O ano de 2005/06 vai ficar menos alegre em suas noites e manhas. Macaé, Rio das Ostras e Casimiro de Abreu faziam parte do universo de um dos vultos mais marcantes da historia do Cotidiano das ruas de Macaé nos últimos anos. Membro de uma das mais antigas famílias de nossa comunidade, Marquinho Brochado fez de sua existência um patamar de experiências e contestações que fizeram dele um símbolo de criatividade e beleza. Jamais se preocupando com o que "os outros iriam dizer", rompeu com toda a sorte de estruturas e se conceituou na vida que queria. Viveu intensamente sua própria historia e dela foi protagonista e ator na autenticidade que poucos homens tem coragem de representar.
Participou, com brilho, das transformações sociais que os anos 70 nos testava e soube romper com sabedoria os anos seguintes sem se deixar tocar pela mosca azul da volta ao social que sabia ser fácil e que o aceitaria de braços (e garras) abertos. Experimentou de tudo e soube saber caminhar com esquinas que a vida lhe determinava conhecer.
Grande conhecedor das histórias vivas de nossa região Marquinho sempre se punha atento as nossas mutantes atuações no cotidiano. Com suas barbas já embranquecidas pelo sereno da vida teve uma morte trágica ao jogar-se contra uma lotada em uma noite fria de final de inverno. Com ele se vai parte de uma história de contestação e coragem no enfrentamento de uma sociedade hipócrita e perversa que nunca soube julgar as pessoas pelo seu interior. Marquinho era a fachada que incomodava e ele sabia que era isso. Vai juntar-se a tantos que, como ele, deixou o seu recado na amargura de um vital cruel. Seus familiares, Henrique, Gerusa, filhos se juntaram aos amigos Borito, Geraldo Franco, Mery que, como o autor, foram se despedir.
As brincadeiras, rodeando um lindo Pé de Tamarindo que se punha a frente esquinada da praça da matriz, dezenas de meninos e meninas brincam sob o sol escaldante de novembro, num dos anos de uma cidade feliz. As alegrias fazem com que o tempo seja um passageiro feliz. Algazarras e a brincadeira de quem falar primeiro come tudo quanto existe; duma outra de quem falar primeiro o cú da mãe padeceu, faziam com estas máximas infantis se tornassem presentes sem que o palavreado se torne agressivo.
Tudo que vem com afeto se torna inteligível e de tons amenos. Risos e gargalhadas se misturam aos vôos de pomba - rolas e tizis que fogem do sol e se abrigam às folhas secas do velho e risonho Pé de Tamarindo que se sentia feliz com as vozes infantis e os vôos dos pássaros em seu contorno robusto e secular. Cabrito preto, guariba, subiu a serra e desceu, filho da puta que falar primeiro, a velha mãe padeceu... Cantiga que fazia a obrigatoriedade do silencio destas infantis presenças na vida alegre da comunidade.
A descontração faz do lisonjeiro momento a paz que reina no medo de ser o primeiro a falar e ver o cú da mãe padecer. Longe o silencio toma conta de todo o circular da praça. Nem a folhinha verde, outra brincadeira, tinha coragem de ser sacada nas falas infantis. Tudo se torna quieto, quietude que só é quebrada pelo vento morno que vem da Rua da Praia na chegada de barcos e gaivotas. Meninos que chegam, vindo de outras periféricas ruas macaenses sentem o vazio do silencio. Puxa conversa com um e com outro ate que alguém não consegue de conter. Uma gargalhada só faz voltar o ambiente alegre que fazia feliz o Pé de Tamarindo da Praça Veríssimo de Mello em Macaé nos anos 60.
Foi, ao redor desta beleza de encantamento, que Marquinho Brochado chegou para se entrosar com a Turma da Rua do Meio., nos anos 60.
Como revoada de pardais, o escurecer fazia com que cada um saísse para suas casas. Destinos diferenciados destas crianças que ornavam nossas praças e ruas. Apenas o fofolhar das folhas caindo e a saudade da ausência de um Pé de Tamarindo e do menino do centro da cidade ainda resiste ao tempo.
Destino de pessoas que cresceram nos anos que o tempo deixou ser visto. Céu escuro. Não totalmente negro. Nuvens brancas tingem todo o arredondado do céu. De norte ao sul, donde a vista consegue atingir. A tempestade de verão toma conta de toda a cidade. Desaparecem todas as constelações, estrelas e planetas. A cidade pede para dormir em mais uma chuva de ventos. Tremem todos os galhos das arvores e oitis. Pássaros aninham-se. Chuva de verão.
A ausência de velhos amigos, meninos que cantavam seus casos, que enfrentaram a crueldade dos olhares maldosos de hipócritas defensores dos valores morais. As esquinas da vida começam a ficar longe da parede da mente que rebusca. Velhas cambas, luas, cheio da maresia vindo das ondas, da então Praia de Imbetiba, finórios se juntam ao enfumaçado do tempo. Tudo é a certeza que as coisas ficam gravadas, como ficará a presença meiga, arrogante, alegre, simples e muito doida do nosso Marquinho que não poderá, fisicamente, mergulhar nas ondas bravias do Pecado...
< anterior | índice | próximo > |