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É preciso insistir e insistir: as grandes cidades brasileiras – mas não apenas elas – precisam criar com urgência políticas do clima que as habilitem a enfrentar com eficiência os “desastres naturais”, cada vez mais frequentes e intensos e que provocam um número cada vez maior de mortos e outras vítimas; precisam arrancar do fundo das gavetas projetos que permitam evitar inundações em áreas urbanas; criar planos diretores que incorporem as novas informações nessa área; rever os padrões de construção, já obsoletos, concebidos em outras épocas, para condições climáticas muito mais amenas – e que se mostram cada vez mais vulneráveis a desabamentos; incorporar as universidades nessa busca de formatos científicos e tecnológicos.
Segundo este jornal (21/2), de 12 locais alagados em uma semana no mês passado na cidade de São Paulo, 11 já sofriam com inundações há 20 anos – entre eles, alguns dos pontos com mais veículos e pessoas, como o Vale do Anhangabaú, a Avenida 23 de Maio, a Rua Turiaçu. E a Prefeitura de São Paulo promete desengavetar 79 obras antienchentes, algumas delas abafadas há 15 anos. Inacreditável. O governo do Estado assegura que vai trabalhar em 14 piscinões (outros 30 caberão a parcerias público-privadas), além de aplicar mais R$ 317 milhões em desassoreamento do Rio Tietê, onde já foi gasto R$ 1,7 bilhão (terá de gastar muito mais enquanto não decidir atuar nas dezenas de afluentes do rio sob o asfalto, que carregam sedimentos, lixo, esgotos, etc.). A população paulistana ficará muito grata – ela e 1 milhão de pessoas que entram e saem diariamente da cidade (Estado, 27/2).
Enquanto não houver uma ação enérgica na área do clima e na revisão dos padrões de construção em toda parte, continuaremos assim, como nas últimas semanas: obra irregular provoca desabamento de prédio na Liberdade e mata pedestre (1.ª/3); edifício de 20 andares desaba no Rio e arrasta mais dois, com 22 mortos (25/1); desabamento de lajes em construção de 13 pavimentos em São Bernardo do Campo mata duas pessoas (6/2); enchente em fábrica mata quatro em Sorocaba; inundação no Rio mata cinco pessoas (8/3); homem salva três pessoas e morre junto com um estudante, levados pela enxurrada durante temporal de cinco horas no Ipiranga, quando caiu um terço da chuva prevista para o mês e fez transbordar o Tamanduateí (11/3); deslizamento na moderna Rodovia dos Imigrantes mata uma pessoa e interrompe o tráfego (22/2), numa chuva de 183,4 milímetros, algumas vezes mais do que o índice médio de chuvas em um mês na região. Até o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, perdeu mais de 130 caixas de documentos históricos num temporal no centro da cidade (10/3).
Não pode haver ilusões. O Brasil já está em quinto lugar entre os países que mais têm sofrido com desastres climáticos. O Semiárido, em outubro último, teve o mês mais seco em 83 anos, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (Estado, 31/10); 10 milhões de pessoas foram atingidas em mais de 1300 municípios. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, órgão da Convenção do Clima, este ano só divulgará parte de seu novo relatório, mas seu secretário-geral, Rajendra Pachauri, já adverte que é preciso “espalhar a preocupação”, de vez que, com o aumento da temperatura, até 2050, entre 2 e 2,4 graus Celsius, o nível dos oceanos se elevará entre 0,4 e 1,4 metro – mas poderá ser mais, com o avanço do degelo no Ártico (Guardian, 28/2).
Não é por acaso, assim, que o sistema escolar público dos Estados Unidos já tenha, este ano, incorporado as questões do clima a seu currículo para os alunos. E que o Conselho da União Europeia tenha aprovado 20% do seu orçamento – ou 960 bilhões – para políticas e ações nessa área. Porque as informações são altamente preocupantes. Como as da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (9/3) de que duplicou, de 1970 para cá, a superfície de terras afetadas pela seca no mundo; ou a de que as emissões de dióxido de carbono CO2 por desmatamento, atividades agrícolas e outros formatos, entre 1990 e 2010, cresceram muito – e o Brasil responde por 25,8 bilhões de toneladas equivalentes de CO2, seguido pela Indonésia (13,1 bilhões de toneladas) e pela Nigéria (3,8 bilhões).
Os problemas com o clima, diz a Universidade de Reading (1.º/3), indicam que será preciso aumentar a produtividade na agricultura em 12% a partir de 2016, para compensar as perdas e as mudanças nos ambientes. A vegetação nas latitudes mais ao norte da América está mudando, começa a assemelhar-se à das áreas mais ao sul, segundo a Nasa (UPI, 12/3), que analisou o período 1982-2011; e lembra que as atividades no campo terão de adaptar-se. Também há alterações muito fortes em outras regiões, como nos Rios Tigre e Eufrates, que em sete anos (2003-2010) perderam 144 quilômetros cúbicos de água, equivalentes ao volume do Mar Morto (O Globo, 14/2).
Em toda parte as informações inquietam. Universidades da Flórida, por exemplo (Huffpost Miami, 12/3), alertam que será preciso transplantar três grandes estações de tratamento de esgotos no sul do Estado para evitar que elas fiquem “confinadas em ilhas” em menos de 50 anos, por causa da elevação do nível do mar. O almirante Samuel J. Locklear III, comandante da frota norte-americana no Pacífico, diz que essa elevação do nível dos oceanos “é a maior ameaça à segurança”. E que China e Índia precisam preparar-se para socorrer e evacuar centenas de milhares ou milhões de pessoas.
Retornando ao início deste artigo: as cidades brasileiras não podem adiar o enfrentamento das mudanças do clima, principalmente quanto a inundações e deslizamentos de terras (o Brasil tem mais de 5 milhões de pessoas em áreas de risco). Segundo a revista New Scientist (20/10/2012), 32 mil pessoas morreram no mundo, entre 2004 e 2010, em eventos dessa natureza (em terremotos, 80 mil). Não faltam avisos.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.