Pesquisadores apontam falhas e riscos nos projetos que pretendem alterar a divisão territorial. Para os ambientalistas, as normas visam a diminuição no controle do desmatamento.
Projetos de lei que pretendem retirar Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão da Amazônia Legal, alegando que tais estados não possuem floresta amazônica, representam a falta de conhecimento geográfico e ambiental de seus autores, segundo estudiosos da região.
Para o coordenador de pesquisas agronômicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Charles Clement, é evidente que, por trás da busca pela mudança na composição da Amazônia Legal está a intenção de diminuir o controle do desmatamento nas áreas que deixariam pertencer à região. A explicação para hipótese está no fato de que o Direito Ambiental Brasileiro prevê uma reserva legal de 80% para o bioma Amazônia, enquanto esse percentual é de 30 para áreas de Cerrado. "Eles querem mais liberdade para destruir ecossistemas naturais sem risco de serem cobrados no futuro", afirmou.
Uma das propostas, o Projeto de Lei 05/2007, de autoria do
senador Jonas Pinheiro (DEM/MT), traz como justificativa a ideia de que a
Amazônia Legal foi criada para fins de desenvolvimento econômico regional, sem
que os estados por ela abrangidos devam ser enquadrados como pertencente ao
bioma Amazônia.
Agricultores e pecuaristas do Tocantins, Mato Grosso e
Maranhão dizem, inclusive, que a submissão de suas áreas agricultáveis à reserva
legal voltada a Amazônia prejudica o desenvolvimento econômico de suas regiões.
Outro projeto de lei, de autoria do deputado federal Osvaldo Reis (PMDB/TO), o
PL 1278/07, pretende retirar o Estado do Tocantins da Amazônia Legal pelo mesmo
motivo.
Segundo Clement, os políticos que criaram as propostas pretendem
ignorar a insustentabilidade do sistema atual e continuar o crescimento
econômico com base na prática insustentável da agricultura nos seus Estados.
Ele afirma que é preciso repensar o desenvolvimento nacional para enquadrar não
apenas a legislação ambiental, mas também a realidade de que dependemos da
existência de ecossistemas naturais para fornecer os serviços ecológicos
essenciais ao empreendimento humano.
Para ele, falta a visão política de
que estamos num sistema político-econômico inapropriado, em que o Estado tenta
combater a degradação e ao mesmo tempo a incentiva a degradação. "Normas e leis
que tentam conservar serão sempre ineficazes num sistema politico-economico
desenhado para explorar a todo custo", afirma.
Propostas trazem
erro conceitual
A Amazônia Legal foi constituída para ser uma
área de investimentos de capitais, tanto por parte do Estado, como pela da
iniciativa privada durante os governos militares. Sua área de abrangência era
alvo da política de incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia (Sudam). Trata-se, portanto, de uma divisão geopolítica correspondente
a uma região, que é objeto de ações de agentes público e
privados.
Segundo o professor titular de Geografia da Universidade de São
Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, a concepção desse território era
próxima da área onde havia a presença do bioma Amazônia. No entanto, ele
destaca que o limite da Amazônia Legal não coincide com o bioma da floresta
equatorial. "Não se pode confundir Amazônia Legal com bioma floresta amazônica,
nem os dois com região Norte do IBGE. A Amazônia Legal era uma área de
intervenção de políticas estatais e objetos de investimentos estatais e
privados, não um determinante da presença do bioma", disse.
O coordenador
Clement explicou que, durante o regime militar, a Amazônia recebeu recursos
significativos, que diminuíram na segunda metade do período por fatores de
política econômica externa. Com a redemocratização, os investimentos voltados à
região permaneceram os mesmos, com a exceção de alguns projetos específicos.
Para o coordenador, a estratégia geopolítica não alcançou a meta de integrar a
Amazônia ao empreendimento brasileiro.
Divisão geopolítica não é
determinante para a presença do bioma
Sobre o argumento de que
Mato Grosso, Tocantins e Maranhão praticamente não abrigam o bioma Amazônia,
Clement concorda, mas destaca que o cerrado presente em tais estados também deve
ser valorizado, por ser rico em biodiversidade e oferecer serviços ecológicos em
proporção a sua biodiversidade e não apenas à biomassa que apresenta, em menor
que a floresta amazônica.
O especialista defende o aumento da reserva
legal no Cerrado e a ampliação da cobertura do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação no bioma. "O Cerrado está muito mais ameaçado de degradação do que
a Amazônia", informou.
O professor Ariovaldo discorda, afirmando que a
Amazônia Legal contém em sua totalidade o bioma Amazônia, além do Cerrado nos
estados de Mato Grosso, Tocantins e Rondônia, bem como uma parte da Mata dos
Cocais no Maranhão. "Se por um lado a divisão geopolítica é maior que a do
bioma, não há como se fazer uma regionalização baseada na presença da floresta
que não avance o território dos estados. O bioma avança no Maranhão, no
Tocantins e no Mato Grosso, mas não se limita ao limite político jurídico",
explicou.
Ele também afirmou que, se a divisão da Amazônia Legal se
pautar pela presença da floresta amazônica todos os estados deverão ser
mantidos, assim como os estados de Pará, Amazonas e Acre, que também não são
totalmente formados pelo bioma. Inclusive, Roraima, segundo o professor, é
formado em parte por savana, enquanto o Amapá também possui cerrado.
