A floresta negociada na bolsa

O novo Código Florestal, aprovado em 2012, trouxe a novidade das Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), que possibilitam a adequação ambiental das propriedades rurais em mecanismo similar ao do mercado de crédito de carbono, que permite que países que emitem muito CO2 comprem cotas daqueles que emitem menos. A diferença é que, no caso das CRAs, o negócio se dá entre as áreas de Reserva Legal dos imóveis rurais.
Uma Reserva Legal é uma área coberta por vegetação natural dentro do imóvel rural que pode ser explorada somente com manejo florestal sustentável, respeitando-se o bioma em que está a propriedade. Funciona assim: os proprietários ou posseiros dos imóveis que possuírem um excedente de Reserva Legal ou vegetação nativa declarado nos seus Cadastros Ambientais Rurais (CARs) poderão vender, quando as CRAs forem regulamentadas, essas áreas excedentes em forma de cotas, também chamados de “títulos representativos”, para os imóveis que não estiverem com o nível de Reserva Legal exigido pela legislação ambiental. Por lei, esse nível de Reserva Legal varia de 20% a 80% da área do imóvel e leva em conta o bioma e a região do país no qual está inserido.

Uma Espanha disponível
É a Bolsa de Valores Ambientais (BVRio) do Rio de Janeiro a responsável por mediar o futuro mercado das CRAs. Hoje, a BVRio já registra numa plataforma os interesses de compra e venda de CRAs para imóveis rurais situados em todos os biomas do país. “Já temos mais de 5 milhões de hectares em disponibilidade. E os compradores de áreas já podem consultar esses valores”, afirma Maurício de Moura Costa, diretor de Operações da Bolsa de Valores Ambientais do Rio de Janeiro. Cinco milhões de hectares equivalem a uma área territorial do tamanho da Espanha. “A gente criou um modelo contratual, uma espécie de contrato promessa em que as partes acertam o negócio, que fica só dependente da emissão da cota. Algumas secretarias de Meio Ambiente já se demonstraram receptivas a aceitar um contrato desse tipo como um início de regularização”, diz. No caso, a bolsa lucra com um percentual da negociação entre os proprietários rurais. Também já é possível pagar por cotas referentes a imóveis passíveis de desapropriação que estão dentro de Unidades de Conservação (UCs).
A iniciativa é vista com restrição segundo especialistas entrevistados pela Pública. “O mecanismo de compensação de Reserva Legal foi durante muito tempo uma enorme esperança de conseguir equacionar a permissão de uma regularização ambiental com ganhos ambientais. Agora, da forma como o Código Florestal foi definido, esse mecanismo perdeu completamente o poder de trazer benefícios ambientais”, avalia o professor Gerd Sparovek, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). Segundo ele, a oferta de cotas é maior do que a demanda, o que fragiliza os CRAs como medida eficiente para a regularização ambiental. O professor calcula que há uma oferta de 13 milhões de hectares no país. “Na prática, inviabiliza a proteção”, diz.
As críticas de Sparovek se referem, por exemplo, aos imóveis abaixo de quadro módulos fiscais – unidade de medida agrária que corresponde à área mínima necessária a uma propriedade rural para que sua exploração seja economicamente viável. Essas propriedades, segundo ele, poderiam usar como CRAs a totalidade de vegetação natural fora de Área de Proteção Permanente (APP). “Isso gera uma cota de uma área já protegida, ou seja, não tem custo de oportunidade. É uma área que não se pode mexer”, esclarece. Além disso, Sparovek afirma que em 80% das transações de CRAs não haveria benefício ao meio ambiente. “A CRA não é um recurso que vai atender o objetivo finalístico do Código, que é a proteção à vegetação, e muito menos um benefício social”, avalia. O professor calcula que o passivo de Reserva Legal nos imóveis rurais do país é de 174 mil km², algo como o estado do Paraná.

Vantagens econômicas
“A cota traz vantagens do ponto de vista econômico. Ela permite que você compense a sua Reserva Legal nas áreas em que a terra é mais barata. Mas, do ponto de vista ambiental, essa compensação nem sempre é equivalente”, diz Victor Ranieri, professor doutor da Universidade de São Paulo (USP), engenheiro agrônomo e mestre em engenharia ambiental. “Está se perdendo a proteção em áreas que já perderam muito de sua cobertura original”, avalia. Ele critica a flexibilização trazida pelo novo Código Florestal, que permitiu que essa compensação por CRAs fosse feita com amplos parâmetros. “A lei permite a compensação entre estados dentro do mesmo bioma. Mas um bioma é muito diverso, o que pode permitir uma falsa compensação”, corrobora a bióloga e mestre em engenharia ambiental Jéssica Santos da Silva, também da USP.
O pesquisador Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor da pesquisa sobre a viabilidade econômica e os efeitos ambientais das CRAs, exemplifica: “Você pensa, por exemplo, no caso da Amazônia. Tem um produtor em Sorriso, no Mato Grosso, que planta soja e precisa compensar sua Reserva Legal. Ele compra uma cota numa região longínqua do norte do Amazonas, onde a cota é mais barata. Lá é uma região que não seria desmatada nem se levasse a tora de helicóptero, porque muitas vezes não há viabilidade econômica para fazer esse desmatamento. Ou seja, você não está gerando ganho ambiental”, avalia.
O mecanismo de compensação pelas CRAs foi alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2013, ainda não votada no plenário do Supremo Tribunal Federal. “A possibilidade de transformar uma reserva ambiental, ainda que particular, num título nominativo de valor monetário fará com que apenas aquelas áreas de menor valor econômico sejam utilizadas como reservas ambientais, estimulando a especulação imobiliária. Assim, muitos proprietários rurais contarão com esse instrumento para promover desmatamentos em áreas de maior valor econômico, pagando um valor menor pela cota de reserva ambiental”, afirma a ação apresentada pelo partido, que critica também a flexibilização da compensação ambiental pelo novo Código Florestal.
Moura Costa, da BVRio, rebate as críticas dos especialistas, por exemplo, com relação à ampliação da área passível de compensação por CRAs. “[No antigo Código Florestal], de tão específico que era esse instrumento, ele jamais foi usado. Você estava restringindo um mecanismo de compensação, basicamente, entre vizinhos. Não tinha uma utilidade real”, argumenta. Ele avalia que a determinação legal de só realizar compensações por CRAs em áreas prioritárias de um mesmo bioma garante o retorno ambiental das cotas, mesmo quando a transação for feita entre estados. “O estado vai reservar essas áreas em lugares ambientalmente relevantes. Esse risco é mitigado”, diz.
Para Jéssica Santos, da USP, o valor ambiental das CRAs dependerá muito de sua regulamentação futura, que depende do Ministério do Meio Ambiente. “É preciso ter procedimentos muito bem estabelecidos, funções muito bem definidas entre os entes federativos. Se o imóvel com déficit de reserva está em São Paulo e está compensando sua reserva na Bahia, como esses entes irão proceder? Quem fiscaliza o quê?”, pergunta. “Essas funções e procedimentos precisam ser compatíveis, a base de dados precisa ter boa qualidade. São vários aspectos que influenciam na eficiência do sistema de gestão que, hoje, se configuram como um desafio”, finaliza.

Fonte: IHU On Line/A Pública

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