Considerando estimativas relativas à substituição total do parque automóvel por veículos elétricos, os fatos apontam para um aumento de consumo de eletricidade na União Européia, na ordem dos quinze por cento. O estudo da Eurelectric (Associação dos Produtores de Eletricidade da União Européia) realizou-se em 2009. Até aqui, tudo bem. Se bem que há poucas dúvidas sobre o valor acrescentado de questionar especialistas sobre a viabilidade de uma planificação de um impacto neutro a nível de emissões de CO2 para a utilização de carros elétricos. E sobre as vantagens: ausência de ruído na cidade, possibilidade de abrir janelas e respirar ar puro, dando uma folga ao ar condicionado e à degradação dos monumentos e da nossa saúde... Se pretendemos fazer parte da “transformação” ou “mutação” anunciada, cabe, antes de mais nada, à perspectiva da mídia conter as sementes de outra mentalidade...
mídia: mesma fórmula = mesmo resultado
“Pode ser por muito pouco tempo, mas as chaves do futuro ainda nos pertencem,” declarou, recentemente, o escritor e jornalista francês Nicolas Hulot, na ocasião do lançamento do filme da sua autoria (em parceria com Jean-Albert Lièvre): “O síndrome do Titanic”. É certo que as transformações do planeta e a atividade humana não abrandam. Paralelamente, permanece filtrada a mensagem para convencer que “a mutação é incontornável e que temos tudo a ganhar se dirigirmos a orquestra em vez de nos submetermos à mesma”, como explica Nicolas Hulot. Como desejar que milhões de leitores, espectadores se “convertam”, passando a agir no sentido de “consumir sem consumir o mundo no qual vivemos” (Akatu) – assim como os Governos – quando a mídia insiste na promoção da “velha mentalidade” (mesmo que inconscientemente)?
Não seria tão grave caso o papel da mídia não fosse, em todas as suas formas, oferecer informações corretas e consolidadas sobre o que é a nova economia. E não fosse “importante informar e fundamental oferecer o conhecimento necessário para a transformação”, como sublinha Dal Marcondes, jornalista e editor da Envolverde (revista digital sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável).
De espectadores a atores
Atravessar o nevoeiro e por fim ao ruído da mensagem, que Nicolas Hulot designa tão brilhantemente como “excesso tóxico” -e que retrata no seu filme-, passa, inevitavelmente, por nos tornarmos atores: “abandonar “o culto do ‘sempre mais’, da ‘obsessão pela quantidade’, da ‘criação de necessidades que não existem’, da ‘ideologia da possessão para existir’ e ‘do capitalismo como modelo econômico dominante’”. É uma oportunidade para a humanidade se reencontrar, “devolvendo sentido ao progresso”, refere o homem que carrega nos ombros um combate, há mais de duas décadas. A comunicação, face aos ângulos mortos do público em geral, do Governo Francês, da mídia, tem sido a sua “espada”, numa luta incansável de promoção para nos entregarmos a este momento de mutação.
“Yes, we can”
Como? Veja-se o recente caso da visita de Obama à China: “não restam dúvidas de que o elevado endividamento dos EUA e a poupança excessiva da China contribuíram de forma decisiva para que se criassem as condições para a presente crise internacional”, como declara o jornalista português Sérgio Aníbal (consulta a 17.11.2009 - 15h35, do site do jornal Público). Nem mesmo o otimismo e a eleição do mais recente Presidente dos Estados Unidos – que contribuiu com um sinal inequivocamente positivo de confiança- poderia ser apontada como solução isolada. Todos nós, especialmente no mundo ocidental, temos sido cúmplices ao adotar o “american lifestyle”.
Eis a deixa da mídia e dos atores: o quarto poder poderia ser aliado onde são encontradas lacunas por parte dos Governos e quando os interesses econômicos falam mais alto: ao apontar alternativas sustentáveis aos consumidores: para quem tem opção, parar (ou diminuir) o consumo de produtos produzidos na China, enquanto as condições de trabalho, de segurança e de qualidade não se assemelharem às da União Européia, sobretudo quando se trata de marcas de prestígio (ainda é mais grave).
Procura-se reequilíbrio na economia mundial do pós-crise
Informar incansavelmente que grande parte do desemprego na Europa se deve à deslocalização de empresas e à importação de produtos com custos extremamente reduzidos, devido ao baixo preço de mão-de-obra na China (que frequentemente enfrentam condições de trabalho miseráveis) e pela generalização de desrespeito por normas impostas noutros países (nomeadamente, a nível de prejuízo para a saúde do utilizador);
informar que, em alguns casos, a perda de identidade está em causa: no Santuário de Fátima, em Portugal, por exemplo, todos as Santas são made in China.
O cenário repete-se em qualquer grande cidade (Nova Iorque, por exemplo) onde decidamos adquirir um souvenir; informar que ao adquirir produtos locais (não necessariamente do país de origem, mas próximo), o impacto ambiental é menor e gerará mais emprego se for nacional;
informar que basta abdicar de comer carne durante alguns dias por semana (e, idealmente, prolongar esse período), para ganhar em saúde e reduzir em impacto ambiental. A mesma fórmula aplica-se aos pacotes de cereais (que utilizam, à semelhança da carne, toneladas de água na sua produção) e a espécies em vias de extinção, como o atum e o bacalhau.
Trata-se, agora, de “ganhar consciência de que chegamos ao fim de um sistema e que devemos encontrar um que o substitua -baseado na partilha, em detrimento da competição”, como não se cansa de repetir Nicolas Hulot.
A mídia tem um enorme poder, assim como os consumidores. Resta informá-los de que basta "começarem a fazer o que é necessário, depois o que é possível para, de repente, fazerem o impossível." Até São Francisco de Assis o sabia no século XIII. Não será já tempo de voltar às origens e da mídia recuperar o seu papel de vanguarda?
* MSc Design for Sustainability (Cranfield, Reino Unido), especialista em pesquisa e comunicação das melhores práticas editoriais e de gestão nas áreas de sustentabilidade e autora do livro “sustentabilidade na mídia: o poder de (in)formar”
(Envolverde/Revista Idéia Socioambiental)