Rio Verde, 17/09/2007- João Venâncio Soares, negro miúdo, com pouco mais de um metro de altura e 61 anos de idade, é a história viva da prosperidade deste município do Estado de Goiás e do processo que transformou o país em potência agrícola nas últimas três décadas. Rio Verde, um município produtor de grão, foi um dos que teve mais sucesso em desenvolver uma agricultura de alta produtividade no cerrado, a savana que ocupa uma extensa área central do Brasil. Estas terras pouco férteis, antes desprezadas, agora são o cenário da maior expansão do negócio agropecuário brasileiro, com efeitos ambientais pouco divulgados.
Quando Soares chegou a Rio Verde em 1974, como agrônomo
formado em Minas Gerais, o arroz era o principal cultivo local, com colheitas de
aproximadamente 740 quilos por hectares. Hoje, chega-se a 2.500 quilos. Também a
produtividade do milho mais do que triplicou nas melhores terras da região. Mas
foi a soja, introduzida, segundo Soares, por um grupo de imigrantes
norte-americanos, que mais contribuiu para transformar a economia local e do
cerrado, convertendo-se depois no mais importante produto agrícola de Rio Verde
e líder das exportações do País desde a década passada.
Os
norte-americanos, adeptos da Igreja Menonita, surgida no século XVI de uma cisão
na reforma protestante e muito discriminada, instalaram-se em Rio Verde em 1969,
aproveitando as terras baratas. Atualmente formam uma comunidade de
aproximadamente 50 famílias. Esses agricultores imigrantes inicialmente
rechaçaram a recomendação de Soares para praticar uma rotação de culturas de
milho e soja a fim de aumentar a produtividade, lembra o agrônomo. "O milho só
cresce em terras férteis", diziam. Mas essa teimosia acabou quando um deles
aceitou o conselho e obteve colheitas recordes na região.
"A soja altera
a química e a fertilidade do solo", acrescentando-lhe o nitrogênio do ar e
matéria orgânica, explicou Soares, ao comemorar seu primeiro triunfo como
promotor do desenvolvimento agrícola local. Com a tecnologia moderna, são mais
importantes o clima e o relevo das terras, o restante se corrige com
fertilizantes e agroquímicos, acrescentou. O agrônomo responde às críticas de
ambientalistas à chamada "revolução verde", rejeitando o conceito de agrotóxico.
Trata-se de elementos protetores da agricultura que, usados corretamente e na
quantidade adequada, representam benefícios e não danos, afirmou.
"É como
remédio, necessário, mas, em excesso, se converte em veneno", e ninguém os chama
de "tóxicos", comparou Soares. Além disso, Rio Verde não cedeu ao monocultivo,
pois mantém uma produção diversificada de soja, milho, sorgo, algodão, arroz,
feijão e outros vegetais. Também procura conter a invasão da cana-de-açúcar, que
já avança sobre municípios vizinhos, com um alei que limita sua plantação a 10%
da área local cultivável, para, assim, evitar os danos ambientais e sociais que
traz consigo, disse Soares, hoje assessor técnico da Secretaria da Agricultura e
do Meio Ambiente, da qual já foi titular em 2000.
A soja começou a ser
cultivada no Brasil pela região sul, com temperaturas mais amenas. Sua expansão
para o norte do País, com aumento da produtividade, foi possível graças ao
desenvolvimento de variedades adaptadas ao calor tropical e à baixa umidade do
cerrado. Para isso foram fundamentais os estudos da Empresa Brasileira de
Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), tem como o trabalho dos técnicos que, como
Soares, estenderam as inovações e os conhecimentos agronômicos diretamente aos
produtores. Foi assim que o Brasil, historicamente um grande exportador apenas
de café e açúcar, diversificou sua produção e se constituiu também em líder
mundial na venda de soja, carnes e suco de laranja.
Em uma década
duplicou suas colheitas de grãos, ampliando a área semeada, e hoje o setor
agrícola responde por cerca de 90% do superávit comercial brasileiro, que supera
os US$ 40 bilhões ao ano. O cerrado, um bioma de dois milhões de quilômetros
quadrados, equivalentes a quase um quinto do território nacional, foi
tradicionalmente destinado à produção extensiva de gado. Mas nas últimas décadas
descobriu-se que, usando muita tecnologia e fertilizantes, era propício para a
expansão da soja, principalmente, mas também da cana, do café e de outros
grãos.
Soares reconhece que, além do desmatamento exagerado,
sacrificou-se a grande biodiversidade desse ecossistema. A agricultura exigiu
"corrigir" com cal a acidez do solo, essencial para muitas frutas do cerrado,
que, por fim, desapareceram de vastas áreas, admitiu. Um "pecado" que ele
confessa ter cometido, por "cumprir uma política equivocada do governo", foi o
de drenar pântanos para torná-los cultiváveis. Em conseqüência, desapareceram os
riachos que dependiam desses "berços de água", lamentou. Agora as autoridades
ambientais exigem dos fazendeiros a recomposição dessas áreas.
A
prosperidade de Rio Verde não foi construída apenas com técnicas agrícolas.
Outro orgulho de Soares é ter contribuído par à criação da Cooperativa Mista dos
Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo), inaugurada em 1975 com 50 sócios
e que hoje conta com mais de 3.800. Trata-se de um enorme complexo de negócios,
que compreende unidades para produção de óleo de soja, fertilizantes, leite,
sabão e sementes, com armazéns e outros serviços dispersos por vários municípios
da região, onde trabalham cerca de 1.300 pessoas.
A Comigo é um dos
grandes motores da economia do sudoeste de Goiás, junto com outra, produtora de
óleo, propriedade de uma multinacional e uma unidade de industrialização de
carnes de aves e porco implantada em Rio Verde em 1997 e que sozinha emprega
7.600 pessoas, além de fomentar centenas de propriedades avícolas e suínas que
são suas fornecedoras. O grande aumento da produção de frango e porco para
abastecer essa indústria gera outros problemas ambientais, como o excesso de
dejeto animal e químicos.
O solo da área composto de muita areia e argila
retém os resíduos, favorecendo a contaminação das águas. A solução será recolher
esses dejetos para produzir biogás e biodiesel, sugeriu Soares. Tais indústrias
asseguram, por outro lado, demanda local para uma agricultura diversificada e
numerosas pequenas indústrias e serviços. A assistência técnica aos agricultores
já não é problema, porque hoje o município conta com 400 agrônomos, e não mais
somente os quatro iniciais treinados por Soares após ter se instalado em Rio
Verde há 33 anos. (IPS/Envolverde)