Na
prática, para o professor, a retirada dos estados da Amazônia Legal não os
livrará de cumprir a reserva legal determinada pela presença do bioma. "Se há
um município só com Cerrado, deve-se respeitar o limite da reserva legal
previsto para esse bioma, e é o MMA [Ministério do Meio Ambiente] que fiscaliza
esse cumprimento. No mundo da política se desconhece a realidade dos biomas
existentes no Brasil", diz Ariovaldo.
Ele também lembra que muito do que
havia de floresta nos estados que hoje querem sair da Amazônia Legal foi
derrubado. Destaca que o Mato Grosso foi classificado como área de floresta de
transição, também chamada "Cerradão", e o governador do estado, Blairo Maggi,
por desconhecimento botânico, buscou com isso o livramento da necessidade de
recompor a reserva legal da Amazônia.
O Ministério do Meio Ambiente e o
Ministério Público hoje exigem que países que contenham a floresta amazônica
recomponham áreas degradadas, registrando inclusive em cartório as áreas de
proteção dentro de suas propriedades "Por trás desse assunto, está o desrespeito
à Lei e o desejo de não cumpri-la. O que está em jogo não é fazer parte ou não
de uma divisão regional, mas sim fazer uma lei que dizendo que o que foi
desmatado não é mais área de floresta", afirmou o professor.
Para
Clement, as reservas legais na Amazônia e no Cerrado são mecanismos
insuficientes para que se alcance o tão sonhado desenvolvimento sustentável.
"As reservas legais são mecanismos para se tentar a garantia de alguns serviços
ecológicos em cada bioma, mas ainda são necessários: unidades de conservação,
humanos que consumam pouco e reciclem, governos que priorizem o bem-estar
socioambiental acima do da economia e empresas 'verdes'",
afirmou.
Pertencer ou não pertencer à Amazônia
Legal
Para Clement, a Amazônia é um símbolo importante nos
imaginários brasileiro e mundial e fazer parte dele oferece oportunidades pouco
aproveitadas por empresas, pessoas e governos. O governo do estado do Amazonas,
segundo ele, é uma exceção, por vir buscando a utilização de sua floresta
intacta como forma de estimular ideias de mercado sobre serviços ecológicos.
"Infelizmente, o apoio do governo federal e de outros governos da Amazônia legal
para que essas alternativas sejam buscadas é retórico", concluiu.
Para o
professor Ariovaldo, o que se discute com estes projetos de Lei é o menos
importante, já que também há problemas de fiscalização do cumprimento das
reservas legais. Ele afirma que a intenção é flexibilizar a lei para continuar
desmatando, legalizando o desmatamento e diminuindo o ônus da recuperação a que
são obrigados por terem devastado.
"Nos três estados (MT, TO e MA), há
bioma Amazônia e achar que saindo da Amazônia Legal passa-se a ser estado só de
Cerrado é uma piada. Sair da Amazônia Legal não é sair do bioma. As propostas
revelam ignorância e falta de conhecimento da geografia brasileira do seu
autor", concluiu.
Histórico
O presidente Getúlio
Vargas criou, em 1953, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA), buscando promover o desenvolvimento da produção agropecuária e
a integração da região amazônica à economia nacional, por considerar que esta
parte do país estava muito isolada e subdesenvolvida. Mesmo raciocínio adotado
anos mais tarde pelos militares para povoarem a região.
No ano de 1955,
por meio da Lei 1.806, de 6 de janeiro de 1953, (criação da SPVEA), foram
incorporados à Amazônia Brasileira, o Estado do Maranhão (a oeste do meridiano
44º), o estado de Goiás (ao norte do paralelo 13º de latitude sul - atualmente
Estado de Tocantins) e Mato Grosso (ao norte do paralelo 16º latitude Sul). Com
esse dispositivo, a Amazônia Brasileira passou a ser chamada de Amazônia Legal,
constituída por conceito político e não necessariamente por imperativos
geográficos.
Em 1966, já no governo militar de Castelo Branco, a SPVEA
foi substituída pela Sudam. Tal órgão foi também criado para dinamizar a
economia amazônica. Em 1967, sempre perseguindo a idéia de desenvolver a
região, foi criada a Zona Franca de Manaus: uma área de livre comércio com
isenção fiscal que até hoje perdura.
Em 11 de outubro de 1977, a Lei
Complementar nº 31 criou o estado do Mato Grosso do Sul e, em decorrência, o
limite estabelecido pelo paralelo 16º é extinto. Todo o território do novo
estado do Mato Grosso passa assim a fazer parte da Amazônia Legal.
Com a
promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 é criado o estado do
Tocantins e os territórios federais de Roraima e do Amapá são transformados em
estados federados. Assim, o paralelo que dividia o antigo estado de Goiás e que
limitava a área da Amazônia Legal foi substituído pelos novos limites políticos
entre Goiás e Tocantins.
Em 24 de agosto de 2001, o presidente Fernando
Henrique Cardoso assinou a medida provisória nº. 2.157-5, que criou a Agência
de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) e extinguiu a Sudam. Esta decisão foi
tomada após seguidas críticas quanto à eficiência desta autarquia e o novo órgão
passou a ser a responsável pelo gerenciamento dos programas relativos à Amazônia
Legal. Em agosto de 2003 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recriou a
Sudam.