É a imagem mais apropriada para retratar uma carvoaria. Neste momento funcionam 200 carvoarias dentro do Pantanal, apenas na parte sul.
A maior província alagada do mundo, começou a ser consumida nos
últimos três anos. A região leste do Mato Grosso do Sul – em torno de Ribas do
Rio Pardo, um dos municípios mais pobres do estado – ex-capital do carvão --
encerrou a sua cota de cerrado nativo. Simples, acabou o mato.As carvoarias
começaram a se mudar para a região de Bonito, incluindo o município de Jardim,
onde fica a nascente do rio da Prata, um dos mais belos cartões postais da
região. No MS são mais de cinco mil. Uma indústria que emprega crianças,
trabalhadores irregulares, de outras cidades e estados. Volta e meia são
escravizados. Uma cadeia produtiva exemplar, ao contrário, é lógico.
Uma
das mais vergonhosas histórias desse Brasil iniciada na época da colônia, como
narrou em seu livro "A Ferro e a Fogo", o americano Warren Dean. Minas Gerais,
destino final do carvão, para produção de ferro gusa, nas siderúrgicas um dos
componentes do aço, começou a queimar a mata atlântica em 1740, quando os
escravos colocavam a madeira em "covas", poços cobertos por capim. Cada 100
toneladas de madeira, resultavam em 6 toneladas de carvão. E com 7 toneladas de
lenha se obtinha uma tonelada de ferro gusa.
No auge, em 1860, as forjas
exigiam desmate de 40 km2 por ano. Foram mais de 2 mil km2 que viraram carvão da
época da Independência até a República. Em 60 anos, anotou Warren Dean, acabaram
com a mata da região de Belo Horizonte e cercanias, como Sete Lagoas, onde se
concentram as gusarias. Minas Gerais produz atualmente mais de 7 milhões de
toneladas de ferro gusa o que exige uma área de mata em torno de 1 milhão de
hectares. A cada tonelada de ferro gusa correspondem 150 mil hectares de
mato.
Boi e Carvão
A situação da pecuária no MS, estado com 25
milhões de cabeças de gado, envolvido por sucessivos focos de febre aftosa –
restringindo o mercado, paralisando a exportação – favoreceu as carvoarias. Os
fazendeiros do Pantanal conseguem licenças para desmatar uma área, entregam as
carvoarias, ficando com 5 a 10% do negócio. Alguns entregam só para ter a área
limpa, disponível ao plantio de capim. Na parte sul do Pantanal, principalmente
na região de Corumbá, pastam mais de 2 milhões de cabeças.
Uma pecuária
pobre, normalmente de cria, para produção de bezerros (terneiros), que
antigamente eram levados em tropeadas até a região de Presidente Prudente, no
oeste paulista. Na situação atual os fazendeiros precisam fazer o ciclo
completo, produzindo boi gordo, e aí somente com pastagem cultivada, ou
agricultura, no caso de produção de silagem, mistura de grãos e
forragem.
Recentemente o Globo Repórter mostrou a região e um dos empregados
de uma carvoaria, lamentando o fato das árvores nativas se transformarem em
carvão disse:
-O Pantanal vai virar carvão, não tem outro
jeito.
Uma tonelada de carvão em 2005 custava R$ 45,00. Não aumentou
muito mais que isso, porque a oferta é muito grande. Ela também funciona na
Amazônia, no sul da Bahia, onde ainda existem pedaços intactos de mata
atlântica. É comum ver os caminhões carregados de sacos de carvão, trafegando
por estradas secundárias.
No Mato Grosso funciona um mercado que vende
carvão de mato nativo, com notas de carvão de área reflorestada ou plantada.
Fato também denunciado numa programa da Rede Record recentemente. O problema do
Brasil é histórico. O país que detém 22% das plantas do mundo, sempre viveu de
costas para a floresta. Ainda hoje os jornalistas de televisão divulgam a imagem
"da selva", como algo inóspito, terrível, justamente a mesma imagem usada pelos
europeus no século XVII ou XVIII.
