Brasília - Foi publicada nesta terça-feira (28) portaria assinada pelo ministro da Justiça Tarso Genro, que declara como território indígena e determina a demarcação dos 18 mil hectares de terras reivindicadas, desde os anos 70, pelos índios tupinikim e guarani no município de Aracruz (ES). A maior parte da área atualmente é ocupada por plantações de eucalipto da empresa Aracruz Celulose.
"Isso é um sonho que a gente está realizando",
desabafa o líder tupinikim da aldeia Irajá, Jonas do Rosário. O cacique conta
que a decisão do ministro foi recebido com muita alegria por toda a comunidade
indígena da região de Aracruz e que a intenção agora é reconstruir as aldeias
que foram destruídas. "Tanto os caciques estão satisfeitos como a comunidade
está feliz com isso, porque é um direito nosso", afirmou.
Em nota
divulgada à imprensa, a Aracruz Celulose se disse "surpreendida" com a decisão
do ministro, pois estaria negociando com a Fundação Nacional do Índio (Funai),
por sugestão do próprio Ministério da Justiça (na época, comandado por Márcio
Thomaz Bastos). A companhia também lamentou o fato de o ministério ter
desconsiderado sua contestação aos relatórios da Funai.
Na nota, a
Aracruz Celulose afirmou que vai continuar buscando "segurança jurídica" para
que não haja mais expansão do território indígena. A empresa disse que pretende
fazer isso por meio de negociação, a fim de evitar a continuidade dos
confrontos.
De acordo com a Fundação Nacional do Índio, o processo para
efetuar a demarcação da terra indígena deve começar nos próximos dias e não há
prazo para a homologação. A assessoria da Funai informou que não se manifestaria
sobre o "estranhamento" declarado em nota pela Aracruz.
Luta entre
índios e a Aracruz por terras no Espírito Santo durou décadas
O
Ministério da Justiça publicou hoje no Diário Oficial a portaria demarcatória de
18 mil hectares de terras dos índios tupinikim e guarani do município de Aracruz
(ES). A luta pela posse dessas terras remonta ao fim dos anos 70, pouco mais de
uma década depois da chegada da empresa multinacional Aracruz Celulose à
região.
Em 1983, depois de vários conflitos com a empresa, os índios
passaram a ocupar 4,5 mil hectares, reconhecidos por decreto presidencial. Em
1995, um relatório antropológico encomendado pela Fundação Nacional do Índio
declarou que as terras tradicionais indígenas corresponderiam a 18 mil
hectares.
Esse documento é assinado por antropólogos com reconhecimento
da Associação Brasileira de Antropologia (leia texto sobre os Tupinikim assinado
pelo coordenador do grupo que fez o relatório). Já as contestações da Aracruz
não são assumidas por nenhum profissional com reconhecimento público. A empresa
se nega a revelar os autores do estudo, apenas apresenta documentos que
comprovariam suas posições em seu site na internet.
O embate retórico
entre a empresa e os índios tem repercussões jurídicas, como explica o
indigenista Fábio Vilas, que acompanha o conflito desde 1978. Por isso, desde
1983, explica ele, a empresa afirma que está progressivamente "cedendo" terras
para os índios, os quais, por sua vez, negam que se trate de uma concessão, já
que as terras seriam suas por direito, desde sempre. "O que eles querem é a
reparação do erro de 1998", diz Vilas, que hoje trabalha junto aos índios pela
ONG Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional).
Em
1997, o então ministro da Justiça, Íris Resende, reconheceu a veracidade do
relatório dos 18 mil hectares, porém autorizou a demarcação de apenas 2,5 mil
hectares. Os índios de Aracruz protestaram contra a decisão e, logo em seguida,
foi firmado um acordo segundo o qual, em troca de continuar ocupando os 11 mil
hectares restantes, a Aracruz apoiaria as comunidades indígenas com repasses em
dinheiro destinados a projetos de desenvolvimento local. Segundo Vilas, o acordo
foi realizado sob pressão, o que é negado pela empresa.
Entre 1998 e
2004, a empresa repassou pouco mais de R$ 1 milhão anuais às associações
indígenas. Declarando-se insatisfeitos com os resultados do acordo, segundo
Vilas, devido às imposições da empresa de que os repasses fossem feitos
unicamente a associações que reunissem todos os índios (e não para projetos de
grupos menores dentro das sete aldeias), os índios romperam com a Aracruz em
2004 e, desde então, passaram a realizar protestos contra a empresa, ocupando a
fábrica, o porto e plantações de eucalipto estabelecidas nas áreas
reivindicadas. Os índios ainda fizeram campanha contra a empresa na Europa,
junto a compradores da celulose da Aracruz.
Segundo Vilas, os índios se
apoiaram também em decisão do Ministério Público Federal, que considerou
inconstitucional a decisão de Íris Resende: se uma terra é reconhecida como
indígena, torna-se inegociável, portanto o acordo com a Aracruz seria
irregular.
No início deste ano, novos relatórios antropológicos,
realizados em 2006, tinham sido devolvidos pelo então ministro da Justiça,
Marcio Thomaz Bastos, à Funai, para que a fundação buscasse um acordo entre as
partes. Em julho, a fundação, agora sob a direção de Marcio Meira, devolveu o
documento ao ministério sem alterações. Hoje, a portaria demarcatória foi
publicada no Diário Oficial da União. Agora, a terra deverá receber marcos
físicos e, posteriormente, será homologada pelo presidente da
República.
A Aracruz também enfrenta conflitos com comunidades
quilombolas do norte do Espírito Santo.
(Envolverde/Agência
Brasil)