A adequação por portaria do licenciamento de atividades estratégicas para o Brasil expõe a fragilidade do sistema de regulação em matéria ambiental. A área ambiental não segue o modelo tradicional das agências reguladoras. O caráter distintivo e peculiar reside na composição do órgão de regulação ambiental brasileiro, o Conama, multipartite, composto por representantes do governo e da sociedade civil.
Em outras agências, são concentradas as funções de adjudicação administrativa, normativa e executiva. Em matéria ambiental, não. Estas funções estão dividas entre Conama e Ibama e, para Unidades Federais de Conservação, o ICMBio. Trata-se de um verdadeiro contrassenso em relação às demais áreas temáticas reguladas por agências no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, a regulação ambiental é feita pela Environmental Protection Agency (EPA). A participação pública é garantida pelas minutas de regulamento submetidas à população. A preferência por um órgão deliberativo e normativo de composição multipartite, apesar de ser provido de nobre intenção, na prática engessa o sistema. O efeito prático é inverso. Produz normas ineficientes que geram insegurança jurídica e prejudicam investimentos e a própria preservação do meio ambiente.
A área ambiental não segue o modelo tradicional das agências reguladoras
A Portaria nº 422/11 é uma manifestação explícita do inconformismo do MMA com o engessamento do Conama. Segundo a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, compete ao Conama estabelecer as normas e critérios para o licenciamento ambiental. Desde 1994, o Conama já dispunha de norma tratando sobre procedimento de licença para atividades de Exproper (Exploração, Perfuração e Produção de Petróleo e Gás Natural). A portaria do MMA detalha ainda mais os procedimentos que vinham regulados pelo Conama. E ao detalhar, fica exposta a riscos jurídicos que podem atrapalhar o licenciamento de atividades de petróleo e gás, apesar da racionalidade e aparente eficiência dos procedimentos e mecanismos.
Esses riscos se resumem a duas situações distintas, mas conectadas. Por ser uma portaria dispondo sobre regras de licenciamento, invade a esfera de atuação do Conama e, por isso, pode ser declarada ilegal. E, ao detalhar as etapas de licenças para atividades de óleo e gás, a portaria dispensa o estudo prévio de impacto ambiental, conhecido como EIA/Rima, para algumas classes de procedimentos de licenciamento específicos, criando a possibilidade de licenciamento em uma única etapa para mais de um empreendimento. Invade, com isso, competência do Ibama que seria o órgão ambiental executivo para dispor sobre a adequação de estudos e licenças, de acordo com a análise do caso concreto e com base em resoluções do próprio Conama.
A exigência de EIA/Rima é fortemente regulada no Brasil, uma exigência prevista na Política Nacional do Meio Ambiente e em resoluções do Conama. Consta na Constituição de 1988. No caso específico das atividades Exproper, atrai também a aplicação da Lei de Gerenciamento Costeiro. O procedimento de licenciamento ambiental, da mesma forma. Segundo a organização institucional do Sistema Nacional do Meio Ambiente, o órgão deliberativo e normativo é o Conama e o executivo é o Ibama. Ao Ministério do Meio Ambiente ficam reservadas as funções de coordenação, planejamento, controle e supervisão das políticas ambientais.
Por mais atípico que seja o sistema de regulação em matéria de meio ambiente no Brasil, a tentativa louvável do MMA de racionalizar o procedimento de licenciamento ambiental para atividades estratégicas para a economia brasileira, cria inseguranças ainda maiores. Para minimizar o risco de contestações judiciais, o recomendável é que o empreendedor não dispense a consulta prévia ao Ibama, para que o órgão, depois da análise do caso, manifeste-se de forma expressa sobre a dispensa de EIA/Rima, inclusive para as classes já dispensadas pela Portaria nº 422/2011.
Esse excesso de zelo maximiza as chances de se aproveitar o razoável procedimento criado pela Portaria nº 422. Na esfera da política pública, enquanto o sistema de regulação ambiental não for revisto no Brasil, espera-se que o Conama possa tomar a Portaria 422 do MMA como efetiva contribuição para uma nova resolução que aprimore a de número 23, do ano de 1994 e a de número 350, do ano de 2004. As novas exigências e demandas do setor de petróleo e gás, somadas ao crescente desejo social de preservação ambiental, exigem maior rigor e critérios mais racionais para viabilizar o desenvolvimento sustentável do setor.
* Rômulo Sampaio é coordenador do Programa em Direito e Meio Ambiente da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio).
** Publicado originalmente no site Eco-Finanças.
(Eco-Finanças)