos felizes, são proverbiais.
Costuma-se dizer que os brasileiros sabem tirar felicidade até das pedras Eles a buscam na alegria e na tristeza. No dia em que o Rio ganhou como sede dos Jogos Olímpicos, um casal de jovens brasileiros entrevistado em Madri por um repórter do programa de Iñaki Gabilondo disse algo mais ou menos assim: "Não fiquem tristes. Venham para o Rio, que é uma cidade maravilhosa, que se sentirão felizes". Pensei que, se tivesse sido o contrário, se Madri tivesse ganhado e o Rio, perdido, a jovem também teria se consolado de alguma forma, dizendo que estava feliz na maravilhosa cidade de Madri.
Assim são os brasileiros. São mergulhadores no mar da felicidade e, como não escondem isso, acabam contagiando os outros. Sem dúvida esse contágio também teve a ver na hora da votação em Copenhague.
(Jornal EL PAIS, 14/10/2009. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves)