LUAR DE IMBETIBA

Psicanálise de uma cidade / Por José Milbs

JUSTIÇA SEJA FEITA

Num fórum, ainda engatinhando em papeladas e escritos manuais, se podia destacar a atuação do doutor Camilo Nogueira da Gama, que as pessoas sempre se referiam como o "Advogado da Família". Camilo foi para Brasília cumprir o mandato de Senador pelo Estado de Minas Gerais mais nunca deixou se ficar em contato com a cidade e com seus amigos. Sendo funcionário da Leopoldina e já em idade avançada o doutor Abílio de Souza se formou em Direito. Era, além de autodidata, poeta que fazia seus versos nas noites silenciosas em sua casa na Rua Direita.

Quando eu ia, ainda menino de calças curtas. na residência do Dr. Juiz de Direito Benedito Peixoto, ele e sua esposa dona Marieta Peixoto me confidenciava:-"Abílio tinha mais que senso de justiça, era possuído de um áurea poética que o tornava um dos maiores sentimentos que conheci".

Doutor Abílio morava perto do doutor Benedito e era vizinho do tabelião Faustino Marciano de Castro que por sua vez era idem de seu Otto e de Amélia Pinto Brasil outro pilar da justiça macaense nos idos de l940.

Doutor Abílio se apegava a profissão e seu vulto de homem puro e simples era patrimônio de nossas ruas. Um dia, timidamente, me mostrou um seu livro de poemas que ele guardava numa estante na sala da frente de sua casa onde funcionava também seu escritório de advocacia.

Eram poemas lindos que falavam nas belezas de sua alma pura de menino nas ruas de Macaé. Nas ondas verdes do mar de Imbetiba e na arrogante presença do teimoso Rio Macaé se encontrando ferozmente com as ondas do mar do cais do mercado. Falava numa Pororoca viva, virgem sendo desvirginada pelo rio imponente e azul.

O borbulhar da Pororoca, com seu ronco tinha a sinfonia do divino. Era como se estivesse rasgando as entranhas destes dois seres naturais. Ao norte, as gaivotas faziam coro aos pulos solitários de belas sardinhas que bailavam por entre as pedras do cais.

Eram seres vivos que se formavam neste encontro bravio e belo. Hoje não temos mais estes aconchegos naturais. Ele existe, mais as águas do mar foram impedidas de ter seu curso natural por buracos feitos em busca de Petróleo e o Rio Macaé esta totalmente podre com suas águas poluídas e sem força para caminhar. Dizem que o Rio quanto mais velho mais forte fica. Não é este o caso do Rio Macaé. Velho, fraco e triste caminha para o fim.

O Rio Macaé é um velho que morre fraco, depressivo e com sua vida arquejada e angustiado. E, a Pororoca que tanto ruído fazia na penetração deste ser com o mar? Não, fala mais. Ficou muda e, moribunda espera um dia voltar a revigorar o que acho impossível.

Não se vê mais os caniços estendidos, de "Armandinho" Sólon, "Bebeto" Bacellar, Paulo Barbosa Barreto e Ubirajara. As ausência dos Robalos e das Sardinhas deram espaço para ´proliferação de ratos e dejetos que andam livremente por entre tambores de óleos vazios, pneus e restos de roupas velhas vindo com o curso fraco do velho Rio Macaé

AINDA DR ABILIO

A exemplo de doutor Abílio, o doutor Benedito Peixoto é um símbolo das nossa história e estranho ainda não ter sido alvo de homenagem na Justiça do Estado do Rio.

Dr. Abílio estava sempre caminhando, fazia questão de, nos cumprimentos macaenses, revelar-se em seus profundos dons de homem sério, educado e poeta. Suas mãos tinham a beleza alva de um vitiligo que realçava seu porte esguio e sensível.

O sorriso do Dr. Abílio tinha algo que punha a mostra a subtileza do belo interior que poucas pessoas possuem. Seria um ferroviário que se formou em Direito?

