Comunidades quilombolas recuperam o palmito juçara

Moradores dos antigos quilombos do Brasil deixam de cortar a palmeira juçara para extrair seu saboroso caule, e buscam outras formas de sustento a partir dessa espécie.

Eldorado, 7 de julho (Terramérica) - A palmeira juçara, ameaçada de extinção pela exploração de seu palmito, começa a se recuperar graças ao plantio e ao manejo sustentável por parte de comunidades negras da Mata Atlântica, o bioma mais desmatado do Brasil. "Comecei a cortar palmito aos sete anos de idade, acompanhado de meu pai, o primeiro palmiteiro de Eldorado", conta Antonio Jorge, hoje com 63 anos e estudante de Ciências Sociais em um curso universitário a distância. "Fazíamos isso por necessidade e falta de conhecimento", admite. Porém, "desde 1990", ele planta juçara em lugar de cortar para aproveitar apenas seu caule comestível, o palmito, com forte demanda no mercado. Essa mudança aconteceu nos últimos anos entre as comunidades brasileiras afrodescendentes do Vale do Rio Ribeira, uma bacia de 28.306 quilômetros quadrados entre duas metrópoles industriais, São Paulo e Curitiba, que constitui a maior área preservada de Mata Atlântica, ecossistema costeiro que já perdeu 93% de sua superfície. Essas comunidades se chamam quilombolas, por serem herdeiras dos antigos quilombos, aldeias de negros que fugiam da escravidão e lutavam pela sua liberdade. Um projeto do não-governamental Instituto Socioambiental (ISA) compra sementes de juçara coletada pelos quilombolas, ao preço de US$ 1,87 o quilo, para plantar em suas próprias terras. O ISA promove políticas de desenvolvimento sustentável, atuando junto a comunidades tradicionais, e a defesa de recursos naturais do Vale do Ribeira.

Em Ivaporunduva, o quilombo mais antigo da bacia, 13 jovens e adultos subiram, no dia 26 de junho, duas colinas carregando nas costas sacos cheios de sementes, para espalhá-las na floresta. É o mutirão, palavra de origem indígena que hoje indica qualquer esforço comum, excepcional e voluntário. O plantio tem de ser feito em áreas florestais porque a juçara, cujo nome cientifico é Euterpe edulis Martius, precisa de sombra em seus primeiros tempos, e paciência, porque leva cerca de oito anos para produzir frutos e um bom palmito.

Silvestre Rodrigues da Silva, de 63 anos e cinco filhos, deu 250 quilos de sementes colhidas por sua família para o mutirão, pelos quais conseguiu US$ 468. Ele tem a sorte de ter preservado centenas de palmeiras perto de sua casa. "Não imaginava que suas sementes poderiam render esse dinheiro. Para mim, a juçara era apenas beleza e comida de pássaros", contou. Algumas comunidades estão cultivando plântulas em viveiros, como outra fonte de renda. Além disso, estão descobrindo o fruto, cuja polpa tem um valor nutricional semelhante ao do açaí, uma palmeira amazônica do mesmo gênero que já conquistou um grande mercado por suas qualidades energéticas.

O fruto "dá mais dinheiro do que o palmito", afirma Silva, baseado em uma visita que fez a uma fábrica de polpa em Sete Barras, um município vizinho. "Juntando todos os frutos disponíveis poderemos também ter uma indústria", afirmou. Em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, a cerca de 400 quilômetros do Vale do Ribeira, um projeto do Instituto de Permacultura e Vilas Ecológicas da Mata Atlântica (Ipema) com quilombolas, indígenas e camponeses, já está produzindo uma tonelada de polpa de juçara com a colheita iniciada em fevereiro e que termina este mês.

Esta primeira produção abastecerá as creches de Ubatuba, informa Cristina Reis, coordenadora de Educação Agroflorestal do Ipema, que também orienta planos de manejo e plantio de juçara. A polpa tem quatro vezes mais antocianina - pigmento antioxidante - que o açaí, e, portanto, um "forte poder medicinal", além de alimentício, afirma. Em Ivaporunduva também se pode colher frutos suficientes para processar a polpa, diz Renata Barroso, que coordena o Projeto Juçara do ISA. Porém, "falta a cultura do aproveitamento do fruto", reconhece.

"Antes, cortávamos o palmito a meia hora de casa, hoje temos de caminhar 14 horas para chegar às palmeiras", disse Jorge. Para não desperdiçar a viagem, o palmiteiro corta palmeiras jovens, retirando palmitos pequenos com os quais ganha muito menos, diz Pedro Cubas, membro da comunidade quilombola. Apesar das adversidades, ainda há os que persistem nessa atividade ilegal que pode levá-los à prisão. Os quilombolas e outros habitantes rurais do Vale do Ribeira praticam uma agricultura de subsistência e obtêm renda com a venda de banana, o maior cultivo local, de artesanato e com trabalhos fora da comunidade, mas dependem muito da ajuda do governo.

A juçara pode ser uma fonte adicional de renda, e o aproveitamento de seus frutos promove a conservação florestal, destaca Barroso. O fruto "alimenta uma grande diversidade de animais, mamíferos, roedores e principalmente aves", o que faz da juçara uma espécie-chave "para a biodiversidade da Mata Atlântica", explica Barroso, engenheira florestal que escolheu esta palmeira como tema de seu trabalho final de graduação e mestrado. Se a juçara for recuperada em abundância será "muito fácil seu manejo", de maneira que se poderá voltar à extração sustentável de palmito para "atender o mercado", acredita Reis. Em vários pontos do Brasil, inclusive no Vale do Ribeira, se planta pupunha (Bactris gasipaes) para obter palmitos. "Mas palmito saboroso como o da juçara não há em parte alguma do mundo", afirma Jorge. Esta é uma opinião generalizada que conspira contra o resgate desta palmeira.


* O autor é correspondente da IPS.

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