O incentivo de sucessivos governos brasileiros ao desmatamento da Amazônia ganhou impulso durante a ditadura militar, nas décadas de 60 e 70. Mas até recentemente, a substituição de floresta por pasto era financiada por dinheiro público na forma de subsídios. No governo Lula, o Estado, através do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), transformou-se em sócio e investidor direto de frigoríficos que, segundo a investigação do Greenpeace, compram sua matéria prima de fazendas que desmatam ilegalmente, põem seus bois para pastar em áreas protegidas e terras públicas e utilizam mão de obra escrava.
O relatório “A Farra do Boi na Amazônia”
(2) rastreou, pela primeira vez, a ligação da carne, do couro e de outros
produtos bovinos de fazendas envolvidas com desmatamento ilegal, invasão de
áreas protegidas e trabalho escravo com marcas famosas como Adidas/Reebok,
Timberland, Carrefour, Honda, Gucci, IKEA, Kraft, Clarks, Nike, Tesco e Wal-Mart
(3).
“Marcas famosas de tênis, supermercados, automóveis e bolsas de
grife devem garantir que seus produtos não estão envolvidos com os crimes
praticados pela indústria pecuária brasileira”, disse André Muggiati,
coordenador da campanha de pecuária do Greenpeace.
“Práticas como essa põem
em risco o futuro de uma indústria importante para a economia brasileira.
Combatê-las é fundamental não apenas para o meio ambiente, mas também para
aumentar a competitividade da pecuária nacional aqui e no exterior”.
A
investigação do Greenpeace mostra que o governo Lula quer dominar o mercado
global de produtos pecuários em geral e dobrar a participação brasileira no
mercado internacional de carne até 2018. Para auxiliar a expansão do setor, o
governo federal está investindo em todos os elos da cadeia de abastecimento –
desde a produção nas fazendas até o mercado internacional. Em troca do
financiamento público, o governo se tornou acionista de três gigantes da
indústria brasileira de pecuária – Bertin, JBS e Marfrig, responsáveis por
alimentar a destruição de grandes áreas da Amazônia.
“O governo Lula está
cumprindo a profecia do General Garrastazu Médici, que dizia que a Amazônia
seria ocupada pela pata do boi”, disse Paulo Adário, diretor da campanha da
Amazônia do Greenpeace. “Ao financiar a destruição, o governo dá um sinal claro
de que já fez sua opção pelo velho modelo desenvolvimentista de ocupação da
região praticado pelos militares durante a ditadura, ao mesmo tempo em que tenta
posar de bom-moço nos fóruns internacionais”.
Entre 2007 e 2009, as cinco
maiores empresas da indústria pecuária brasileira, responsáveis por mais de 50%
das exportações de carne do país, receberam US$ 2,65 bilhões do BNDES. Os três
frigoríficos que receberam a maior parte do investimento público foram a Bertin,
uma das maiores comercializadoras de couro do mundo; a JBS, a maior
comercializadora de carne, com controle de pelo menos 10% da produção global; e
a Marfrig, a quarta maior comercializadora de carne do planeta.
A
expansão da pecuária no Brasil está concentrada na Amazônia. O maior incentivo
econômico para esta expansão é a falta de governança. A frágil presença do
Estado na região significa, na prática, terra e mão-de-obra baratas. O resultado
é que a pecuária ocupa, atualmente, cerca de 80% de todas as áreas desmatadas na
Amazônia. O país é o quarto maior emissor mundial de gases do efeito estufa,
principalmente por causa da destruição da floresta.
“A expansão do gado
na Amazônia está transformando a região num verdadeiro abatedouro de árvores,
dificultando a habilidade do país em cumprir sua meta de reduzir em 72% o
desmatamento até 2018 (4)”, disse Muggiati.
A publicação do relatório do
Greenpeace se dá no momento em que a bancada ruralista está encabeçando uma
ofensiva no Congresso Nacional para enfraquecer a legislação florestal
brasileira e legalizar o aumento do desmatamento. “Não adianta bancar o líder
nas negociações internacionais se, dentro de casa, o governo apóia o pacote de
maldades do setor do agronegócio, que ainda opõe desenvolvimento econômico à
proteção ambiental. É preciso olhar para frente e usar a atual crise climática
como a melhor oportunidade de construir uma economia de baixo carbono para o
Brasil”, completou Adario.
Durante as próximas duas semanas está sendo
realizada em Bonn (Alemanha) a segunda rodada de negociações internacionais que
vão culminar na conferência do clima da ONU, a ser realizada em dezembro, em
Copenhague (Dinamarca), quando líderes mundiais devem fixar metas para reduzir
drasticamente as emissões globais de gases do efeito estufa.
1) O setor
pecuário na Amazônia é responsável por quase 14% do desmatamento anual global
(1.72 milhões de hectares são desmatados na Amazônia todos os anos e 12.57
milhões de hectares por ano são desmatados globalmente).
2) O sumário
executivo do relatório “Farra do Boi na Amazônia” está disponível em:
www.greenpeace.org.br/gado/farradoboinaamazonia.pdf
3)
Os produtos investigados pelo Greenpeace incluem:
CALÇADOS: A China é o maior
produtor e exportador de sapatos – a Bertin fornece para empresas processadoras
de couro na China e Vietnan que, por sua vez, abastecem empresas que produzem
tênis para Nike, Timberland e Adidas/Reebok. A Bertin também fornece couro para
dois processadores que dominam o mercado italiano (Rino Mastrotto Group &
Gruppo Mastrotto), cujos clientes incluem Boss, Geox, Gucci, Hilfiger, Luis
Vuitton e Prada.
CARROS: A Bertin é fornecedora exclusiva da empresa
norte-americana Eagle Ottawa, responsável por 20% do mercado global de couro
para estofamentos de veículos. Clientes da Eagle Ottawa incluem BMW, Ford,
Honda, Toyota e outras marcas famosas.
REFEIÇÕES PRONTAS & COMIDA
CASEIRA: A JBS controla 50% da divisão de carne do Gruppo Cremonini, da Itália,
fornecedor exclusivo da empresa Italian Railway, que inclui o Grupo EuroStar. O
Gruppo Cremonini também fornece para as empresas ferroviárias francesas SNCF e
Thalys International. 40% da carne processada do Reino Unido (preparada, cozida
ou enlatada) vêm do Brasil; desses, quase 90% vêm da Bertin, JBS ou Marfrig. No
Brasil, a Bertin, JBS e Marfrig também fornecem para o Carrefour, Wal-Mart e
Grupo Pão de Açúcar (afiliada da empresa francesa Casino), gigantes do setor de
supermercados que controlam quase 40% do mercado.
BELEZA & HIGIENE: A
Bertin é fornecedora da Unilever, Colgate Palmolive e Johnson &
Johnson.
4) Na convenção de Clima em Poznan (Polônia), em 2008, o governo
brasileiro anunciou o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, incluindo o
compromisso de reduzir em 72% o índice de desmatamento até 2018. Essa redução,
que deve impedir a emissão de 4.8 GT CO2, deve ser conseguida principalmente
pelo combate ao desmatamento ilegal.
(Envolverde/Greenpeace)