Indenização imediata para todas a vítimas de Santa Elina!

Foi no estado de Rondônia que o latifúndio cometeu um dos crimes mais bárbaros de toda a história brasileira contra os camponeses. Foi no dia 9 de agosto de 1995 o que ficou conhecido como Massacre de Corumbiara. Hoje, passados quase 12 anos nós, famílias de camponeses de Santa Elina, conseguimos nosso pedaço de terra, fruto de nossa resistência heróica e combativa, mas ainda lutamos pela indenização e tratamento médico adequado. 

Famílias no acampamento da Fazenda Santa Elina, Corumbiara, julho de 1995.

Já fomos muito enrolados nessa luta e hoje sabemos que para conseguirmos arrancar nosso direito da justiça temos que fazer uma luta política que atinja todo o Brasil. O governo Lula/FMI já teve mais de 4 anos para fazer alguma coisa e até hoje nada. Se depender deles, vão nos empurrando com a barriga, fazendo reuniões e negociações com pequenos grupos onde só nos defendem de boca. Temos que gritar bem alto para que todo o país e o mundo não se esqueçam as barbaridades que fizeram contra nós e para que não se esqueçam que somos homens e mulheres dignos, guerreiros, que não se rendem diante das dificuldades.

Não podemos deixar que o senhor Luiz Inácio esqueça a promessa que ele nos fez dias depois do massacre, lá em Corumbiara, quando ainda era candidato. Lula criticou FHC dizendo que o problema agrário não se resolvia no Brasil por falta de vontade e nos prometeu que se fosse eleito nos daria a indenização e cortaria as terras de Santa Elina para nós.

A história da ocupação da fazenda Santa Elina

O camponês José Marcondes com o rosto
dilacerado por tiros.

Em 1995 na região do cone sul do estado, devido a enorme concentração de terras nas mãos de latifundiários e a situação de miséria e desemprego de centenas de famílias, os camponeses da região começam a organizar e mobilizar para uma grande ocupação em Corumbiara. Estávamos motivados por outras ocupações vitoriosas na Vitória da União, Verde Seringal e Adriana.

Numa sexta-feira dia 14 de julho de 1995 vindos de Corumbiara, Cerejeiras e das linhas próximas éramos centenas de famílias que chegávamos na fazenda Santa Elina com 18 mil hectares. Levávamos conosco o pouco que tínhamos, mas uma grande esperança de conquistar um pedaço de terra.

A ocupação foi um dos 440 conflitos por terra que ocorreram no Brasil em 1995 e um dos 15 em Rondônia. Procurados pelos camponeses, a CPT, MST e Fetagro negaram apoio.

No sábado, dia 15, homens, mulheres e crianças, organizamos um almoço coletivo no acampamento. Todos se sentiam como uma grande família. No mesmo dia realizamos a primeira assembléia e organizamos as comissões de trabalho, começamos a roçar e derrubar para o plantio. O boato se espalhou e a cada dia mais e mais famílias chegavam.

Juízes, políticos e a polícia foram cúmplices dos latifundiários no planejamento e execução do massacre

Sérgio Rodrigues, uma das vítimas assassinadas pela Polícia Militar e jagunços na fazenda Santa Elina.

Se por um lado, nós camponeses nos organizávamos, por outro, comandados pelo coronel reformado Antenor Duarte do Valle, os latifundiários da região começaram a agir influenciando a Justiça e a Polícia Militar. Conseguiram a reintegração de posse em tempo recorde, pagaram matérias nos jornais para justificar suas ações e obtiveram o interdito proibitório que dava o direito das fazendas serem vigiadas pela PM que poderia atacar qualquer tentativa de ocupação. No dia 19 de julho a primeira tentativa de desocupar a área foi frustrada por nossa resistência. Formamos uma barreira humana impedindo a entrada de jagunços e policiais no acampamento.

O governador Valdir Raupp (latifundiário com quem o PT se aliou desde as eleições estaduais de 1994) tornou-se responsável por uma das páginas mais sinistras da luta pela terra no país. Planejou o massacre, junto com o comando da PM e latifundiários da região, que arcaram com os custos de toda a operação militar. Os policiais da COE, por exemplo, foram transportados de Porto Velho para Vilhena em 2 ônibus da empresa Eucatur. O próprio Antenor Duarte e seu gerente foram vistos no QG montado pela polícia nas proximidades do acampamento, dando orientações aos soldados. A operação de guerra contou ainda com a participação de jagunços recolhidos em fazendas da região e em Mato Grosso.

Camponeses foram torturados e executados sumariamente

Policiais posam para foto ao lado dos corpos. Ao fundo camponeses presos são levados de caminhão para a cidade de Colorado do Oeste.

Após a apresentação do mandado de reintegração de posse, nos negamos a sair sem garantias de que teríamos um pedaço de terra. No dia 8 de agosto, após várias negociações em que estiveram presentes padres, jornalistas (as filmagens da imprensa serviram para a PM planejar o ataque) e representantes do Estado, aceitamos sair com a garantia de que o Incra daria início ao processo de desapropriação da área. O comandante da PM, cinicamente, garantiu que não haveria represálias por parte dos policiais e que os camponeses podiam sair no outro dia de manhã, uma vez que já estava anoitecendo.

