Na opinião da bióloga e cientista ambiental holandesa Elke Stehfest, o desmatamento realizado para a agricultura, seja para plantio de alimentos ou para o plantio de pastagens para o gado, é o fator de maior impacto na diminuição da Floresta Amazônica. Na entrevista que concedeu ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU por e-mail, a pesquisadora que trabalha na Agência de Avaliação Ambiental da Holanda, na equipe IMAGE, destaca o “forte efeito da produção pecuária, especialmente criação de gado, sobre o efeito estufa”. Isso é confirmado no estudo que realizaram, acentua. A equipe IMAGE esteve extensivamente envolvida no recente relatório do IPCC e em vários outros estudos e avaliações sobre mudanças ambientais globais.
Stehfest acentua que o consumo mundial de carne precisa ser reduzido, e enumera vários outros motivos para diminuir esse consumo, para além do aumento do aquecimento global. Saúde, conservação da biodiversidade e bem-estar animal são alguns desses motivos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A
dieta do clima proposta pela Agência de Impacto Ambiental da Holanda sugere
consumir até 400g de carne por semana. Com isso, a pretensão é que se reduza a
emissão dos gases estufa em 10%, já que se diminuiria o número de animais
criados. Qual é a viabilidade dessa proposta?
Elke Stehfest
- Nós realmente calculamos um cenário com cerca de 400g de consumo de
carne por semana e per capita, no mundo todo. Para muitos países desenvolvidos,
isso significaria reduzir seu consumo de carne para 2/3. Para alguns países
africanos isso na verdade significaria um crescimento comparado com a
referência. É difícil dizer algo sobre a viabilidade, e não examinamos isso em
nosso artigo. Isso obviamente depende de medidas que devem ser tomadas para que
se consiga uma redução no consumo de carne. As possíveis medidas são:
-
Informar os consumidores a respeito dos benefícios da redução do consumo de
carne para a biodiversidade, clima e para sua própria saúde. Talvez introduzindo
rótulos informativos nos produtos;
- Viabilizar alternativas saborosas
para a carne. Por exemplo, burgers vegetarianos e molhos;
- Um passo
ainda maior seriam medidas para proteger florestas tropicais, colocando um preço
no carbono da terra. Nas negociações climáticas de Copenhagen, o mecanismo
“Reduzindo Emissões do Desmatamento e Degradação” (”Reducing Emissions from
Deforestation and Degradation”, REDD) é discutido como uma medida possível para
reduzir emissões. Ambas podem ter um efeito nas áreas usadas para produção de
carne e alimento.
IHU On-Line - Quais são as evidências científicas entre
a criação dos bovinos e o aumento do efeito estufa?
Elke Stehfest - O
forte efeito da produção pecuária, especialmente criação de gado, sobre o efeito
estufa é muito bem estabelecido, e novamente confirmado em nosso estudo. Um dos
mais bem conhecidos estudos é “A grande sombra da pecuária” (”Livestock’s long
shadow” - FAO ).
IHU On-Line - Que outros hábitos
alimentares humanos vêm interferindo seriamente no clima?
Elke
Stehfest - A produção pecuária para carne e leite/laticínios tem mesmo
o maior impacto nas emissões de gases de efeito estufa.
IHU
On-Line - Nesse estudo, vocês sugerem que se inclua nos rótulos o custo
ambiental da carne. Acredita que a população já está suficientemente preparada e
mobilizada para esse tipo de alerta?
Elke Stehfest -
Alguns governos, como o holandês, também perceberam o grande impacto do consumo
de carne. O governo não quer controlar a escolha dos consumidores, mas quer
prover todas as informações que os farão ter uma escolha
informada.
IHU On-Line - Além do fator ambiental, que
outros motivos teríamos para não ingerir carne?
Elke
Stehfest - Embora não sejamos especialistas nessas áreas e não
examinamos isso em detalhe, afirmo que existem outras razões bem conhecidas
pelas quais as pessoas comem menos carne. Saúde deve ser a razão mais importante
para a redução do consumo de carne bovina e suína, uma vez que ambas são
suspeitas de contribuírem para câncer no intestino e doenças
coronárias.
Outras razões ambientais, junto com a mudança climática, são
a conservação da Natureza e da biodiversidade, isto é, menos desmatamento
tropical para a produção de carne e soja. O bem-estar animal é uma das outras
importantes razões pelas quais as pessoas tentam comer menos carne ou mesmo
sejam vegetarianas.
IHU On-Line - O economista
norte-americano Jeremy Rifkin afirma que estamos destruindo a Amazônia para
alimentar vacas. Como esse ecossistema vem reagindo a essa investida
pecuarista?
Elke Stehfest - O desmatamento para a
agricultura, tanto para plantio quanto para pastagem para o gado, é a mais
importante razão para a degradação da Floresta Amazônica. Os efeitos desse
desmatamento são:
- perda de habitats naturais
- extinção de
espécies
- degradação ou erosão dos solos
- efeitos hídricos como
aumento de inundações
- problemas na viabilidade de recursos hídricos com
menos tamponamento florestal
- desmatamento em larga escala pode causar a
morte de ainda mais florestas
- queda das chuvas em áreas de plantio no
leste do Brasil (uma vez que as nuvens/chuvas são produzidas sobre a floresta
tropical amazônica).
IHU On-Line - Segundo estimativas,
para cada 900 kg de alimento produzido, se produz apenas 1 kg de carne. Chegou a
hora de revermos nosso padrão alimentar?
Elke Stehfest -
Sim, a produção de carne, especialmente a bovina, utiliza uma grande quantidade
de investimento, e também investimento de terra em função de alimentar a
crescente população mundial. Para conservar os habitats naturais do mundo, o
atual consumo de carne dos países em desenvolvimento não pode ser seguido. Ele
deve ser reduzido.
IHU On-Line - Para esse mesmo 1kg de
carne produzido são necessários de 20 a 30 mil litros de água. Além disso, a
pecuária é responsável por 1/3 da poluição de águas potáveis com nitrogênio e
fósforo. Pode-se falar em um comprometimento do potencial hidrológico do qual
dispomos em função da criação de gado?
Elke Stehfest -
Os números do uso de água para a produção de carne bovina parece alto,
possivelmente porque inclui a evaporação/transpiração do pasto. Se considerarmos
apenas o consumo de água pelo gado da ordem de 4 a 10 litros por quilo de
alimentação seca consumida e a conversão de eficiência de 30 a 60 quilos de
alimento seco por quilo de carne, o consumo de água é de uma magnitude
menor.
No que se refere à poluição das águas superficiais e subterrâneas,
não achamos que os problemas são tão graves quanto em países como a Holanda,
onde mais gado é criado em estábulos e o esterco é espalhado por áreas
relativamente pequenas de terra. Nos estados brasileiros com áreas importantes
de criação de gado, os sistemas são geralmente mais extensos. Com lençóis de
água profundos e transporte lento de água e nitrato pelo sistema subterrâneo, as
chances de ocorrer desnitrificação são grandes. Mas sim, é correto dizer que a
produção de carne bovina pode contribuir para a poluição da água da superfície e
subterrânea, mas é difícil dizer sem mais informações que essa contribuição é de
1/3.
Crédito da imagem: Instituto Peabiru
(Envolverde/IHU - Instituto Humanitas Unisinos)