DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo XVI

Com 14 anos e cursando o segundo ano na Escola Ferroviária do Senai da Estrada de Ferro Leopoldina, Canela de Pau chega a Cachoeira do Itapemirin no Espírito Santo. È uma viagem que todos os alunos do segundo e terceiro anos fazem de graça como presente da ferrovia aos seus estudos. Viajam no Noturno que é para chegar bem cedinho.

Guarda-freios e Canela de Pau iriam se encontrar numa destas esquinas da vida. O menino de 14 anos e o rapaz de 25 se cumprimentam na Estação de Cachoeira. Ele já o tinha visto nas idas e vindas à oficina Geral e ele também o tinha visto nas tardes que a sombra da Amendoeira do Bar Mocambo, em Imbetiba. Elas são testemunhas das longas conversas antes de cada dia de almoço e saídas da ferrovia.

Missão cumprida de Guarda-freio num encontro com outro Guarda-freio de nome Tavares, motivou curiosos entendimentos entre estes três seres humanos. Dois macaenses e um capixaba. Um menino e dois Combatentes. Dois Tavares e umGama . O menino se apresenta e logo é chamado de Gama e os dois Tavares idem. Waldyr é o Tavares de Macaé. Começa ai um encontro fraterno que irá se prolongar nas três existências...

A pequena cidade onde estes personagens moram sofre uma grande transformação sócia econômica e cultural mais a semente que foi plantada no rápido encontro haveria de crescer e fazer vigorar o fruto em forma de meios mais objetivos na busca de uma sociedade mais justa, fraterna e humana. O menino Gama cresceu, fez escola nas lideranças políticas e estudantis. Virou Pinguin até os 18 anos, e até os 30 ainda acreditava na eternidade da existência e nos ritos que lhe foram passados pelos familiares.

O Tavares Waldyr se fortalecia nas lutas políticas em outras trincheiras. Se o menino Gama ainda acreditava nas vias parlamentares para transformar a sociedade o Tavares já estava muito distante desta mentira “democrática”.

O menino Gama e o Tavares Waldyr se reencontram nos anos de chumbo. Fervilha no Brasil a luta contra a ditadura militar e os dois voltam conversar. Movimento contracultura de um lado e luta armada de outro. Se o menino Gama tinha chutado a balde do social e caído de cabeça no movimento Hippie o Tavares estava vendo a solução na luta armada.

Dizem que os extremos de tocam e ai deve residir alguma coisa de verdadeiro. O menino Gama já não esta acreditando no eterno e com algumas conversas mais amplas seus horizontes se tocam. Anos se passam e eles continuam na mesma cidadezinha de sol e mar esverdeado que banha a bela e turística Praia de imbetiba...

Acreditando na transformação pelo voto, o menino Gama, já adulto se entusiasma pelo PT . Tavares avisa em todo momento que se esbarram nalguma esquina da vida: “não é por ai”... E não era mesmo...

Menino Gama fica 27 anos enganados e a paciência revolucionária de Waldyr o faz esperar. Não foram em vão à negativa experiência do Gama nem a paciência do Waldyr.

Aos quase oitenta anos o guarda-freio Tavares e aos quase 70 Canela de Pau Gama estão no mesmo barco que navega em busca de uma sociedade mais justa. Agora ambos não acreditam na transformação da sociedade pela via parlamentar e estão ombro a ombro na luta pela igualdade dos povos. Antes tarde que nunca. As origens na ferrovia uniram estes dois seres.

A Praia de Imbetiba, na cidadezinha de Macaé não é mais a mesma. Suas ondas bravias não banham mais as pedras que circundavam o Velho Hotel Balneário de Imbetiba. O sol, nas tardes frescas, não consegue mais fazer, nas ondas que sumiram os fios cor de ouro que tanto alegrava o olhar das crianças. Sumiram as pedras brancas e as estrelas do mar...

Os passos de trabalhadores que vão diariamente ao local onde funcionava a Estação da Leopoldina, habitam outros corpos humanos. As bicicletas cederam lugar a luxuosos micros ônibus e carros importados. Embora uma grande maioria ainda ostente o rosto cansado de noites embarcados no alto mar de Macaé, existe uma diferença latente. Os dedos tocam maquinas leves e as mãos não cedem lugar aos calos das batidas dos malhos, do corte de chapas de aço e os olhos não aparecem vermelhos pelas faíscas das serras e pingos de fogo que saiam das caldeiras . È uma nova Macaé que brota. A rua é a mesma, embora ornadas por prédios modernos. O Hotel se transformou, as areias se amarelaram e a amendoeira deu lugar a ponto de táxi...

Luxuosos privativos substituem as valas que foram usadas, na extensão do campinho do Senai para as necessidades fisiológicas. Os possantes chuveiros da Oficina geral, marco de um socialismo puro de corpos humanos nus em banhos ao entardecer de um dia de trabalho estão substituídos por chuveiros quentes e paredes cheirosas. Se antes os banhos eram realizados nos entroncamentos de máquinas, tornos, peças de reposições de vagões e calor humanos nos que esperavam sua vez no chuveirão da Oficina Geral, hoje a individualidade afasta ainda mais o socialismo humano que some na relação dos homens... Apenas a saudade e a certeza de ter dado o primeiro passo na luta pela transformação da diferença de classes, ornamenta a cabeça de velhos combatentes...

As idas e vindas de empregados da Petrobras fazem o mesmo percurso que eram feitos pelos Ferroviários . A mesma rua, a mesma geografia, a mesma ilha do Papagaio. Só que o esbarramento dos olhos dos Ferroviários via uma praia de ondas esverdeadas, uma areia limpa e uma pedra escorregadia pelas algas que lhe faziam verde. Os Petroleiros olham também. Vem à mesma praia, suja, com ondas fracas, tristes e moribundas. A pedra é pedra que mais parece pedra de obras. Fria, sem calor vital. O olhar mais longo vê a mesma ilha do Papagaio cheia de embarcações, cercadas de detritos, pedaços de paus com nomes estrangeiros e muito plásticos, cocôs multinacionais e mais fedorento boiando onde antes os botos faziam à festa inocente para alegria dos moradores... Parece mesmo a Praça Mauá dos anos 60 quando se iniciou a destruição da Baia de Guanabara .

Que estes que destroem, conscientemente, esta beleza natural, bebam petróleo, quando a água se acabar...

Canela de Pau, o velho Gama e Guarda-freios, o combatente Tavares estão unidos na diferenciação geográfica da cidade que os viram nascer no século passado. Unidos na busca de uma nova sociedade Justa Igualitária e Fraterna eles procuram exemplificar-se para as gerações futuras.

A história destas vivências humanas é a certeza fria e cruel de que o “Homem é o que é por último” como queria o filósofo de nossas ruas empoeiradas, Fernando Frota, morto aos 74 anos sem que sua máxima tivesse sito estudado por quem deveria fazê-lo.


< anterior índice  

 

Jornal O Rebate