De sonho em sonho a ausência presente foi se consolidando no entendimento de Ecila. Às vezes conversava com Santa ou vovô Idibaldo ou com seu Raymundo,um velho de Salvador que morava numa casinha velha quase em frente onde havia a casa de dona Titinha, da Escola de Samba Independente. Seu Raimundo, lhe falava da existência em outras vidas. Ecila já se sentia feliz com a vinda e ida de seu pai nos sonhos. Era como indo e vindo nas outras vidas que o bom Soteropolitano lhe dizia. Por sua própria conta entendia a morte e não procurava mais culpas por seu pai ter morrido tão lindo e jovem. Até mesmo as ladainhas do mês de maio e as procissões do dia do Padroeiro de Macaé, Ecila ia tranqüilamente nos seus l4 anos de idade nas ruas empoeiradas de Macaé, cidadezinha praiana, situada no norte do Estado do Rio de Janeiro....
As vitrolas os sons vindo do rádio e as praias eram as únicas ou, talvez as poucas distrações do mundo nestes anos. Uma cabeça muito acima das normalidades da época. Para muitos uma menina “espevitada”. Para outros a herdeira do fazendeiro Mathias Coutinho de Lacerda que tinha tudo a seus pés. Para alguns uma maluquinha que andava solta aos ventos das ruas de Macaé e a todos cumprimentando com as alegrias que brotavam de uma cidade igualmente pura.
Ecila transferia para si os olhares de todos. Já mocinha dava preocupação a sua mãe Nhazinha que projetava um casamento onde ela fosse feliz. Namorar era muito cedo e, aos l7 anos fazia crescer muito mais as vigiativas saídas desta menina moça. Seus avós, Emilio e Adelaide, eram seus confidentes quando recebia olhares furtivos dos meninos dos anos 30.
Macaé ainda tinha bonde puxado a burros. Suas ruas tinham a dimensão da solidão diária. Poucos eram os que passavam em suas ruelas e pequenas travessas ...A principal, de nome Rua Direita, era onde Ecila morava era a mais movimentada. Era uma casa antiga em frente para a Sociedade Musical Nova Aurora cujo quintal ia até quase a estação de trens.Tinha todo o tipo de fruteiras e muitas galinhas no terreno.As Cadeiras nas Calçadas e as idas e vindas de senhores e senhoras era uma constante..As ladainhas de maio, as visitas dos parentes e os belos desfiles dos poucos carros Ford era a distração.
Um velho ônibus dirigido por Benício era sempre festejado com adeuszinhos e beijos. Ecila era orientada para ser “uma menina de modos” e que quando casasse desse as alegrias de um casamento sólido e muito feliz. Novas amizades, Maria do Amparo, filha de Zelita e de Álvaro Bruno, As filhas de Catuta, Amélia Brasil e Magda...
Sua mãe gostava de que ela namorasse um jovem de Bom Jesus que estudava em Macaé. Moacyr do Carmo não era lá muito bonito. Tinha até um apelido de “Moacyr Budog” mais era de fino trato e de boa família.Tinham outros meninos que era do gosto de sua mãe. .A cidade era pequena e suas populações se conheciam. Mulheres, homens, todos faziam parte da comunidade e Ecila enumerava as dezenas de pessoas de seu convívio. Já saía sozinha, freqüentava as tardes nas danças em residências de amigas e visitava famílias que habitavam este mundo pequeno de uma cidade de interior.
Conversas na casa de Morgadinha, mulher de Benedito Lacerda, seu irmão de sangue, era comum a esta menina fugitiva da rua direita. Com Morgadinha e Benedito ela ia se familiarizando com as histórias sobre seu pai Mathias Lacerda e de sua vida na Fazenda do Airys antes dele se casar com sua mãe Nhasinha. Uma outra história diferenciada das que ouvia em casa. Ali ela podia aprender a amar também e ter amizades que iriam acompanhar sua existência através dos anos. Morgadinha com sua ingênua pureza de mulher guerreira e Benedito Lacerda, ferroviário nascido na Fazenda do Airys iam abrindo mais ainda a mente desta menina/moça numa Macaé repressora e de poucas liberdades para as mulheres.
Quando ia conversar com Nilza de Mello Keller, esposa de Tinoco ficava horas na contemplação de fatos que era trazido para seu conhecimento. O engatinhamento de Macaé, que tinha o início na ferrovia que abriu novos horizontes habitacionais, vinha trazendo gente nova para a cidade e Ecila a todos fazia cortesia. Seu modo alegre de viver ia abrindo as portas da cidade a pessoas que, oriundas de outras, aqui estavam em busca de uma amizade e um acasalamento afetivo do mundo que a ferrovia trazia. Esta presença simples de uma herdeira de grande fortuna e sua simplicidade, ia aumentando as amizades e amalgamando a presença dos jovens ferroviários com a cidade. Ecila ia nas casas simples nos Cajueiros, às vezes era encontrada em longas brincadeiras com os filhos de Tinoco nas cercanias de Imbetiba. Muitas vezes era trazida para casa pelos irmãos de Nilda Mello, Aristótellis Mello e Dandão, enfim, esta menina ia sendo uma espécie de abertura social para as centenas de meninas e meninos, filhos dos primeiros ferroviários que vinham habitar Macaé.
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