Rio de Janeiro, 14/11/2007 – Os contrastes causam impacto nos visitantes desde sua chegada à antiga capital brasileira. Já do avião pode ver a deslumbrante Baía da Guanabara, em cuja maior ilha fica o aeroporto, mas logo deverá passar entre um canal de águas fétidas e um acúmulo de favelas para chegar ao centro e à área turística. No Canal do Fundão, que separa o continente de outra ilha onde foi instalada a principal universidade do Rio de Janeiro, as águas já não circulam na maior parte de seus cinco quilômetros de comprimento, devido à sedimentação causada por dejetos industriais, lixo e esgoto de muitos bairros densamente povoados.
A situação poderia ser pior. Mas, nos rios
que trazem o grosso dessa contaminação grupos de homens e mulheres estendem
cabos de aço, arames e paus de uma margem à outra, formando improvisadas
barreiras que retêm garrafas e outros vasilhames de plástico, papelão e outros
materiais flutuantes. São os Guardiões dos rios, integrantes de um projeto
criado em 2001 pela prefeitura do Rio de Janeiro, que em 1960 foi substituída
por Brasília como capital do País. Selecionados entre moradores das comunidades
pobres vizinhas, os guardiões ganham R$ 520 por mês para recolher diariamente o
lixo jogado nos cursos de água e periodicamente plantar árvores em suas
margens.
Às vezes aparecem colchões, equipamentos domésticos e móveis,
como sofás, disse Sidnei Martins, coordenador de uma equipe de nove
trabalhadores que limpam um trecho dos rios Jacaré e Faria-Timbó, alguns
quilômetros acima do Canal do Fundão. Em agosto e setembro "retiramos 35
carcaças de automóveis", acrescentou. "Falta consciência para os moradores da
região que "jogam de tudo nos rios", inclusive fetos resultantes de abortos,
disse Martins, de 47 anos, sempre com seu uniforme verde da Secretaria Municipal
de Meio Ambiente. Seu grupo foi formado há três anos, juntando moradores do
conjunto Nelson Mandela, uma das favelas da área. "Nos primeiros dias recolhemos
uma tonelada de lixo por dia", recordou Martins. Cerca de 90% do lixo são
recicláveis, mas não são aproveitados porque essa atividade não é estimulada.
Entretanto, um de seus ex-colegas sobrevive atualmente vendendo lixo para
reciclagem.
A melhoria depois de iniciado o projeto é sensível. "Os rios
já não provocam as inundações que antes eram freqüentes, os ratos desapareceram
e diminuíram doenças como dengue, diarréia e micose", disse Ana Paula Ferreira,
que deixou o grupo de Martins onde trabalhou dois anos para entrar em um
"emprego estável" em um hospital. "O rio continua feio, mas menos sujo",
resumiu. O projeto, destinado a limpar cursos fluviais do município carioca,
previa mobilizar este ano 640 pessoas em 86 comunidades, ampliando para 960 e
136, respectivamente, até 2012. "Deveria expandir mais, porque as pessoas
precisam de trabalho", além dos benefícios sanitários e ambientais, disse Ana
Paula, de 31 anos, três filhos e que vive a 30 metros do rio
Jacaré.
Saneamento em falta
A ação dos guardiões busca prevenir
tragédias urbanas. Além disso, evita que muitas toneladas diárias de lixo
agravem a contaminação da Baía da Guanabara. Mas, é uma gota no oceano,
Atlântico, neste caso. É o deságüe sem tratamento o que mais contamina a baía,
onde desembocam 35 rios que cruzam a região metropolitana onde habitam 10
milhões de pessoas, disse Dora Negreiros, presidente do não-governamental
Instituto Baía da Guanabara. Contra essa agressão pouco fez o Programa de
Descontaminação da Baía da Guanabara (PDBG), iniciado em 1995 com um orçamento
de US$ 793 milhões baseado em créditos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e do Japão, previsto para terminar em 1999, mas que ainda
tem várias obras pendentes.
O lodaçal no Canal do Fundão se constituiu em
denúncia permanente da ineficácia do programa, em grande parte devido à falta de
coordenação entre suas ações. A principal estação de tratamento de esgoto,
denominada Alegria, é um exemplo. Foi construída para processar cinco mil litros
por segundo, mas recebe apenas mil litros. Faltam redes de esgoto até a estação,
disse Vilmar Berna, jornalista e ambientalista que ajudou em uma investigação
parlamentar sobre as irregularidades do PDBG.
