Se por um lado, o investimento em tecnologias limpas cresce, a eficiência energética desacelera. Enquanto a reciclagem de papel já se tornou parte da consciência coletiva, as montanhas de lixo eletrônico se acumulam e até mesmo são exportadas para países mais pobres. A questão da economia de água ocupa posição central para os negócios, mas o aumento das emissões de gases de efeito estufa revela um futuro preocupante. Essas são algumas das contradições que podem ser observadas no recente relatório Estado dos negócios verdes 2009.
Um dos maiores portais especializados em sustentabilidade dos Estados Unidos, o Greener World Media, publicou no mês de fevereiro o estudo que conta com notícias do GreenBiz.com, site do grupo sobre negócios responsáveis, e diversas fontes de dados para identificar avanços e retrocessos na área da sustentabilidade com base no mercado norte-americano.
Nesta edição, foram supridas lacunas com
a obtenção de novos dados, o que gerou a inclusão de indicadores adicionais e
exclusão de outros. O estudo utiliza uma nomenclatura curiosa a partir de ícones
que indicam se as companhias estão evoluindo (nadando), retrocedendo (afundando)
ou permanecem no mesmo lugar (navegando).
De acordo com Joel Makover,
diretor executivo do Greener World Media, Inc, apesar de o otimismo ter
diminuído em relação a 2007, o último ano trouxe boas notícias e tendências para
um futuro sustentável como, por exemplo, as cadeias produtivas. “As empresas
líderes de mercado entre os consumidores e varejistas estão começando a calcular
rigorosamente o impacto ambiental de seus produtos usando métricas sofisticadas,
enviando sinais para a cadeia de suprimentos de que os produtos de amanhã
precisarão ter os mais altos níveis de responsabilidade ambiental”, avalia o
diretor na introdução do estudo.
Na sequência, são destacados os
indicadores que deixaram a desejar nos últimos anos (afundando) e os que
obtiveram os maiores avanços (nadando), apontando tendências para o futuro.
A água se torna o novo carbono
De acordo com
Estado dos negócios verdes, há um consenso cada vez maior de que a água é o
carbono do século XXI e por se tratar de um recurso limitado, será essencial
para a liderança econômica das nações. A limitação natural e as pressões
crescentes dos consumidores em relação às fontes hídricas estão conspirando para
fazer dessa questão ambiental uma das mais importantes nos próximos anos.
Segundo Paulo Branco, diretor da consultoria Ekobé, a água continua
sendo tratada como um recurso infinito. “Apesar de a consciência no uso da água
ser maior, ainda não existe o senso de urgência necessário. Há uma atitude
conivente de quem deveria promover e induzir essa mudança, como governos e
empresas. No Brasil a mudança desse comportamento é ainda mais difícil devido a
abundância de recursos”, ressalta.
Na economia americana, porém, esforços
para economizar a água têm gerado bons resultados: nos últimos 10 anos. A
intensidade do uso (quantidade por unidade de PIB) caiu cerca de 25%. O setor
privado começou a reconhecer não somente o alto custo relativo ao desperdício do
recurso, mas também a economia financeira resultante do uso mais eficiente. E
mesmo com o crescimento da população e da economia, o consumo da água tem
diminuído consideravelmente.
Segundo o estudo, as melhorias podem ser
atribuídas a metas de redução de consumo, na medida em que a água se torna mais
cara, e as questões de má reputação relacionadas ao uso insustentável do recurso
ou poluição de reservas naturais.
Gases de efeito estufa
continuam a aumentar
Segundo o estudo do Greener World Media, as
emissões de gases de efeito estufa contabilizaram 1.4% a mais em termos
absolutos (emissões de carbono por unidade de PIB) na comparação com 2006 -2007.
Apesar de o número ter diminuído 0.6% em intensidade, quando medido como
porcentagem de PIB, essa representa a menor redução anual desde
2002.
Para Branco, uma regulamentação rigorosa seria uma boa saída para
esse dilema, mas a tendência do setor privado é de resistência diante de
qualquer iniciativa regulatória. “No caso das questões de interesse comum, a
experiência de outros países mostra que a regulação, quando bem feita, induz à
inovação. Em alguns temas só teremos avanços significativos a partir de
mecanismos regulatórios mais rígidos”, avalia.
O aumento de 1.4% nas
emissões de carbono por unidade de PIB, segundo o relatório, pode ter sido
desencadeado por alguns fatores. Houve uma queda de 14% na força hidrelétrica
devido ao menor nível de chuva em algumas áreas, o que acabou exigindo maior
intensidade de carbono para as fontes de energia. Além disso, a temperatura
desfavorável ocasionou maior uso de aquecedores no inverno e ar condicionado no
verão norte-americano, gerando maiores gastos.
Entre os aparelhos
eletrônicos, a demanda de energia também aumentou, com a eletricidade exigida
para iluminação e resfriamento comercial. Em termos absolutos, as emissões em
2007 foram 16.7% mais altas do que em 1990.