A formatura de seus filhos Ronald, Abílio Cláudio, Berenice e Ivonildes coroou a vida deste homem que, passando os ensinamentos para Ronald o viu Juiz e Desembargador. Abílio Cláudio se formou em Medicina, dirigiu o Hospital Escola António Pedro em Niterói e as meninas professoras. Berenice foi minha professora no primário e Ivonilde madrinha de minha irmã Djecila.

O DESEMBARGADOR E O ARTESÃO

Ronald marcou sua presença na vida macaense pela simplicidade. Sempre visto em suas vindas a Macaé abraçado ao velho pai que nunca deixou o terno azul marinho que o acompanhava nas lides Judiciárias.

Ronald atravessava a Praça Veríssimo de Melo para visitar seu amigo alfaiate Paulo Rodrigues Barreto e era alegremente saudados por ferroviários aposentados que ocupavam os bancos do jardim e senhoras que iam para a igreja matriz.

Nesta caminhada Ronald ia revendo Jorge e Jair, parava na farmácia de seu Siqueira, ria e brincava com Cloves Mello, abraçava Motinha., Carlos Augusto e ria com as brincadeiras felizes de Jonas Willemen, o nosso "Jonas Macacada" e acenava para Alvinho Paixão que voltava das noites.

De vez em quando conversava com Levy e recordava a existência de Custódio e sua eloqüente oratória e perguntava por Gilson, Nilo e Abel. Depois desta caminhada por entre poeiras macaenses e gente amiga, era comum este nosso Desembargador ir para o "Café e Restaurante Belas Artes" conversar .

Renato Fernandes já estava com seu cafezinho sendo mexido quando Ronald chegava.

Carlos Augusto, Mangueira, O velho Maia, Dinys e dona Maria, proprietários do Bar, já sabiam que a "roda" iria se fechar e a conversa entrar pela noite. Dynis e dona Maria são portugueses que difilcilmente teremos em nossa comunidade com tanta pureza e simpatia. Saindo dos Belas Artes eles foram para o Bairro Miramar onde entraram no ramo de padaria e ainda teve tempo para abrir um lindo bar com o nome de Belas Artes.

OS MAIAS

O Velho Patriarca dos Maias num canto falava das travessuras de seus filhos Carlos, Manoel, "Paulinho", "Tonho" e "Mário Agulha". Num canto sempre observando o total das periféricas mesas, o irmão de Mangueira fazia-se acompanhar de Adolpho e Antão que, nas prosas da boca da noite que se avizinhava, eram todos um só corpo de uma só cidade.

Era assim que Macaé dava seus passos estreitos mais sensivelmente seus na busca da formação de sua verdadeira história feitas por seus pilares.

Nas mesas do "Belas Artes" rodava de tudo. Política, Fofoca, Briga de Galo ou movimentação financeira. Surgiam todas neste bar que simbolizava a vivência diária da comunidade. Ali não havia diferença ideológica. Não me lembro de falácias de mulheres alheias.

Tanto podia sentar na mesa José Madeira, Celestino, Márcio Paes, "Filhinho" Leandro Soares ou Walter Quaresma. Havia uma respeitabilidade humana que era acima das divergências.

As humanas presenças formavam uma grande presença que representava os diferentes valores distribuídos em cada um deles sem que isso fosse de encontro com suas preferências políticas ou de religiosidade.

Ao longo da noite Cláudio Upiano, "Dege", Osvaldo "Argentino", Alex Victor (ainda um menininho), Ivairzinho, Frota, Alvinho, Lafayete Ciriaco, Luiz Fernando, Crause, Guilherme Oliveira, Milcélio e as vezes Manfredo com seus olhos de gato, discutiam filosofias enquanto esperavam o fechamento do "Belas Artes" para se dirigirem para o "Imperatriz".

O Bar Imperatriz não tinha portas. Funcionava dia e noite e era ponto dos ônibus que vinham e iam para Campos e Rio de Janeiro. Dentre muitos de seus proprietários o velho Torquato e Rangel foram os que mais marcaram presença. Era ali que sempre estava atento aos "fugitivos pinduras da madrugada". O José Vieira o "Zé Mengão" gerenciava o Imperatriz. Ele com seu olhar de lynce ia receber os cafezinhos que algum malandro tomavam e saíam de fininho. Dentre outros o próprio escritor que vos escreve.

