De novo, o gás de xisto para embaralhar tudo

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Exploração do gás de xisto em Youngstown, Ohio. Foto: Dimiter Kenarov / Pulitzer Center

Agora, ficou tudo mais complicado ainda: a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental pediu, em carta à presidente da República (Ecológico, janeiro de 2014), que retire de um edital da Agência Nacional de Petróleo leilão para exploração de gás de xisto. Trata-se de apelo de entidade que reúne profissionais – engenheiros e outros técnicos – que atuam nas áreas de abastecimento e tratamento de água, coleta e tratamento de esgotos, meio ambiente, dos quais depende a segurança de todos os consumidores no País. Que acontecerá?
O pedido é simultâneo a decisões do Estado do Colorado (EUA) de acompanhar de perto os fraturamentos de rochas para extrair gás de xisto, diante dos pedidos alarmados de entidades ambientalistas. O Colorado é o sexto Estado na produção desse gás (Bloomberg, 27/2), que tem apoio total do governo federal porque levou o país a não depender tanto de petróleo. Há notícias na direção contrária – de dificuldades para produtores norte-americanos, como noticiou este jornal (4/3). Que acontecerá?
Em meio à crise que vivemos no setor brasileiro de produção de energia – com a seca, a redução da água nos reservatórios de produtoras, os custos adicionais na utilização de energia de termoelétricas (R$ 1,8 bilhão só em janeiro), atrasos em obras -, que decisões tomará a área federal?
Não será simples. Das obras em linhas de transmissão de energia, 71% estão com seus cronogramas atrasados 13 meses, na média (Estado, 23/1). O da Hidrelétrica de Jirau também está com atraso de mais de ano e seu custo passou de R$ 9 bilhões para R$ 17,4 bilhões (24/2). O Tribunal de Contas da União calcula em R$ 2,7 bilhões os prejuízos para o consumidor em quatro anos com o atraso na instalação de linhas de transmissão Acre-Rondônia e com “desperdício em subsídios” (AE, 20/2).
Mas os rumos governamentais parecem ser diferentes do que ponderam tantos cientistas quanto ao gás de xisto e outros setores. A área federal quer também atrair R$ 123 bilhões em investimentos (Agência Estado, 20/2) para gerar 27.575 MW e ampliar em 19.568 quilômetros o sistema interligado nacional. Desses, 12.160 MW seriam na área de hidrelétricas (R$ 44,2 bilhões em investimentos), principalmente no polêmico projeto para o Rio Tapajós (7.610 MW). Para a área de energias renováveis anunciam-se 13.810 MW, dos quais 7,2 mil em usinas eólicas e 2 mil em solares.
Tudo como dantes no quartel d’Abrantes – com algum avanço na área de renováveis -, em meio a críticas de cientistas? Por exemplo, uma tese apresentada na Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp pela pesquisadora Elisa P. Gomes assegura que o Brasil pode ganhar até 11 mil MW com repotenciação de usinas – quase tanto quanto prevê o projeto de geração em Belo Monte, com 11.233 MW – e a custos muito menores. Já estudo da Agência Internacional de Energia (28/2) afirma que energias como a eólica e a solar podem chegar a “altos níveis nas matrizes energéticas, com reduzidos custos adicionais a longo prazo” se a rede for “suficientemente flexível”. Hoje esses dois formatos respondem por 3% da energia elétrica total no mundo. Mas vários países já fixaram metas de atender a 30% da demanda, com acréscimo de não mais que US$ 6 por MWh, ou 7% do custo de hoje nas não renováveis. Para atingir um aumento de 45% na oferta das renováveis (15% na solar e 30% na eólica) o custo aumentaria US$ 11 por MWh, muito menos que em outros formatos de expansão. Isso “pode ser extremamente importante para países como Índia, China Brasil e outros emergentes”.
Seremos capazes de mudar significativamente nossos rumos ? As advertências quanto aos riscos no gás de xisto se acumulam. Muitas delas foram mencionadas em artigo neste espaço (20/9/2013), a começar pela argumentação na carta enviada à presidente Dilma Rousseff pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e pela Academia Nacional de Ciências. Ali se incluem preocupações quanto a possíveis danos a aquíferos, começando pelo Guarani e passando por bacias no Paraná, Parnaíba, Solimões, Amazonas e São Francisco, decorrentes da reversão à superfície de altos volumes de água e de insumos químicos utilizados no fraturamento de rochas de xisto, que poderão contaminar lençóis freáticos e até o Aquífero Guarani. Segundo os cientistas, também nos faltam “conhecimentos sobre características petrográficas, estruturais e geomecânicas”, que poderão influir “decisivamente” na economicidade de sua exploração.
Não por acaso, a exploração do gás de xisto sofre fortes restrições na França, na Bulgária e em alguns Estados norte-americanos. Há cientistas que alertam até para a influência do sistema de fraturamento em eventos sismológicos. Outros lembram que, no processo, ocorre a liberação de gás metano, 21 vezes mais problemático na atmosfera que o dióxido de carbono (embora por menos tempo) -, o que leva também a restrições do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Mas tudo isso não impede que se preveja (Agência Internacional de Energia) a implantação de milhares de poços por ano para extrair o gás de xisto no mundo. A produção norte-americana pode aumentar ainda mais se a China, para reduzir seu consumo de carvão mineral, decidir importar gás dos EUA, dado que suas jazidas são muito distantes dos centros consumidores e teriam altos custos. A geração de energia com carvão está levando o país a altíssimos níveis de emissões e de poluição do ar nas cidades – já com inéditos protestos da população nas ruas.
Os rumos de nossa crise no abastecimento de água e na geração de energia já são muito preocupantes. Não precisamos adicionar novos componentes. É preciso ouvir a ciência e não fazer da questão apenas um item na agenda de negócios e de rentabilidade.

* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.

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