Covardemente, no mesmo dia, por volta das 21hs, pistoleiros usando fardamento da PM e rostos cobertos iniciaram os ataques. Nós, camponeses decidimos resistir, ninguém queria sair, as vitórias anteriores serviam de estímulo e nos davam confiança. Após horas de tiroteio, já estávamos quase sem forças, mas continuávamos firmes. O Comando de Operações Especiais aproveitou para entrar em cena de madrugada. Fomos rendidos, policiais e jagunços iniciaram as humilhações, torturas e assassinatos brutais. Golpes de porretes nas cabeças, cortes com motosserras, chutes no rosto, nas costas e na barriga, espancamentos generalizados em homens, mulheres, crianças e velhos, e tiros de “misericórdia” a queima-roupa. Mulheres sobre a mira de escopetas foram utilizadas como escudos pelos policiais, sofrendo toda sorte de abusos e sevícias.

Durante todo dia 9, a polícia transformou o acampamento em campo de concentração. Sob o sol escaldante, mais de 400 companheiros foram submetidos a torturas e a todo tipo de abusos na frente de suas mulheres e filhos, insultados e humilhados o tempo inteiro. Muitos de nós foram obrigados a comer o próprio sangue misturado a terra e até mesmo pedaços de cérebro de companheiros que tiveram suas cabeças esmagadas e partidas. Outros foram obrigados, sempre sob mira de arma de fogo, a carregar os corpos dos abatidos para um caminhão.

O companheiro Sergio Rodrigues, com ferimentos de bala e de espancamentos, foi retirado entre os presos e levado pelo gerente da fazenda e jagunços em uma camionete. Foi encontrado 14 dias depois às margens do rio Tanarú no município de Chupinguaia, seu corpo foi moído em vários dias de suplícios e seu rosto dilacerado tinha as marcas de três tiros.

A pequena Vanessa de 7 anos foi assassinada por policiais com um tiro nas costas ao se recusar pisar sobre companheiros estendidos no chão.

O resultado oficial foi de dezesseis mortes, sete desaparecidos, dois recém-nascidos e vários camponeses que vieram a falecer posteriormente em razão das brutalidades e torturas. Muitos seguem com profundas seqüelas físicas e psicológicas que os impossibilitam de trabalhar, vários com balas encravadas no corpo. Outros companheiros estão desaparecidos até hoje.

O massacre só não foi maior por nossa decidida e heróica resistência. Enfrentamos as forças assassinas com paus, pedras, foices e espingardas velhas.

Nenhum dos responsáveis foi condenado, Antenor Duarte o principal envolvido sequer foi julgado. O Major Hélio Cysnero Pachá que comandou o COE durante a ação, foi absolvido e algum tempo depois promovido, atualmente trabalha em Guajará-Mirim e ministra cursos de repressão para polícias de outros países. O outro comandante, do Batalhão de Vilhena, capitão Mena Mendes também foi promovido e segue igualmente impune. Valdir Raupp hoje é senador e representante do PMDB no Congresso Nacional. A mesma Justiça que absolveu os latifundiários e policiais, condenou 3 camponeses como responsáveis pelo massacre.

A heróica resistência dos camponeses de Corumbiara

Vanessa de 7 anos, morta com um tiro nas costas
por policiais. Ao lado sua mãe Maria, desolada.

A nossa resistência em Santa Elina teve grande repercussão no país e no exterior, o que obrigou o governo FHC a assentar as 600 famílias. A proposta do governo de dividir as famílias em quatro áreas foi aceita em Porto Velho por uma Comissão de negociação composta por membros da CUT e pela direção estadual do PT/RO, que traficaram com os interesses dos camponeses de Santa Elina. Na mesma data reuniam-se em Cuiabá/MT as lideranças perseguidas que exigiam o corte da fazenda Santa Elina. Receberam, pelo telefone, a notícia do acordo imundo firmado entre a direção do PT com o governador Valdir Raupp (PMDB) para proteger os interesses dos latifundiários e vender o sangue derramado pelos mártires da resistência. Depois de prolongadas negociações fomos assentados em três áreas diferentes: Rio Preto ao norte, próximo de Porto Velho, Guarajús, região de Corumbiara e Santa Catarina, em Teobroma, próximo a Jarú, a 300 km de Porto Velho, onde se concentrou a maioria dos assentados.

Desta forma, dividiram as famílias e sequer cogitaram a possibilidade de cortar a fazenda, o que representaria uma poderosa vitória dos camponeses. Além disso, dado os critérios oportunistas de sempre fazer as massas passarem por pobres vítimas, passaram a enfocar o episódio somente pelo aspecto do massacre, desprezando por completo a importância e principalidade da resistência camponesa. Para salvar as aparências, o PT se retirou do governo.