A madrugada sempre terminava no "Quadrado" ou no "Continental". Celso Mancebo, ainda era um menino curioso que cercava as mesas em perguntas espertas e matreiras.

O BARCO DE SEU MIGUEL ANGELO

Algumas manhãs eram com passeios no barco do Professor Miguel Ângelo da Silva Santos ou nos mergulhos perigosos nas águas límpidas do Rio Macaé pelo casco do navio "Tinguin", com T mesmo, que encalhou no Cais nos anos 50. Gardel, Cláudio os maiores da filharada tinham abertura e eram bem chegados nas garotadas da Pororoca, rua da Igualdade e rua do Meio. Todos fregueses assíduos do velho Barco de seu Miguel .

Acho até que Nilton Carvalho, Arthur Grandão e Roberto de Seu "Bebé" iam também por aquelas bandas de saudosas recordações de um tempo que ficou na lembrança como algo verdadeiramente de uma cidade que morre a cada dia e seu passado ficaria cimentado não fosse algumas lembranças.

LIVRARIA SABER DE UPIANO

Cláudio Upiano foi o primeiro a abrir uma livraria com sabor de pura filosofia. Convidou Niltinho Carlos Curvello Costa , o nosso Niltinho para trabalhar nela e, na Teixeira de Gouveia fundou a SABER que não demorou muito tempo.

Depois de alguns anos eu soube que Dinys e dona Maria tinha fundado uma padaria no Bairro Miramar e um barzinho ao lado com o nome de "Belas Artes." Anos depois o filho de Lucas da Leopoldina e o filho de Geraldo dariam o nome de um hotel também. Toninho e Marcelo reviveram a história perpetuando algo que seus pais vivenciaram nas longas caminhadas a pé de uma cidade motorizada e fria nos anos 2000.

AINDA SOBRE RONALD DE SOUZA

Quando Ronald era Desembargador, eu ia sempre a Niterói e sentava com ele e Abílio Cláudio num barzinho perto da Faculdade de Direito. Longas conversas sobre as pessoas e noticias de um ou de outro.

Pouco chope, mais ingeria alguns, moderadamente. Um dia me convidou e fui com ele ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Queria que almoçasse com ele no restaurante dos juizes. Num elevador especial entramos e fomos até o restaurante..Neste dia reconheci numa mesa que estava a nossa direita perto de uma janela de formato angular e pintada de branco, a presença de Franklin Vieira dos Santos Costa outro macaense e juiz que respondia por duas Varas Criminais. Se não me engano a 27 e a 28.

Conversamos mais de meia hora e "Mirrola", como era conhecido o Franklin, foi me passando as coisas que vinha fazendo longe de Macaé mais com o pensamento aqui.

Sempre perguntando por gente que ele conhecia e fazia florir seu mundo mental falava de Frazão, Odyr, Renato Fernandes, "Baeca-da-Boa Vista", Lumar e Raul. Ronald e Franklin eram a própria existência macaense no Tribunal. Anos depois me fizeram testemunhas na briga triste dos juizes Eliane Alfradique e Júlio Pitanga.

Conversei horas com o desembargador Cotta e confirmamos o afeto que Ronald estendeu ao este Tribunal de Justiça. A simplicidade com que Cotta falava dele podia entrar como verdade que só os macaenses sabiam existir. Ronald falava de "Motinha", "Alvinho" e "Florzinha" com o mesmo olhar carinhoso que falava de seus pares . Era a transferência do carinhoso que afirmava existir nos humanos segundo Freud em sua psicanálise transferencial.

Ronald ainda veio muitas vezes até a cidade e, numa de suas últimas, dizia que estava um pouco descontente com o judiciário, sem desacreditar da justiça. Detalhou fato que reservo de comentar, mais o Paulo Barreto e o Carlos Augusto Tinoco estavam presentes, e sentiram sua tristeza. Uma semana depois, no próprio Tribunal, numa audiência, provocou sua tristeza.

