A situação ambiental atual pede novas formas de realizar negócios, buscando construir um mundo em equilíbrio com o ritmo de renovação da Natureza. A grande questão para as indústrias e empresas é, contudo, como fazer frente ao crescimento, constante, do consumo. O primeiro "R" do "Reduzir, Re-utilizar e Reciclar" está sendo ignorado solenemente, segundo dados de mercado.
A
crise que deu ao planeta um tempo de descanso, já dá sinais de enfraquecimento,
tendo sido, inclusive, amenizada por medidas imediatistas, como a redução de IPI
justamente para carros, um dos elementos centrais da poluição atmosférica e de
stress e conflito nos grandes centros urbanos. Mercado se aquecendo, as
indústrias precisam encontrar uma forma de ampliar a produção, para manter
preços estáveis e evitar antigos fantasmas como o da inflação.
O vício
nas datas comemorativas impulsiona ainda mais a roda do consumo, sempre em
movimento. E a mais temível de todas as datas, o Natal, logo baterá a nossas
portas novamente, provocando ondas de compras de todo tipo de produtos; mesmo os
supérfluos, que ficam jogados em gavetas ou aqueles nada duráveis, que estragam
mal começamos a usar. Mas afinal, quem quer arriscar novas formas de demonstrar
afeto e carinho, sem os tradicionais presentes?
Será que alguém acredita
ser possível mantermos estes costumes e diminuir, ao mesmo tempo, o impacto
provocado nos ciclos naturais que sustentam nossas vidas? Provavelmente, muitos
já diriam que consumir num ritmo tão constante e acelerado não faz mesmo
sentido. Contudo, parar de comprar de fato é, ainda, uma atitude de
poucos.
Consumo x realização pessoal
Desejamos
muitas coisas das quais não precisamos. Comprar coisas chiques, exclusivas e
desnecessárias seria uma forma de atender nossa vontade de nos diferenciarmos,
de nos sentirmos únicos, segundo o professor e teólogo Jung Mo Sung. Sung
explicou, durante uma mesa redonda no Simpósio de Sustentabilidade Planetária
organizado pela Fundação Mokiti Okada, nos dias 18 e 19 de agosto em São Paulo,
que há 250 anos estamos sendo condicionados a ligar nossa realização pessoal ao
consumo.
Para o estudioso, todos nós temos um desejo infinito de Ser e de
Ser infinitamente e isto não se preenche com objetos e compras. Mas, como não
sabemos exatamente o que queremos ser, temos esta compulsão de tentar
completarmos-nos com que há no exterior. Contudo, isto não nos preenche. "Não é
possível possuir o infinito", ressalta. "Resolver a Sustentabilidade Planetária
é definir como diminuir o sofrimento e aumentar a dignidade e a alegria de
viver. Só se atinge a almejada infinitude através do amor mútuo". Para Sung, só
este amor tem força bastante para inspirar que se abra mão dos desejos pessoais
pelo bem do coletivo. E este amor tem que ser expresso no presente, aqui e
agora.
Contudo, ele adverte que é preciso uma visão prática e não
romanceada da realidade. "Amar a Natureza e mantê-la intocada é um discurso
lindo, mas se torna difícil na prática. Podemos amar as plantas e os animais.
Mas, precisamos comer. Aí como faz?", comenta o professor. "É natural
defendermos que todos merecem uma vida com conforto. Mas se cada ser humano dos
6,5 bilhões que somos recebesse um rolo de papel higiênico branquinho por
semana, que fosse; de onde tiraríamos tantas árvores para produzi-los?",
questionou.
Além disto, a complexidade do dia-a-dia nos impede de
abandonar certas atitudes, como por exemplo, abrir mão de transportes poluentes.
Como dar conta de uma agenda cheia sem usar um carro, numa grande metrópole?
Aqueles que tentam se deparam com transporte público insuficiente e, não raro,
precário; falta de ciclovias e, muitas vezes, falta até de calçadas seguras para
caminhar. "Outro fator que dificulta mudanças é que nos últimos 10 mil anos,
grande parcela da população vive acreditando que Deus resolve a história e tudo
acabará bem no final. Então, como se motivar a fazer sacrifícios agora, pensando
num futuro que já se crê definido?", continuou Sung.
Somos a Vida
da Terra
Uma resposta a esta contradição foi sugerida pela Monja
Coen, presente na mesma mesa. A religiosa da tradição Zen Budista esclareceu que
somos a vida na terra. "Por ignorância, nos percebemos separados, o que nos
deixa com "cor rupto" - coração partido, em latim. Neste estado, confundimos
nossas necessidades verdadeiras. Se nos víssemos como parte do todo, como
realmente somos, agiríamos com gratidão por tudo que existe e nos mantém vivos.
Esta gratidão construiria o equilíbrio que está faltando no uso do que a
Natureza nos oferece".
Quanto à alimentação, ela relembrou o caso de um
monge da mesma tradição que ao ser indagado como aceitava provocar a morte de um
peixe - seu prato predileto - para comê-lo, respondeu: "Peixe está se tornando
monge", referindo-se ao ciclo contínuo de transformação em que tudo está
mergulhado. "O universo está em constante mudança", ressaltou a
monja.
Ela destacou a importância de se cuidar de nosso efeito sobre o
todo. "O primeiro ambiente de que temos que cuidar, é o nosso próprio corpo. Se
partirmos dele, perceberemos que gostamos de ar puro, de água pura e de viver
sem violência...". Ao despertar para nosso interior e sua conexão com o todo,
podemos dar o melhor de nós, a todo o momento. "Não se trata de fazer o
possível. Mas fazer o melhor, pensando em todas as formas de vida ao nosso
redor. Eu acredito que somos capazes de dar uma virada e formar uma vida na
Terra maravilhosa. Isto tem que começar com seres humanos bons e éticos. Aquilo
que pensamos, falamos e fazemos influi e transforma o que existe. O ser humano
precisa mudar no seu coração, na sua essência", defendeu Coen. "Eu acredito que
somos capazes de fazer a transformação que queremos na Terra. Nosso destino
depende de nosso pensamento coletivo", falou a mestra.
Depois dela, o
ministro Fernando Augusto de Souza, da Igreja Messiânica, ressaltou que
pesquisas já mostraram que aumentar o consumo e a renda não traz mais
felicidade. Ele concorda que tudo que expressamos, seja em pensamento, fala ou
ação, reflete naquilo que está acontecendo e nos faz um convite para adotarmos o
'regime do relógio do sol'.
"O que faz o relógio do sol? Ele só marca os
momentos iluminados. Assim, se formos falar, escrever, produzir arte ou que quer
que seja, podemos escolher nos expressar sobre momentos iluminados, momentos que
nos inspiram; onde o bem, o bom e o belo se manifestam" falou Augusto, alinhado
com o saber antigo que diz: aquilo em que colocamos nossa atenção é o que
cresce. "Nosso desafio maior é expressar a Verdade do plano divino, neste mundo
de aparência", concluiu o religioso.
* Neuza Árbocz é jornalista.
(Agência Envolverde)