Além disso, por sua capacidade de fixar o nitrogênio
do ar, a soja é um cultivo ideal para recuperar pastagens degradadas, em um
sistema integrado de semeadura e pecuária, acrescenta o especialista. A
inoculação de bactérias para potenciar essa capacidade de fixação do
fertilizante é uma tecnologia desenvolvida pelo centro de Agrobiologia da
Embrapa, onde trabalha Urquiaga. Essa faculdade fixadora, característica das
leguminosas, já foi incorporada a algumas variedades de cana-de-açúcar e há
possibilidade de estendê-la a alimentos cotidianos da população brasileira, como
arroz, milho e mandioca, e de ampliá-la aos feijões, o que indica o "caminho
longo e prometedor" que a ciência deve percorrer, reconhece o
pesquisador.
O investimento em ciência oferece "os melhores retornos" e
pode encontrar novas áreas agrícolas, como ocorreu com o cerrado, a extensa
savana que ocupa todo o centro do Brasil e que era considerado "improdutivo" até
a década de 70, recorda Urquiaga. Estes são aspectos esquecidos nas distorcida
polêmica sobre a agroenergia, atropelada pela crise mundial dos alimentos,
lamenta o cientista. A discussão tende a incriminar de maneira simplista os
biocombustíveis, refinados de cultivos que também servem para a alimentação
humana, pois lhes "roubam" terras cultiváveis, sem admitir a possibilidade de
sinergias, acrescenta.
A resposta brasileira, tanto do governo quanto dos
empresários do agronegócio, é que a existência de pelo menos 50 milhões de
hectares de pastagens degradadas, cuja produtividade poderia ser recuperada,
permite expandir os biocombustíveis sem afetar os alimentos nem as selvas
amazônicas. Trata-se de uma área equivalente a quase toda a que hoje é destinada
à produção de grãos neste enorme país, o que permitiria, em teoria, duplicá-la.
O problema é que esse reaproveitamento das velhas pastagens não se materializa
até agora de maneira significativa, e a pecuária segue sua marcha sobre a
Amazônia, provocando desmatamento, que é a maior fonte de gases causadores do
efeito estufa no Brasil. Os ambientalistas se preocupam com o efeito
dominó.
Os produtores de etanol de cana-de-açúcar, com maior poder
econômico, adquirem as melhores terras deslocando os cultivos de soja e outros
grãos que, por sua vez, empurram a pecuária, menos rentável e que necessita de
grandes áreas, para terras amazônicas mais baratas ou inclusive gratuitas, em
virtude da posse fraudulenta de terrenos públicos. Mais grave é o "efeito
exponencial", porque com um hectare vendido ao plantador de soja o pecuarista
poderá comprar cinco hectares ou mais de floresta para desmatar, disse à IPS
Sérgio Guimarães, coordenador do Instituto Centro de Vida, que atua no Mato
Grosso, o Estado que mais produz soja no Brasil e o que mais desmata a
Amazônia.
Os biocombustíveis foram propostos para mitigar o aquecimento
global, pois sua queima emite menos gases causadores do efeito estufa do que os
derivados dos hidrocarbonos. Mas, perderam a batalha pela opinião pública,
responsabilizados por parte da crise alimentar e por danos ambientais e sociais,
como o desmatamento amazônico e o trabalho em condições de escravidão no Brasil.
O governo parece ter conseguido – pelo menos perante boa parte dos governantes e
autoridades presentes na Cúpula Alimentar Mundial realizada na semana passada em
Roma – absolver seu etanol de cana, distinguindo-o do similar produzido os
Estados Unidos a partir do milho e à custa de altos subsídios.
A cana
apresenta uma eficiência energética muitas vezes superior ao milho, e o açúcar é
hoje uma exceção de baixos preços no mercado mundial, além do que o Brasil
exporta crescentes excedentes de grãos e outros alimentos, apesar da grande
expansão de seu etanol nos últimos anos. Mas, cerca de 80% do biodiesel
brasileiro são feitos a partir da soja, plantada pelos grandes produtores,
embora o governo conceda estímulos à sua produção a partir de outras
oleaginosas, como o rícino, pinhão, girassol e algumas palmeiras, que quase não
são consumidos como alimentos e que contemplam o cultivo de pequenos
agricultores.
A soja e a cana preocupam por seu papel na segurança
alimentar, pois são plantações em terras que poderiam produzir alimentos
populares, como arroz e feijão, mas, principalmente por reter insumos e crédito,
enquanto a recuperação das pastagens degradadas carece de estímulos, avalia
Adriano Campolina, diretor da organização não-governamental internacional
ActionAid nas Américas. De todas as formas, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, deveria estar promovendo, em lugar do etanol, "os programas brasileiros
de maior êxito, como o Fome Zero, o Bolsa Família e o crédito à agricultura
familiar, que são um caminho efetivo para reduzir a fome", disse Campolina à
IPS. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)
- Mario Osava, da IPS