Apesar de ainda não haver
dados compilados quanto às emissões registradas em 2008, o estudo ressalta que a
intensidade das emissões de gases de efeito estufa pode ter sido reduzida devido
à recessão econômica em muitos países.
De acordo com o diretor da Ekobé,
essa questão pode ter duas implicações. “A mais evidente é que reduzindo a
produção, haverá queda nas emissões de gases de efeito estufa. Mas ao mesmo
tempo, a crise tende a resultar em menor investimento nas operações e utilização
de tecnologias obsoletas, portanto mais emissoras”.
Mais
investimentos em tecnologia limpa
Apesar da atual crise
financeira, a área de tecnologias limpas continua em ascensão nos EUA. Os
investimentos no setor atingiram US$ 7.6 bilhões em 2008, o dobro do ano
anterior.
O setor de energias limpas, até há alguns anos pouco
expressivo, atualmente tem 20% de toda a classe de ações de capital de risco –
cerca de 1 bilhão de dólares foram direcionados para essas novas tecnologias em
2008.
Entre os fatores que impulsionaram a área no último ano, segundo o
estudo, estão o interesse crescente de governos para ganhar capacidade em
energias renováveis e o aumento da demanda por construções eficientes, que
requerem um amplo leque de tecnologias limpas.
Essa demanda se reflete no
desenvolvimento de energias renováveis. De acordo com o Clean Energy Patent
Growth Index, compilado pela empresa Heslin Rothenberg Farley & Mesiti,
patentes em energia eólica, combustível por células, hidroelétrica, energia
maremotriz e geotérmica também apresentaram alta no ano de 2008 na comparação
com 2007.
Por outro lado, as patentes em energia solar tiveram uma queda
significativa no ano passado, juntamente com veículos híbridos e elétricos e
patentes de energia de biomassa /biocombustíveis.
Segundo o estudo, o
registro de novas soluções representa indicadores tanto de inovação quanto de
reservas financeiras. O levantamento ainda destaca que a disseminação de
conhecimento entre os diversos setores da sociedade é fundamental para que a
inovação ganhe espaço e comece a gerar resultados efetivos.
Para Paulo
Branco, da Ekobé, a colaboração entre setores é importante, sobretudo entre
empresas e governo. “São raras as companhias comprometidas em aprimorar
políticas públicas. É difícil tratar desse tema no ambiente empresarial
brasileiro, pois muitos não querem se envolver com política”,
avalia.
Pressão por reciclagem
De acordo com o
Estado dos Negócios Verdes, o mundo continua soterrado sobre uma montanha cada
vez maior de lixo eletrônico, o chamado e-waste. O progresso feito na reciclagem
de eletrônicos é inexpressivo diante do tsunami de aparelhos que entram no
mercado a cada dia.
Segundo o estudo, a solução poderia estar em duas
alternativas: na regulamentação governamental mais rigorosa e na melhora do
design de eletrônicos.
Para Branco, faltam canais adequados para a
destinação do lixo eletrônico, situação ainda mais grave no Brasil.
“Necessitamos de uma combinação entre regulação efetiva e mecanismos de mercado
que faça com que o processo de reciclagem seja atrativo para empresas e
consumidores”, avalia.
No campo do uso e reciclagem de papel, o estudo
destaca boas notícias. De um lado, as tecnologias têm livrado de modo crescente
o mundo dos negócios da necessidade de papel. De outro, o crescimento estável de
programas de reciclagem representa um grande avanço.
Boa parte do boom em
reciclagem ocorreu devido ao crescimento da demanda de polpa do papel em países
em desenvolvimento, especialmente na China. Com a demanda alta, a polpa
reciclada obteve um preço alto, tornando a reciclagem mais
rentável.
Desaceleração em eficiência
energética
Outra tendência analisada pelo estudo diz respeito ao
telecommuting. Segundo o Estado dos Negócios Verdes, milhões de norte-americanos
estão deixando de usar o transporte diariamente para trabalhar em casa. Ainda
assim, os avanços nessa área são pouco expressivos quando comparados ao ano
anterior.
O levantamento também verificou uma pequena, mas notável,
desaceleração no campo da eficiência energética. As companhias hesitam em
investir em novos projetos, assim como os bancos recuam na concessão de
empréstimos para tal finalidade.
Para o diretor da Ekobé, o maior desafio
empresarial nos próximos anos consiste na busca de soluções que contemplam a
interdependência de todos problemas relacionados à sustentabilidade. “Cada vez
mais estamos lidando com questões em rede, que se influenciam mutuamente. E
continuamos a procurar soluções isoladas, sem considerar que os problemas se
realimentam”, avalia o diretor.
Green Biz Index
2009
Intensidade de carbono: afundando
Investimentos em
tecnologia limpa: nadando
Investimentos em energia limpa:
nadando
Patentes de energia limpa: nadando
Empregos Telecommuting
(trabalho em casa): afundando
Eficiência energética: nadando
Lixo
eletrônico: afundando
Uso de papel e reciclagem:
nadando
Intensidade do uso de água: nadando
(Envolverde/Revista Idéia Socioambiental)