Ainda em 1995, o vereador do PT em Corumbiara, Manoel Ribeiro, o “Nelinho”, que havia apoiado de forma decidida a entrada das famílias na área e que defendeu a resistência em Santa Elina, foi assassinado na porta de sua casa. Ele estava na mira dos latifundiários, tanto por defender a tomada da terra como por exigir explicações quanto ao desvio de verbas na prefeitura do município em favorecimento de grandes latifundiários.

O Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina e a luta pela indenização

Lula(de chapéu panamá) quando visitou Corumbiara
em 1995 e prometeu que se fosse eleito daria indenização às vítimas de Santa Elina.

Hoje, a luta pela indenização de todas as famílias e o tratamento médico adequado de dezenas de vítimas que ainda sofrem as seqüelas do massacre é uma de nossas principais reivindicações.

Por várias vezes confiamos em advogados desonestos que assumiram o caso e não cumpriram com a palavra, sumiram com documentos e até impediram o andamento do processo. Até que no dia 06 de agosto de 2002, fundamos em Corumbiara o Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina – CODEVISE, com a participação das vítimas, advogados do povo, estudantes e intelectuais honestos, com o objetivo de levar adiante esta luta.

De sua fundação até os dias de hoje o CODEVISE conta com o apoio da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia, Liga Operária, Socorro Popular, Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos, Núcleo de Advogados do Povo e outros apoiadores para agilizar mais a parte jurídica da luta. Vemos que isto não é nada fácil. Recentemente o governo brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Justiça da OEA – Organização dos Estados Americanos como responsável pelo massacre e que teria de indenizar as vítimas, e mesmo assim ainda não conseguimos nada.

No 4º Congresso da LCP em Corumbiara, no aniversário de 10 anos da nossa resistência em Santa Elina, decidimos fazer uma viagem das famílias até Brasília. No final de 2005, nós do CODEVISE, formamos uma comissão e estivemos em Porto Velho numa campanha para arrecadar recursos para a viagem. Fizemos uma ampla divulgação na imprensa falada e escrita, conseguimos despertar o apoio de muita gente, mas ainda assim não conseguimos arrecadar o necessário.

Em junho de 2006 a Comissão de Justiça e Paz nos apresentou uma proposta do governo Lula: tínhamos que provar que estávamos na fazenda e que fomos vítimas de tortura e tudo mais. Um verdadeiro absurdo! É responsabilidade do governo buscar nas várias listas dos processos e nos laudos médicos e policiais feitas e entregues inúmeras vezes. E o governo ainda propôs indenizar apenas 19 famílias (as que tiveram parentes mortos e outros que ele considera com “lesões graves”). Absurdo ainda maior que não aceitamos.

Acampar em Brasília até arrancar a indenização para todas as famílias e tratamento médico adequado

Diante destes fatos a proposta do CODEVISE é iniciar uma nova campanha de mobilização com o objetivo de ir a Brasília exigir o que é nosso por direito. Muitos dizem que de nada adianta ir a Brasília se o processo está em Colorado e as decisões são tomadas em Porto Velho. A questão é que temos que ir a Brasília e uma grande comissão para dar mais repercussão para nossa luta, se ficarmos em Rondônia será abafada, pois não existe interesse dos políticos, da imprensa e muito menos do latifúndio.

Só que para ir a Brasília precisamos divulgar em todos os cantos de Rondônia e do Brasil, mobilizar a todas as vítimas para esta empreitada. O valor dos ônibus e da alimentação é alto e teremos de arrecadar de todas as formas possíveis. Para isso temos que acreditar na nossa força e nas pessoas que nos apóiam. Vamos a Brasília, ficaremos o tempo que for preciso para resolver nosso problema! Vamos divulgar para entidades democráticas de todo o país e do mundo as promessas que o senhor Luiz Inácio fez para nós em 1995. Já passou da hora dele honrar sua palavra.

Conclamamos a todos os camponeses, trabalhadores das cidades, pequenos comerciantes, professores, estudantes, advogados, intelectuais a apoiarem nossa justa luta, vamos dar um basta a 12 anos de impunidade, humilhação e sofrimento!

Se Lula está correndo das vitimas, as vítimas irão até Lula para cobrar tudo que ele prometeu! Exigir a indenização, o tratamento de saúde, a punição para os culpados, o corte imediato da fazenda Santa Elina e sua distribuição às famílias!

Viva os 12 anos da Heróica resistência de Santa Elina!
Honra e glória aos mártires de Corumbiara!

Sérgio Rodrigues Gomes, Vanessa dos Santos Silva, Manoel Ribeiro – Nelinho, Maria Bonita, Ari Pinheiro dos Santos, Alcindo Correia da Silva, Enio Rocha Borges, Ercílio Oliveira de Campos, José Marcondes da Silva, Nelci Ferreira e Odilon Feliciano.

Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina
Apoio: Comissão Nacional Organizadora das Ligas de Camponeses Pobres/ Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia – LCP / Liga Operária/ Socorro Popular/ Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos – Cebraspo/ Núcleo de Advogados do Povo – NAP/ Movimento Feminino Popular – MFP/ Movimento Estudantil Popular Revolucionário – MEPR/ Liga Internacional de Luta dos Povos – ILPES/ Liga Internacional de Advogados do Povo – IAPL

09.04.2007

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