Socou friamente o ar e caiu, sendo fulminado por um enfarte. Sabemos dos motivos de sua angústia que estava relacionado com uma causa que o voto foi mudado e lhe causou a revolta. Parece num caso de desquite sei lá. ele chegou a dizer para mim e Paulo. Ronald sempre será reverenciado pela justiça. Seria presidente do TJ, me confidenciou o desembargador Cota, outro expoente da justiça e seu amigo pessoal.

COELHO E ZÉ PASSARINHO

Quando havia grandes árvores em torno das ruas Teixeira de Gouveia e Imperador as jogadas de futebol eram em campinhos por toda a cidade. Grandes goleiros. Aymar Coelho e José do Carmo Mathias Netto. Aymar, respeitado pelos batedores por seu estilo corajoso em enfrentar os petardos. José Passarinho era pelo seu vôo certeiro catando os chutes onde quer que eles iam. Aymar com sua vendinha na praça se foi para São Paulo onde criou filhos e netos numa cidade de interior de nome Lorena. José do Carmo foi para Niterói ensinar Matemática. Contam que um dia foi chutado para Zé um petardo. Veio com efeito. Ele tentou encaixar mais a bola rodopiou sobre sua cabeça e tomou um efeito ainda maior. Quando todo mundo já tinha gritado Goool ele se vira e expõe a bola presa em suas mãos atrás em suas costas. Foi ai que seu nome ficou marcado na história dos grandes goleiros do passado.

Quanto as tardes macaenses nos anos 50 e 60 estavam com uma monotonia natural as cidades do interior, as pessoas se reuniam em locais como em toda cidadezinha. Na rua principal uma sinuca atraia os curiosos quando entardecia e os raios de sol se iam com seus filetes mágicos.

Esta sinuca era onde jogavam os chamados cobras do taco. "Vaval", "Turrinha", Arthur, "Nensinho Cauby", Justino, Durval, Neri, Ereny, Jose Calil Filho e outros que, na fuga da memória, ficam para serem citados verbalmente por quantos lerem estes escritos.

Acho que a disputa de um "bolo" a cem reais ganhava que entrava com duas vidas no inicio de suas mortes. As. tacadas geniais destes mestres eram acompanhadas por centenas de espectadores como eu que éramos os desocupados da época. Muitas vezes Justino, em partida com Durval ou com Arthur, valendo 500, iniciava na bola um, puxava ate o meio para pegar a cinco duas vezes, ia na dois, repicando na tabela, pegava a seis, ia na três, voltava na sete e, de tiro, matava a quatro, puxando para o meio, caçapando a cinco duas vezes e pegando a sete e a seis.

Era uma das melhores jogadas que tinham a presencia-las dezenas de assistentes.Depois era só meter a mão na caçapa, por o dinheiro no bolso, pedir o tempo e ir todos tomar cerveja nos bares abertos de uma cidade que pouco dormia nestes anos.

Quando o sol avermelhava-se por entres galhos das frondosas arvores existentes em ruas mal iluminadas, era hora de dormir e esbarroar-se em gente que iniciava o dia de um longo trabalho. Padeiros, Ferroviários e Plantonistas do Samdu eram cumprimentadas pelos notívagos.

"Garfo e faca pêra a maça 
garfo é faca pêra maça"

As gerações passam e seu significado continua a brotar nos quantos que fazem de sua fala o transmissor de tão rara beleza e encantamento. O "Chicotinho Queimado" ainda é visto em correrias embelezadas pelo sabor das recordações de cada um de nós que dele brincou ou viu pular nas infância vividas e havidas.

As proximidades da primavera e o anúncio do abrandamento dos ventos, mini-uivantes dos meses de agosto e meados de setembro, fazem com que as rabiolas da pipas sejam encurtadas no doce encantamento natural do entendimento infantil. Os céus voltam a se embandeiram de coloridos pipenses onde os cruxas e os ceróes fazem a esperança de centenas de meninos torcendo para as pipas voadas chegaram ao chão...


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