Não é à toa que o Brasil já é o quarto
emissor de gás carbônico (CO2), em conseqüência dos desmatamentos no
centro-oeste e norte do país. Nos primeiros 20 dias de agosto de 2007 foram mais
de 12 mil focos de incêndios, ou focos de calor, como dizem os
técnicos.
Focos de Incêndio
A maioria nos estados do Mato Grosso e
Pará, logicamente, onde se concentra o avanço da fronteira agrícola. Podem ter
certeza: sempre que o preço da terra valoriza, caso da soja em 2002, com pico de
preço, o mercado da terra é invadido por empresários de todas as áreas. E os
números de focos e a área de desmatamento aumentam. A preferência pelo fogo é
simples:ao invés de esperar uma licença ambiental, tocam fogo logo. Consuma a
situação, ou, a própria terra não tem documentação, ou é publica e está
invadida.
Além disso, normalmente depois de derrubar as árvores com o
correntão (tratores que botam abaixo a mata puxando uma corrente pesada), a área
é incendiada. Depois sobram os troncos, pedaços de troncos. Aquilo ainda vai
queimar dois, três anos. Alguns fazendeiros não queimam, mas é uma exceção.
Também queimam montanhas de pó de madeira que sobram nas serrarias.
Em
1998, percorremos uns 2 mil quilômetros no Mato Grosso, de Cuiabá a Alta
Floresta, no início do mês de setembro – a seca vai de junho a outubro. Setembro
é o auge. A fumaça no interior se mistura ao pó das estradas. Não tem umidade,
ela é menor do que 20%. Àquela mistura fica concentrada perto da superfície. E
se estende por quilômetros. O ar com fumaça toma conta de toda a região. Mesmo
no hotel, à noite, com ar condicionado, se respira o cheiro da fumaça.
O
físico Paulo Artaxo integra uma equipe de cientistas que analisou a formação de
nuvens na floresta amazônica no projeto chamado Experimento de Grande Escala da
Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA). A floresta produz metade da chuva, dos
quase 3 mil milímetros anuais. Eles analisaram as partículas (aerossóis),
fundamentais na formação das gotas de chuva. Na época de queimadas elas saltam
de 300 partículas por centímetro cúbico para mais de 15 mil partículas. As gotas
diminuem de tamanho e acabam não caindo na região.
Isso sem contar os
minerais que contêm essas partículas, como o fósforo que deveria cair na mata.
Ou o ozônio (O3), que na alta atmosfera rebate os raios ultravioletas, mas na
baixa atmosfera causa doenças e reduz o crescimento das plantas. O ar poluído na
época das queimadas no norte é pior do que o ar da capital paulista nos mais
difíceis dias de inversão térmica.
O Pantanal tem uma área de 145 mil
km2, é a maior planície fluvial do mundo, com suas l750 espécies de plantas com
flores, 145 gramíneas, 262 espécies de peixes, 650 espécies de aves, 80
mamíferos, 50 répteis, 1200 tipos de borboletas, entre outras milhares de
espécies. Movimenta cerca de 1 milhão de turistas anualmente.Turistas, que cada
vez mais, dividirão as imagens idílicas, paradisíacas, com o negrume das
carvoarias.
*Najar Tubino é jornalista e autor da palestra "Uma visão
Holística e atual sobre a integração do planeta", na qual aborda questões como
mudanças climáticas, aquecimento global, extinção de espécies, o funcionamento
dos sistemas que compõem e movimentam a vida na Terra, numa visão abrangente
sobre a integração no planeta entre atmosfera, oceanos, montanhas, organismos
vivos. A palestra com data-show, ilustrada com imagens de satélite da Nasa, com
duração de uma hora pode ser agendada pelo telefone: (51) 96720363, e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
(Envolverde/Ecoagência)