DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capitulo II

A semente tinha sido lançada e ele o bem sabia. Suas férias não tinham sido em vão e sua volta a Macaé, nesta manha de sol de verão tinha o sabor do belo. Tinha a beleza do dever cumprido. O sol ainda esta bem alto quando o menino Canela de Pau sai de casa para o Colégio e o Guarda-freio vai para sua casinha pobre num bairro qualquer desta cidadezinha. Os ferroviários se levantar de sua preguiçosa posição em baixo da linda amendoeira. Quem tem bicicleta “amonta” quem não tem vai de “viação canela” com destino ao trabalho que movimentará milhões de dólares nos bolsos, já cheios de ingleses, donos da ferrovia.

Antes mesmos de deixarem suas bicicletas e apanharem, no painel o seu numero de funcionário e jogar numa caixa, eles se entreolham e lembram das palavras do jovem guarda-freio. Quem antes nem pensava em mudar a vida dos filhos e netos que viriam já querem alternativa de vida. Chega de ficar igual gado indo e vindo dia após dia e sem que o lucro aumente alguma coisa em sua mesa. Já olham desconfiados para o cara que fica postado na entrada do trabalho e vigiam tudo que sai nos bolsos e entram. Homens que mais parecem, agora, os “capitães do Mato” que matavam e cassavam irmãos negros e entregavam companheiros.

Seus olhos agora eram de quem queria mudar esta relação de maneira que, no futuro não veja seus filhos sendo arrastados por esta maquina devassaladora que é a exploração do homem. Agora já iam olhar o sorriso dos que usam os macacões, sobretudos azulados e gravatas. Eles são, sem saber os inimigos da classe trabalhadora que tanto frisou o jovem de férias embaixo da velha Amendoeira. Sem que ele possa perceber tem que ser falado de boca em boca, de bancada em bancada, a idéia de mudar esta situação. No outro lado da cidadezinha o menino de 13 anos, o alegre Canela de Pau já esta entrando nos casarão onde funcionava seu colégio.

As doze badaladas de um velho relógio de parede , no corredor do colégio, batem ao mesmo tempo em que o Buso da entrada dos ferroviários na periferia da praia. Ambos os avisos dão conta de pequenas e sutis obrigações entre estas duas e desconhecidas existências. Canela de Pau indo para a Escola Ferroviária 8-1 Senai e Guarda-freios indo para as oficinas da Estrada de Ferro Leopoldina...

Canela de Pau e o Guarda-freio jamais imaginariam que iriam fazer parte de uma história linda de uma cidadezinha de interior, iguais a tantas outras. Suas duas presenças vivas eram diferenciadas em geografia. Nunca tinham se visto antes. Canela de Pau e o Guarda-freio estavam fazendo parte de um mundo completamente desconhecido e, nem eu sonho imaginariam alguma coisa que os fizessem ligados. Somente pela criação que ambos tiveram de seus familiares tudo neles eram diferente. Guarda-freio tinha 22 anos e Canela de Pau 13. Se eles tinham sido educados por mães de avós que lhes colocaram na cabeça a existência do eterno e de um ser criador isto era comum entre os dois. A Mãe de Guarda-freios dizia para ele, desde que começou a andar que na “lua morava São Jorge” e, ele, não é que via este São Jorge lá na lua. E Canela de Pau tinha também outras crenças . Educado num credimento de santos e outras coisas tinha na criação de Adão e Eva uma crendice.

Que coisa terrível para seres humanos sendo educados em coisas que não se tem certeza de ser real. Guarda-freio, logo viu que tudo aquilo não passava de uma mentira milenar que faz com que os seres fiquem atrasados em seu raciocínio. Canela de Pau ainda acreditava em Santos e outras coisas.

Se um companheiro de idas e vindas nas claras noites de luar que permeava a presença de guarda-frios nos trilhos da estrada de ferro, não tivesse aberto sua visão ele talvez demorasse mais tempo para sacar a inexistência do São Jorge Lunar...

A cidadezinha continuava sua lenta e preguiçosa vida . Alguns carros de bois passam com destino a matadouros. Homens do Mar voltam de longas pescarias em mares distantes. Alguns comerciantes começam a construir seus altos e baixos. Uma espécie de casa em cima do comercio, Era uma maneira de se sentir rico nesta época de pouco progresso. Quem tinha uma vendinha, juntava dinheiro e construía em cima onde morava e criava os filhos.

Nesta monotonia as mutações eram lerdas como lerda era a passada dos transeuntes nas vias principais. As tardes e manhas tinham o saboramento gostoso de gosto ameno e adocicado pelo prazer do nada. Peladas se multiplicavam em terrenos baldios e descampados. A estação de trens se movimentava três vezes durante as chegadas das suas composições. À tardinha vinha o Expresso , mais adiante, lá pelas cinco e meia vinha o Rápido e nas madrugadas o Noturno.

O gênio meio indomado de Canela de Pau era uma marca de sua personalidade. Detestava sem saber as ordens vindas de outras pessoas e com isso sua frágil figura magrinha ia criando asas e descobertas diferentes dos meninos de sua idade. Rebelde como aluno, respondão como nenhum outro ele foi se destacando de maneira que não se adaptava muito facilmente a doutrina que era passada em colégios e nas casas dos parentes, Fingia aceitar certas coisas e, na medida em que se via sozinho, ria das coisas que pensavam que ele tinha acordado e, quando se via livre usava de meios, muitas vezes engraçados, para dizer não ao que os outros diziam sim.

O Guarda-freio voltava de suas férias . Tinha ido de trens até Barão de Mauá e se lembrava das noites em que vinha do Rio de Janeiro até a sua cidade de nascimento e trabalho. Numa destas viagens foi que um companheiro riu de suas infantilidades no infantil “São Jorge da Lua”. Sem ele saber estava ali, sendo pinçado ao Materialismo Histórico que tanto rebuliço estava criando na Europa.

A Lua no alto do infinito clareava os trilhos por onde a Locomotiva trilhava seu belo trajeto . A mata tinha um novo cheiro e os ventos que assanhavam seus cabelos tinham um formato muito diferente. Parecia que alguma coisa nova tinha tocado a existência deste jovem ferroviário de 23 anos.


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Jornal O Rebate