De acordo com o dicionário Aurélio, cínico é o sujeito sem escrúpulos, hipócrita e oportunista. Segundo a classificação aqui adotada, empresas cínicas são as que se dizem sustentáveis sem fazer o mínimo esforço para tanto. Não raro, sequer sabem o que significa o conceito, menos ainda os desafios de mudança que ele sugere. Também não parecem muito dispostas a saber, até porque, escravas de um modelo mental focado no bottom line, andam ocupadas demais em rezar a cartilha do lucro de curto prazo para acionistas nervosos. Ainda não pararam para pensar em seus papéis socioambientais. Partilham da doutrina de que, a despeito de gerarem externalidades, não cabe aos negócios assumir o que é responsabilidade dos governos e da sociedade civil.
Da porta para dentro, ironizam a importância conferida ao tema
e os líderes que o defendem, alegando que, em vez de salvar o mundo, eles fariam
melhor se dedicassem o seu tempo a cuidar exclusivamente de seus negócios. Da
porta para fora, ainda que sem entusiasmo, adotam um discurso de apoio sob o
argumento de que representa uma condição imprescindível para pensar e fazer
negócios no mundo de hoje. O que as move é, a rigor, a conveniência de
incorporar ao discurso o que valorizam os consumidores, investidores e mercados.
Como, no entanto, sustentabilidade é, para elas, apenas um elemento retórico,
são sustentáveis até o capítulo um.
Como então não confundi-las com as
empresas esforçadas? Basta observar, nas entrelinhas, alguns sinais
característicos. Embora utilizem a palavra sustentabilidade, com razoável
desenvoltura, não chegaram ainda nem ao estágio das práticas de responsabilidade
social empresarial (RSE). Eventualmente, possuem uma outra prática. Na maioria
dos casos, encontram-se, no máximo, no estágio da cidadania corporativa.
Satisfazem-se em ter um ou dois projetos sociais, quase sempre simplórios, pouco
transformadores e baratos, de preferência custeados com recursos de leis de
incentivo fiscal. Como não dispõem de nenhuma outra ação de RSE, concentram-se
apenas em divulgar os seus projetos. Mas, ao contrário do que possa sugerir,
normalmente não o comunicam de forma ostensiva, preferindo as ações voltadas
para formadores de opinião às de propaganda de massa. Além da questão custo,
pesa também na comunicação mais segmentada a idéia de não se expor tanto: uma
superexposição pode gerar resultados contrários de imagem a partir de um
questionamento público sobre outros compromissos socioambientais que elas não
têm nem querem ter.
Porque adotam apenas algumas práticas, essas empresas
não possuem políticas claras, não se pautam por diretrizes e indicadores
objetivos, não têm planos de ação e raramente publicam relatórios. As que os
elaboram, limitam-se a produzir meros relatos vazios do que consideram ser seus
compromissos socioambientais. Descuidadas, nunca atualizam o link
Responsabilidade Social de seus sites, por absoluta escassez de fatos. Cínicas,
muitas vezes divulgam como atos de altruísmo aquilo que são obrigadas por lei a
fazer, como a contratação de pessoas com deficiência ou a adoção de mecanismos
de redução de impacto ambiental. Pouco transparentes, dialogam mal com os seus
stakeholders. Não avaliam os impactos de suas atividades em suas vidas. A
atenção é exclusivamente dirigida aos acionistas.
Já que o tema não
decorre de crença e convicção, mas da apropriação de um discurso beatificado
pelo mercado, os líderes não sabem falar sobre sustentabilidade. Discursam o
suficiente para convencer que o conhecem. E quando o fazem, são superficiais,
abusam das frases feitas, de erudição de almanaque, de idéias extraídas de
orelhas de livro ou de cenas do filme Verdade Inconveniente, de Al Gore.
Espremendo-se o seu texto, extrai-se nada.
Não há modo mais eficaz de
identificar uma empresa cínica, no entanto, do que conversar com um de seus
funcionários ou parceiros. Como convivem no dia-a-dia com as corporações,
ninguém melhor do que eles para identificar as contradições e incoerências entre
discurso e prática.
* Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia
Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável. ricardo@ideiasustentável.com.br
(Envolverde/Idéia Socioambiental)