Antes de começar esse
programa estimava-se em 20 mil litros por segundo o volume de água suja
despejado na baía sem tratamento. Alegria atende justamente o centro e os
bairros próximos do Canal do Fundão, onde vivem cerca de 1,5 milhão de pessoas.
O governo estadual não concretizou os investimentos de contrapartida que deveria
fazer em relação ao financiamento do BID para instalar as redes, denunciou
Alfredo Sirkis, ex-secretário municipal de Meio Ambiente e Urbanismo.
Nos
bairros pobres ocorre outro problema. Foram instaladas redes de esgoto, mas
faltam as ligações com as residências, já que as autoridades da área de
saneamento queriam que os moradores se responsabilizassem por essa parte, como
se fossem cidadãos "suecos quanto à renda e capacitação cívica e técnica",
ironizou Berna em conversa com a IPS. A conseqüência são esgotos nas ruas e rede
sem uso.
Em sua avaliação, Berna disse que o PDBG foi "uma grande
oportunidade perdida", por sua execução errada, em uma época de entusiasmo nesta
cidade que recebeu a Cúpula Mundial do Meio Ambiente em 1992. Porém, não foi
perda em saneamento, mas no acúmulo de lixo, "o pior desastre", com unidades de
separação e compostagem que nunca operaram, enquanto "garrafas PET e pneus
continuam boiando na baía", ressaltou. Seu balanço, entretanto, é que se trata
de um "semi-fracasso, porque pode ser salvo" com investimentos complementares
para corrigir os erros, acrescentou.
A esperança
Essa mudança de
rumo positivo é o que assegura estar fazendo o presidente da Companhia Estadual
de Águas e Esgotos (Deságüe), Wagner Victer. A estação Alegria já está
processando 1.500 litros por segundo e em março passará para 2.500 litros, a
demanda máxima para sua área e a metade de sua capacidade total, pois foi
projetada com "exagero" e só poderá ser usada no futuro, disse à IPS. Victer
reconheceu a falta de coordenação entre as diferentes atividades do PDBG e que
"seria irresponsabilidade" propor uma segunda fase do programa, para obter mais
créditos externos, sem primeiro concluir as obras em atraso com investimentos
locais.
Agora, cada obra é acompanhada por um cartaz anunciando a data de
entrega, que será cumprido, prometeu Victer. Além disso, serão efetivadas outras
medidas de descontaminação não previstas no programa, como a dragagem do Canal
do fundão e também do Canal do Cunha, que leva para o primeiro as águas sujas de
vários rios, como o Jacaré e o Faria-Timbó. Tudo isso "não limpará a baía, mas
reduzirá o fluxo de carga orgânica que a contamina", para que a natureza possa
fazer seu trabalho de limpeza, afirmou. "A Baía da Guanabara é a célula-mãe do
Brasil, uma dádiva que distingue o Rio de Janeiro" como um centro do
desenvolvimento e da cultura nacional, por isso deve ser descontaminada, afirmou
Victer, que se disse orgulhoso de ter nascido e vivido na Ilha do Governador,
onde o aeroporto internacional do Rio de Janeiro e vivem 400 mil
pessoas.
Apesar dos pontos de contaminação extrema, como o Canal do
Fundão, a Baía da Guanabara mantém muita vida em seus 381 quilômetros quadrados
de área, especialmente no nordeste resguardado por uma área de proteção
ambiental. É o que garante a sobrevivência de 20 mil pescadores inscritos em
cinco colônias dispersas pela baía, apesar da redução de peixes devido à
contaminação, segundo Alex dos Santos, dirigente da Associação de Pescadores de
Tubiacanga, na Ilha do Governador.
A pesca sofreu um golpe com o
vazamento de petróleo ocorrido em 2000, um desastre cujos danos são visíveis até
agora nos mangues. A empresa responsável, a Petrobras, ainda não pagou as
indenizações devidas pela perda de renda dos pescadores, que superam o
equivalente a US$ 550 mil, queixou-se Santos à IPS. Em sua opinião, os
pescadores têm "as técnicas mais baratas e eficientes" para limpar a baía,
porque "ninguém a conhece melhor do que nós", acrescentou. Mas, antes, é preciso
eliminar as fontes de contaminação química e orgânica, através do saneamento,
ressaltou. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/ IPS)