Sob a justificativa da soberania nacional, a portaria prevê que o governo pode intervir nessas áreas sem a necessidade de consultas às comunidades envolvidas ou à Fundação Nacional do Índio (Funai). Ou seja, instalar unidades ou postos militares, construir estradas ou ferrovias, explorar alternativas energéticas (leia-se hidrelétricas, termelétricas, usinas nucleares, entre outros) ou resguardar “riquezas de cunho estratégico” para o país – minerais ou vegetais, por exemplo.
A Constituição Federal, no seu artigo 231, afirma que a exploração de recursos hídricos e a construção de usinas hidrelétricas só podem ser feitas com a autorização do Congresso Nacional, desde que ouvidas as comunidades atingidas. Ao mesmo tempo, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, do qual o Brasil é signatário, estabelece que as populações tradicionais devem ser consultadas em situação assim.
A publicação da portaria, no dia 17 de julho, provocou fortes reações por parte de movimentos sociais e indígenas, organizações ambientalistas e de direitos humanos e em setores do próprio governo, como a Funai, pois ela também dificulta a expansão das terras indígenas. Do outro lado, recebeu manifestações acaloradas de apoio, como as da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que teria negociado os termos da portaria com a própria AGU. O Ministério Público Federal está atuando para derrubar os efeitos da portaria.
A decisão pela suspensão foi tomada após uma reunião entre representantes da Funai, da Secretaria Geral da Presidência da República, do Ministério da Justiça e da Advocacia Geral da União, entre outros. De acordo com fontes da Secretaria Geral, foi explicado à AGU que a portaria havia torpedeado um processo de discussão sobre a normatização da convenção 169 da OIT.
A Advocacia Geral da União havia usado como justificativa que, com essa portaria, acatava decisão do Supremo Tribunal Federal baseada na definição de condicionantes, em 2009, para a efetivação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Só que a corte afirmou que as condicionantes para demarcação valiam para aquele caso e não, necessariamente, para outros. O governo federal aproveitou a brecha e passou um pacotão do seu interesse.
A presidente da Funai, Marta Azevedo, estará, nesta semana, com comunidades indígenas Guarani Kaiowá que se reúnem na assembléia Aty Guassu, no Mato Grosso do Sul. O grupo, que esta envolvido em disputas de terra, seria um dos principais afetados pela medida.
Em comunicado à imprensa enviado na tarde desta terça (24), após a publicação deste post, a Funai também confirmou que Luis Inácio Adams, advogado-geral da União, concordou em publicar um ato de vacância da lei, suspendendo a vigência da portaria até que sejam ouvidos os povos indígenas.
* Com Verena Glass, da Repórter Brasil.
** Publicado originalmente no site Blog do Sakamoto.
(Blog do Sakamoto)