MORRE O ARTISTA QUE MUSICOU O HINO DE MACAÉ

O TELEFONE IRÁ TOCAR...
NÃO PIANIZA MAIS O GRANDE LUCAS VIEIRA

Do outro lado da linha o meu amigo Allan Birosca que me avisa: - - Pinguin, Luquinha Vieira esta muito mal no Hospital de Macaé. Era uma voz que trazia toda a história da musica Brasileira e Macaense. Parecia que o meu velho ex-cronista dos anos 70, Birosca, que assinava uma linda página com o nome de DESFOLHANDO A MARGARIDA, estava com a fala enbargada pela emoção nos seus 80 anos vividos, muitos deles com o velho artista Lucas Vieira.

 

Revendo os arquivos do O REBATE pude sentir o quando este amigo era querido na cidade onde nasceu. Allan, Cesário Parada, Sérgio Quinteiro, Antonio Alvarez Parada, Luiz Ernesto, todos ex-colunistas do "O REBATE" citavam a presença de Lucas Vieira nas noites alegres do Tenys Clube, Abaeté e do Ipiranga. Eram os saudosos momentos de sublimação da comunidade macaense, ainda engatinhando no progresso e com suas ruas empoeiradas e alegres. Lucas era o Mestre das domingueiras; o grande astro que a todos encantavam com seus dedos, delicadamente corridos nas teclas dos velhos pianos da região de Petróleo ainda por ser descoberta e virgem.

José Domingues Araújo Filho, Pedro Paulo de Sá Vianna, Domingos da Costa Peixoto, Gurgel, Manoel Nunes "Nego" e outros, faziam parte de seu grupo seleto de amigos. Sempre rodeado de expressivas vozes da Musica Popular Brasileira, o nosso Lucas foi para o Rio de Janeiro. Morava em Copacabana onde eu o encontrava nas quebradas das Noites Cariocas. Pianista exclusivo do Cantor Ivon Curi, o macaense Lucas, filho do velho "Manduquinha do Cavaquinho", correu mundos em várias excursões. Sempre que chegava no Rio de Janeiro eu o encontrava. Às vezes, pianando no “Siroco”, uma Boate que tinha na Avenida Atlântica, às vezes era no “Bolero” e outras tantas ocasiões era nos Dancing Brasil e Avenida na saudosa Lapa. Ivon Curi não gostava que ele “dessa canja” nas noites. Achava que o Boêmio que nasceu com Lucas, pudesse interferir nas suas andanças pelo social do Rio de Janeiro. Queria exclusividade. Lucas não se quedava. Tinha herdado do velho Manduquinha o gosto pela musica do POVO e não se desligava disso. Como seu pai, que sempre tocava nas ruas macaenses, nos bares soturnos de uma Macaé que se esvai no esquecimento, Lucas gostava das esfumaçadas luzes das Ribaltas Cariocas. Tocava no Novo México, aplaudido pelas “meninas da noite” e nunca deixou de tomar seu chope preto no “Amarelinho” ou no Bar do Luiz, na Senador Dantas. Nestes bares era sempre esperado pelos amigos macaenses Go e Dodão Penna e Ruy Pinto da Silva. As rodas de Chope no Amarelinho, Ponto Azul e Bola Preta só acabavam com o raiar do Sol.

Enio Lima, Joãozinho Lima. Os médicos: irmãos Alvarez Moreira (Dom Pepe) e Picanço Siqueira e Aérton Perlingeiro não faziam falta nestas rodas das noites Macaé/Rio de Janeiro. Lucas Vieira reinava com suas alegres gargalhadas e seu olhar de soslaio para quem passava como se estivesse querendo aumentar o grupo de amigos...

Foi numa destas madrugadas que conheci a Madame Satã, Nelson Gonçalves e Orlando Silva. Lucas era o anfitrião de todos os que iam para o Rio morar. Desde o Zepelim em Ipanema até o bast fond da Praça Mauá, ele guiava os amigos nas "pegadas das noites". Eu, como menino e um dos mais jovens, sempre estava lá para apreciar os longos papos que rolavam e eram todos eles sobre as pessoas de suas infâncias nas ruas de Macaé. Foi assim que eu aprendi a conhecer grandes histórias de nossa região e que hoje, no auto-exilio de minha morada, na ESTANCIA VISTA ALEGRE, posso passar para "O REBATE" e falar nestes vultos, que como o Lucas Vieira, futucam as memórias empoeiradas do autor e pingam nas saudades...

Quando a tarde começava a trazer os futuros boêmios para as noitadas da Lapa, Tabuleiro da Baiana e Praça Mauá, Lucas em companhia dos irmãos Agostinhos: Bueno, Ferdinando e Abelardo, virava-se e dizia: - "Vamos disputar na “purrinha” quem vai chamar o Birosca na Receita Federal, na Praça 15, para pagar a rodada de chope que já esta bem alta"... Uma pilha de redondos cartões estava a espera de um pagante.

Lucas Vieira, depois que aposentou das noites cariocas voltou para morar na região.Conceição de Macabú foi seu refúgio alegre e musical. Talvez até para poder aplicar seus conhecimentos e ensinar a muitos sua arte. Jamais quis ser professor. Queria ter liberdade para criar seus textos harmônicos.

Tem uma passagem histórica em nossa região de petróleo que poucos presenciaram. Macaé estava comemorando o SESQUICENTENÁRIO. O professor Antonio Parada, Tonito, como dona Arthemia gostava de chamar, foi convidado para organizar os festejos. Tonito, poeta e historiador, pensou num poema para homenagear a cidade. Nascia ai o "Hino da cidade" que publico abaixo em sua memória.

Lucas ouviu o poema de Tonito numa tarde/noite e disse: "vou colocar a música". Rindo, alegre, moleque como sempre,musicou o poema do Antonio Alvaréz Parada. Seus acordes estão por todas as escolas e vilas sendo cantadas em prosas e versos...

Gostava do contacto com a natureza e as Serras de Glicério, Óleo, Trapiche e Sana tinham sua preferência. Sempre irreverente, às vezes até introspectivo no falar, fez com que muitos dedos desfilassem nas teclas dos pianos sob sua maestria.

Com Maria José Borges Guedes fundou uma Escolinha de Artes e prestou serviços humanitários em várias instituições filantrópicas.

Herança musical de toda a sua família. Dalva, Flavinha e Ilma foram criadas e educadas ouvido acordes que vinham das tardes/noites de uma linda e aconchegante Carpintaria que existia no quintal da casa do Manduca. Lá ele construiu seu Cavaco e afinava os velhos violões que adornavam as madrugadas de uma cidade feliz nos anos 50 e 60. Madrugadas que o Lucas freqüentava e se familiarizava nos sons vindos dos irmãos Santos, Darcilio, Nelinho, Cidinho e Toninho que, com seu pai no Cavaquinho, animavam as serestas nas ruas e becos macaenses...Muitas destas sublimes serestas foram feitas no "Cazarão de Dona Urçulina", onde hoje é o Forun Abílio de Souza...

Sua morte faz parte de uma uma sinfonia que não acaba aqui neste mundo material.. Se existe alguma coisa além destas belezas que a gente palpa, Lucas deve estar pondo sua alegre gargalhada de menino irônico em harmonia com algum órgão numa dimensão ininteligível a quem fica.

Os sentimentos de O REBATE a todos os seus familiares. Lucas era um grande admirador de meus textos e, jamais imaginaria que fizesse seu obituário. Até breve....

(José Milbs de Lacerda Gama editor de O REBATE, boêmio nos anos 60 no Rio de
Janeiro)... 

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